Vinte e seis de maio é Dia da Desculpa, ou Sorry Day, na Austrália e, em preparação, bandeiras aborígines substituem as australianas em vários cantos de Perth. A data marca uma série de eventos na história recente australiana para reparar os erros do passado em relação aos aborígines. Mas quanto vale a desculpa?
Para os brancos, descendentes de europeus, pelo jeito vale muito. Eles levaram décadas para enunciar o tal pedido que, apesar de custar muito em esforço, não pesa no bolso, pois não há compensação monetária envolvida. Para os aborígines, as desculpas são valiosas, pois ajudam no processo de reparação histórica, mas não encerram o assunto. Afinal, há 364 outros dias no ano além do Dia da Desculpa.
A data foi instituída por recomendação do relatório Bringing Them Home, executado de 1995 a 97 a pedido do parlamento federal australiano para investigar a prática de afastar crianças aborígines de suas famílias e levá-las para instituições onde seriam ensinadas a “assimilar” a cultura branca. Os que sofreram ficaram conhecidos como Gerações Roubadas, ou Stolen Generations. Oficialmente, tal prática ocorreu de 1909 a 1969, mas estima-se que tenha sido iniciada por volta de 1869, continuado até 1980 e afetado cerca de 100 mil aborígines. O filme Rabbit Proof Fence tornou essa triste história conhecida ao redor do mundo.
Além do Sorry Day, o relatório resultou em 54 recomendações, entre elas a concessão de garantias de que as práticas não se repetirão, assim como a promoção de restituição e reabilitação e o pagamento de compensação monetária. O Dia da Desculpa foi instituído em 1998, um ano depois de concluído o relatório, mas outras recomendações estão pendentes. O governo australiano não separa mais famílias à força, mas hoje é 10 vezes mais provável que crianças aborígines sejam colocadas “sob tutela” do estado do que crianças brancas.
Apesar do relatório e suas recomendações, o então primeiro-ministro, o liberal John Howard, recusou-se a oficializar as desculpas. Estas vieram só 10 anos mais tarde, em 2008, quando o trabalhista Kevin Rudd assumiu como primeiro-ministro e, ao enunciar o pedido, prometeu também fechar as lacunas entre aborígines e não-aborígines em termos de expectativa de vida, sucesso escolar e oportunidades econômicas. Mas Rudd e o parlamento negaram-se a conceder compensação monetária e mantiveram políticas do governo anterior de “intervenção” nas comunidades aborígines mais remotas.
O discurso de Rudd em 2008 é lembrado com emoção por muitos australianos, especialmente aborígines, pois nas línguas tradicionais a palavra “desculpa” também significa compaixão e compreensão. Mas como em qualquer língua, refere-se ao passado, e um futuro em que as relações entre aborígines e demais australianos levem em conta a complexidade e a diversidade ainda está para ser construído.