O comércio regulado de emissões no Brasil já é uma realidade e representa uma estratégia custo-efetiva para setores altamente emissores. Além disso, os setores devem ter um ganho na “competitividade climática”, considerando a tendência internacional de taxas de ajuste de carbono na fronteira. A implementação efetiva do mercado terá cinco fases e a estimativa é que entre em operação plena somente por volta de 2030
Por Henrique Pereira* e Letícia Gavioli**
Após diversos projetos de lei originados na Câmara dos Deputados e no Senado, em tramitação desde 2021, e mais de uma década de estudos no âmbito do governo federal envolvendo o desenho de um mercado regulado de carbono no Brasil, foi publicada no Diário Oficial da União a lei que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), em 12 de dezembro de 2024.
A lei apresenta a estrutura para a implementação do mercado regulado de carbono no Brasil, incluindo os princípios e características do SBCE, a governança do sistema, seus ativos – a Cota Brasileira de Emissão (CBE) e o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs) –os elementos que precisarão ser estabelecidos ou observados no Plano Nacional de Alocação, no Registro Central do SBCE, no credenciamento e descredenciamento de metodologias a serem aceitas para os CRVEs; e a destinação dos recursos do SBCE.
Além disso, já fica definido que os agentes sujeitos ao monitoramento e relato das emissões seriam aqueles operadores responsáveis por instalações e pelas fontes que emitam acima de 10 mil tCO2e (toneladas de carbono equivalente) por ano e os agentes que efetivamente participarão do mercado serão aqueles que emitam acima de 25 mil tCO2e por ano.
Dentro desses limiares, a lei não traz quais setores serão regulados – a definição ficará para regulamentações posteriores –, mas traz qual setor não será: o agropecuário. Além disso, também é colocada uma exceção para “as unidades de tratamento e destinação final ambientalmente adequada de resíduos sólidos e efluentes líquidos, quando, comprovadamente, adotarem sistemas e tecnologias para neutralizar tais emissões”.
Os setores mais impactados provavelmente serão aqueles hard to abate, ou seja, com altas emissões de gases de efeito estufa e altos custos para reduzi-las, como os setores de óleo e gás, e as indústrias do cimento, aço, vidro, química, alumínio e papel e celulose. De todo modo, considerando que, por meio dos Planos Setoriais de Mitigação, esses setores terão metas para que o Brasil atinja sua contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês), o mercado regulado se coloca como uma estratégia custo-efetiva para tanto.
É uma forma mais barata de redução de emissões do que uma proibição, por exemplo, de determinada atividade poluente, uma vez que permite que aqueles setores/empresas que possuem um menor custo de mitigação reduzam suas emissões em um montante proporcionalmente maior do que setores/empresas que possuem um maior custo de mitigação, já que podem comprar o excedente das cotas de emissão daquelas com custos menores.
Além disso, com a tendência internacional de implementação de mercados regulados e de taxas de ajuste de carbono na fronteira, os setores brasileiros teriam um ganho na “competitividade climática” ao estarem também inseridos em um mecanismo de mercado de carbono. (Oitenta e nove jurisdições já possuem algum tipo de mecanismo de precificação de carbono implementado, correspondendo a 75 instrumentos de precificação, dos quais 36 são mercados de carbono regulados.)
Como próximos passos para o efetivo funcionamento do SBCE, é necessária a regulamentação da lei, o que deve se dar nos próximos dois anos. Posteriormente, haverá o período de um ano para a operacionalização dos instrumentos para relato de emissões, seguido, nos dois anos subsequentes, pela submissão do plano de monitoramento e da apresentação de relato de emissões pelos operadores. Só, então, entraria em vigência o primeiro Plano Nacional de Alocação, ainda com distribuição gratuita de CBEs.
O Plano Nacional de Alocação é um instrumento essencial para a operacionalização do SBCE. Segundo a Agência Câmara de Notícias, para cada período de compromisso, “o Plano definirá o limite máximo de emissões, a quantidade de CBEs a ser alocada entre os operadores e o percentual máximo de CRVEs admitidos na conciliação periódica de obrigações e outros detalhes”.
Por fim, na quinta fase de implementação, haveria a implementação plena do SBCE. Ou seja, somente por volta de 2030 o sistema estará em operação plena, o que não é necessariamente ruim, uma vez que o tempo das fases anteriores é necessário para que se tenha as regras delimitadas e os relatos das emissões que servirão de base para a distribuição das cotas sob o Plano Nacional de Alocação.
*COO (Diretor de Operações) da WayCarbon
**Coordenadora de Finanças Sustentáveis da WayCarbon