Segundo pesquisa da Market Analysis, oito em cada dez produtos fazem alegações ambientais que não se sustentam. A categoria de produtos de limpeza é campeã na maquiagem verde, enquanto brinquedos, higiene e cosméticos apresentam melhora
Por Amália Safatle
Embora o público consumidor no Brasil continue bastante interessado na responsabilidade socioambiental das empresas, pesquisa realizada pela Market Analysis mostra que as altíssimas taxas de greenwashing permaneceram estáveis na última década. As empresas falam mais sobre temas ambientais, mas continuam maquiando seus produtos para parecerem mais sustentáveis do que realmente são.
A terceira edição da pesquisa Greenwashing no Brasil: Um estudo das alegações ambientais nos produtos, publicada com exclusividade pela Página22, revela que em 2023 o comportamento do consumidor de punir ou premiar empresas por meio do que consomem teve um crescimento significativo. Com isso, as empresas aumentaram a quantidade de alegações ambientais em seus produtos. No entanto, a repetição do padrão nas taxas de greenwashing em produtos de grandes redes nacionais de supermercados, lojas de utilitários domésticos e farmácias, desde 2010, é alarmante.
Em 2024, observou-se que 81% desses produtos trazem em suas embalagens algum tipo de “maquiagem verde”, taxa que variou apenas 1% desde as edições de 2010 e 2014 desta mesma pesquisa. Ou seja, oito em cada dez produtos que possuem rótulos ambientais fazem alegações que não se sustentam.
A metodologia de análise do estudo foi criada pela empresa Terrachoice e aplicada em diversos países no mundo. A Market Analysis Brasil foi a primeira empresa a aplicá-la no mercado brasileiro, em 2010.
Em busca de se beneficiar da tendência de consumo de produtos mais ecologicamente corretos, algumas marcas colocam mais de uma alegação ambiental em um mesmo produto. Nos 2.098 produtos analisados, foram encontrados 4.509 apelos de cunho ambiental. Na tentativa de agregar diferentes estratégias de marketing em uma mesma embalagem para atrair o olhar do(a) consumidor(a) consciente, 50% dos produtos acabam cometendo dois ou mais tipos de greenwashing ao mesmo tempo. A média, em 2024, foi de 2,1 alegações ambientais por produto, aumento expressivo em comparação à media de 1,3 de 2014.
A série de pesquisas mostra que as estratégias de greenwashing têm se alterado ao longo do tempo na busca de diversificar táticas, apelos e mensagens “ecologicamente corretas”, mesmo que sejam falsas, imprecisas ou confusas. Foi o caso dos produtos de limpeza, cujo aumento de 27% nas taxas de greenwashing tenta passar uma imagem mais “verde”, mesmo sem comunicar benefícios reais ao meio ambiente.
O que é greenwashing e quais são seus tipos
A “maquiagem verde“ ou greenwashing consiste em ações de marketing que contém alegações, ou apelos, de cunho sustentável, também chamado de “verde”, para promover uma falsa imagem de que determinada marca ou produto é ecologicamente responsável.
O greenwashing confunde o consumidor, que muitas vezes quer fazer uma escolha consciente, mas é enganado por promessas ou afirmações ambientais que não se sustentam.
Essa prática mina a confiança no ideal de sustentabilidade e nas marcas posicionadas como sustentáveis, provocando um ceticismo sobre a autenticidade dos compromissos ambientais e o senso de competência do consumidor em fazer valer sua capacidade de agência desde o mercado.
Os 7 pecados da maquiagem verde
Conforme descritos pela Terrachoice, os pecados do greenwashing são:
1. Custo ambiental camuflado: ocorre quando há uma alegação sobre uma característica ambientalmente preferível pontual em um produto ou serviço, ao mesmo tempo em que desconsidera outros critérios de alto impacto na cadeia de produção.
Exemplo: produtos de limpeza “verdes” por características específicas (menos embalagem, produto concentrado, embalagem reciclável etc.) que não esclarecem questões como consumo de água e energia na fabricação e no uso do produto.
2. Falta de prova: ocorre quando há uma declaração de que o produto é ambientalmente preferível sem indicações acessíveis para comprovar tal afirmação.
Exemplo: afirmação de que o produto é biodegradável ou “não testado em animais” em embalagens que não forneciam website ou número de SAC válido para confirmação da informação.
3. Incerteza: ocorre quando há uma declaração vaga ou abrangente (incluindo gráficos e símbolos) que não possibilitam a compreensão objetiva do benefício ambiental declarado.
Exemplo: ocorre quando há afirmações de que o produto é “amigo do meio ambiente”, “eco”, “sustentável”, “protege a natureza” etc., sem explicações específicas sobre o que isso quer dizer na prática.
4. Irrelevância: ocorre quando há um destaque de características ambientalmente corretas do produto que são, na verdade, obrigações dos fabricantes.
Exemplo: a expressão “Não contém CFC”, encontrada em embalagens aerossol. O CFC foi banido das embalagens por legislação há décadas.
5. Menos pior: apelos ambientais presentes em produtos ou serviços cujo consumo, por si só, causa prejuízo maior ao indivíduo e ao meio ambiente.
Exemplo: cigarros orgânicos, etanol – o combustível verde, inseticidas e pesticidas “ecológicos”.
6. Mentira: ocorre quando há menções a certificações ou endosso de terceira parte que são falsas ou cujo registro junto ao órgão certificador está vencido.
Exemplo: produto com selo FSC cujo registro não constava no site da organização.
7. Culto a falsos rótulos: ocorre quando há o uso de gráficos e expressões emulando selos ou certificações que, na verdade, não existem.
Exemplo: desenho de um planeta Terra entre duas mãos em um retângulo com a frase “Cuidando do meio ambiente”, encontrado em diversos desodorantes
“Produto amigo da natureza”? Apelos sustentáveis vagos, sem contexto e sem aplicação prática ainda são a principal estratégia da maquiagem verde
Desde a pesquisa de 2010, observa-se que o principal artifício de greenwashing usado no Brasil é Incerteza, ou seja, as alegações sustentáveis são vagas, sem indicar nenhuma ação ou benefício ambiental concreto.
Afirmações de que o produto é “amigo do meio ambiente”, “eco”, “sustentável”, “protege a natureza”, sem explicações específicas sobre o que isso quer dizer na prática, são as mais comuns entre todas as categorias de produtos. A presença dos outros tipos de greenwashing, no entanto, variou bastante nesse tempo. Pecados como o “culto aos falsos rótulos” estão bem menos presentes nos produtos respeito de 10 anos atrás (-17 p.p que em 2014), enquanto a irrelevância (+13 p.p.) e o custo ambiental camuflado (+10 p.p.) se tornaram mais frequentes.
Essa mudança pode refletir uma tentativa das empresas de mascarar suas práticas, ampliando o portfólio de claims ambientais para confundir os consumidores. A aposta nessa fragmentação de artifícios usados tem menos a ver com a desatenção do público consumidor a questões ambientais ou sua vontade de exercer cidadania através da sua compra, e sim mais com as dificuldades em distinguir selos falsos de genuínos ou de ter ferramentas disponíveis para entender argumentos periféricos de centrais no comportamento empresarial.
De fato, os estudos com consumidores indicam que o público está cada vez mais engajado em temas de sustentabilidade, e é mais provável que o comportamento das empresas seja uma estratégia de diversificação e aumento de volume das alegações “verdes” para chamar ainda mais a atenção desse público.
Evolução do percentual de produtos por pecado do greenwashing
Empresas de diferentes ramos mudaram seu comportamento frente à temática ambiental na última década. Em 2014, as categorias de eletroeletrônicos e acessórios, brinquedos e artigos infantis, e materiais de escritório ou escolares apresentavam uma quantidade maior de “pecados” nos produtos “verdes”. Mas, dez anos depois, produtos de limpeza e casa, jardim e construção são os que mais apresentam greenwashing.
A categoria de brinquedos e artigos infantis teve uma queda expressiva de -21 pontos percentuais na porcentagem de alegações ambientais que, na verdade, são greenwashing. Entre esses produtos também houve 29% de aumento na quantidade de certificações ambientais oficiais entre 2014 e 2024. Cabe supor que as empresas podem estar mais atentas à responsabilidade ambiental ao se dirigir a esse público específico, tanto de crianças quanto de suas mães, pais e responsáveis.
Hipótese semelhante é aplicável ao público de “Cosméticos e higiene”, historicamente composto de maioria feminina. Nessa categoria, houve aumento de 14% na presença de selos oficiais. Tais mudanças indicam um grande crescimento da demanda do público consumidor por marcas e produtos que garantem sua contribuição positiva para o meio ambiente, bem como a adequação das próprias empresas a essa demanda.
Já o grande retrocesso na quantidade de selos oficiais nos corredores de eletroeletrônicos e acessórios sugere que talvez a sustentabilidade não conste mais nas prioridades da indústria de tecnologia.
O greenwashing cai levemente em todas as categorias de produtos, com exceção dos produtos de limpeza
A maioria das categorias apresenta alguma queda leve em sua proporção de produtos cometendo algum “pecado” de “greenwashing”. Os destaques são a redução notável em brinquedos e artigos infantis (-12 pontos percentuais – p.p.) e cosméticos e higiene (-6 p.p), categorias que já demonstravam leve queda desde 2014.
Mas, no corredor de produtos de limpeza, a proporção de pecados por produto aumenta 27 pontos percentuais, alcançando a porcentagem alarmante de 96% do total de produtos dessa categoria. Por também ser a categoria mais associada à componentes químicos danosos à saúde e ao meio-ambiente, é compreensível o interesse das empresas em afastar-se o máximo possível dessa imagem, e o greenwashing, mesmo que com suas alegações ambientais falsas, confusas, imprecisas ou sem benefício ambiental real, ainda é uma estratégia de aproximar a imagem do produto à tendência green.
Evolução da porcentagem de produtos que cometem greenwashing – por categoria de produtos
Público consumidor mantém seu interesse na responsabilidade socioambiental das empresas e seu consumo mais seletivo é uma forma de passar uma mensagem
Já há mais de uma década, observa-se que sete a oito em cada dez brasileiros (68%-81%) afirmam ter interesse em acompanhar as ações de responsabilidade socioambiental das empresas. Esse alto interesse constante indica que o consumidor não apenas valoriza causas ambientais e sociais, mas também alega monitorar as práticas corporativas para verificar se essas promessas se refletem em ações genuínas.
A elevada taxa de consumidores que acreditam na própria capacidade de influenciar empresas — com níveis entre 69% e 84% — reforça a percepção de que suas escolhas podem promover práticas mais sustentáveis. Observa-se também que as ações de incentivo positivo (premiação) e de punição (boicote ou crítica pública) aumentaram significativamente ao longo do tempo por parte dos(as) consumidores(as).
Enquanto a “premiação” de empresas sustentáveis, como falar bem ou consumir seus produtos, subiu de 22% em 2010 para 32% em 2023, as atitudes de punição, como críticas públicas ou boicotes, também subiram, de 10% em 2010 para 22% em 2023. Tais mudanças indicam que os consumidores estão cada vez mais propensos a agir conforme suas percepções de responsabilidade corporativa.
Metodologia da pesquisa
Em 2007 a empresa Terrachoice (atualmente denominada UL Solutions) desenvolveu uma metodologia para identificar e categorizar os diferentes tipos, ou “pecados”, do greenwashing, que consistem em estratégias utilizadas pelas empresas para apelar para a sensibilidade dos(as) consumidores(as) para temas ambientais. Essa metodologia possui 3 passos: encontrar produtos nas prateleiras de mercados nacionalmente representativos que possuem alegações ambientais em seus rótulos; descrever e registrar esses produtos em uma base de dados; e avaliar quais alegações ambientais são, na verdade, um tipo de greenwashing.
A coleta de dados foi realizada entre os meses de agosto e setembro de 2024. Foram visitadas 11 lojas pertencentes a redes varejistas nacionais, o que permite a inferência de que os produtos analisados fazem parte da oferta padrão de produtos no País.
Sete pesquisadoras percorreram os corredores de seis diferentes categorias de produtos e fotografaram as características de todos os produtos que apresentavam qualquer forma de alegação ambiental. As fotografias coletadas foram verificadas e descritas em nossa base de dados. A verificação garantiu que nenhum produto estivesse repetido, e que cada alegação ambiental fosse descrita individualmente.
A base de dados final contém 2.098 produtos e 3.045 alegações ambientais. Ela foi analisada e codificada segundo a metodologia desenvolvida pela Terrachoice e os padrões de codificação adotada desde a primeira edição dessa pesquisa, em 2010. Esse processo envolveu pesquisas detalhadas em websites de empresas, programas e organizações certificadoras para garantir a qualificação adequada de cada alegação.