Lembram do sapo-boi? Meses atrás, quando escrevi sobre a tentativa da Austrália de barrar a entrada de espécies invasoras, a Regina atentou para uma polêmica pró e contra sapo-boi levantada depois que o colunista Marcelo Leite abordou a expansão dessa espécie americana em Western Australia. Uma leitora observou que a culpa não é do sapo-boi, levado à Austrália para combater insetos nas plantações de cana-de-açúcar, e defendeu que os programas para exterminar a espécie sejam executados de forma a minimizar seu sofrimento. Tudo porque os voluntários que tentam impedir a entrada do sapo-boi em Western Australia foram proibidos de usar CO2 para matar os bichos sob a alegação que a técnica é pouco humana.
Os resultados recém-publicados de uma pesquisa da Universidade de Sydney talvez ajudem a apaziguar os ânimos. O veneno do sapo-boi transforma predador em presa e uma de suas vítimas é o northern quoll (Dasyurus hallucatus), marsupial de porte semelhante ao de um gato, que em geral morre depois de ingerir o sapo. A região de Kimberley, em Western Australia, é uma das poucas que ainda abrigam o northern quoll e, coincidentemente, é onde se trava a batalha para impedir que o sapo-boi se espalhe. Em outras partes da Austrália, o anfíbio é apontado como responsável pelo declínio nas populações de northern quoll nos últimos anos, tanto que o marsupial foi declarado como ameaçado de extinção.
Diante da dificuldade de erradicar a espécie invasora, os pesquisadores Rick Shine, Stephanie O’Donnell e Jonathan Webb decidiram tentar reduzir seu impacto ao educar os quoll sobre o que comer. Se ao escolher um sapo-boi para a próxima refeição, o northern quoll enfrentasse uma bela indigestão e não a morte, talvez aprendesse a recusá-lo, imaginaram os pesquisadores. Usando uma substância que causa náusea, eles ensinaram metade de um grupo de 62 quolls a associar a refeição de um sapo-boi com indigestão e chamaram essa primeira turma de quolls-espertos. Aos demais, os quolls-ingênuos, nada foi ensinado. O dois grupos foram colocados de volta na natureza e os pesquisadores observaram que os quolls-espertos foram mais capazes de sobreviver que os quolls-ingênuos.
Os autores da pesquisa afirmam que é preciso investigar se a técnica de ensinar a aversão ao sapo-boi teria efeito para grandes populações de predadores e no longo prazo. Em caso positivo, poderia ser usada em regiões ainda não dominadas pelo sapo-boi, tornando-se mais um instrumento no manejo de ecossistemas únicos como os australianos.
Na maioria das áreas sensíveis, porém, os animais nativos são presa, e a remoção dos invasores torna-se inevitável. Em vez de predadores bem-educados, ainda é útil a boa e velha cerca, como a instalada na região de Shark Bay, declarada Patrimônio da Humanidade. Ali, o Projeto Éden tenta há mais de 10 anos manter ovelhas, raposas, coelhos e gatos selvagens fora do habitat de animais como bilby – marsupial de longas orelhas como as dos coelhos –, wallabies – da mesma família dos cangurus – e malleefowl – pássaro de regiões semi-áridas. Foram removidas 15 mil cabeças de gado e ovelhas, 12 mil bodes e mais de 2 mil raposas, e reintroduzidas espécies nativas. Quem sabe elas terão chance de aprender a mudar o menu antes que o sapo-boi chegue por lá.