Por Amália Safatle
A maior floresta tropical vive a representação máxima da insustentabilidade. Na economia de ganhos rápidos e ciclos curtos, a mata dá lugar a atividades predatórias, que deixam para trás pobreza, destruição e municípios falidos – uma conta para os cofres públicos e o contribuinte pagarem. Descrita pelo estudioso Adalberto Veríssimo como “boom-colapso”, essa onda de ocupação só será detida com o fortalecimento de alternativas econômicas para exploração e de estratégias públicas vigorosas. Em estudos recém-divulgados, o pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) aponta os prejuízos do boom-colapso e pretende chamar a atenção de mais setores do governo, como o Ministério da Fazenda.
PÁGINA 22: Um erro comum quando se fala de Amazônia é tratá-la como região única, quando na verdade há diversas Amazônias. Quais são elas?
Adalberto Veríssimo: No mínimo, podemos dividir a Amazônia em quatro grandes regiões, considerando a Amazônia Legal, que é um conceito fiscal e político e engloba a Região Norte mais o Mato Grosso e o oeste do Maranhão. Falamos de uma área de mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, 59% do território nacional, 12% da população e 8% do PIB. A primeira região é a chamada Amazônia Não-Florestal, com mais de 1 milhão de quilômetros quadrados com cerrado, campos, campinaranas. Nos outros 4 milhões, originalmente temos floresta. Já perdemos parte dela, que é o que chamamos de Amazônia Desmatada ou Arco do Desmatamento, resultado de três décadas de ocupação. Pega todo o Leste e Sul do Pará, o Norte de Mato Grosso, e uma parte que acompanha a BR-364, ligando Cuiabá ao Acre, com alguns picos também ao longo da Transamazônica.
Nessa área houve produção de madeira, e agora tem basicamente pecuária, além de muita área degradada. A terceira Amazônia é a Sob Pressão, que tem floresta, mas sendo perdida rapidamente. Está na região do Acre e ao longo da Transamazônica. Municípios como Novo Progresso, São Félix do Xingu, Altamira são típicos dessa zona, com taxas de desmatamento elevadas e uma corrida pela indústria madeireira predatória, associada à pecuária. Também tem muita grilagem de terra, e aí é onde está a maior parte dos conflitos. Anapu, onde a Irmã Dorothy foi assassinada, é um município da zona Sob Pressão. O problema maior da Amazônia Desmatada são as queimadas. O desmatamento caiu, mas as queimadas aumentaram, porque não se queima só para desmatar, mas para limpar áreas. E, finalmente, há uma Amazônia em bom grau de intocabilidade, nas regiões mais remotas, no Norte do Pará, em quase 80% do Amazonas, no Amapá, em parte do Acre e em algumas partes de Roraima. Essa separação de áreas tem bastante consistência quando vemos os indicadores sociais e econômicos.
22: O que é o boom-colapso? Esse fenômeno acontece na Amazônia Desmatada e na Sob Pressão?
AV: A curto prazo, numa região pobre como a Amazônia, o desmatamento cria uma riqueza efêmera, mas não trivial. Traz oportunidades de enriquecimento para quem chega aqui sem muito capital. A Amazônia, até o começo dos anos 60, não estava conectada com o resto do Brasil, do ponto de vista econômico. E aí o governo, primeiro o Juscelino (Kubitschek), depois os militares, falou em integrá-la. Investiram em obras de infra-estrutura que deram em todos aqueles problemas que conhecemos. Mas o governo, nos anos 80, época do (João) Figueiredo, e já no início do mandato José Sarney, fez uma diminuição muito brusca de investimentos. Imaginamos que, como o governo não estava mais promovendo o desmatamento, ele diminuiria. No entanto, continuou.
22: A ausência do governo passou a ser uma causa?
AV: O governo, nos anos 70 e em metade dos 80, apostava na pecuarização da Amazônia, na agricultura, isso era bem explícito na política “crédito para desmatar”. Mas mudou de idéia nos anos 80, porque o desmatamento cresceu muito, e já não havia mais caixa para financiar essa aventura na Amazônia. Nesse período, um recurso fundamental começou a subsidiar o desmatamento: a madeira. Até os anos 70, a produção de madeira no Brasil vinha do Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo e Sul da Bahia. Nos anos 80, por exaustão das florestas nessa região de araucária e na Mata Atlântica, a indústria madeireira migrou para cá, e encontrou grandes estoques de floresta de graça, pois eram terras devolutas. As empresas apropriaram-se desse recurso, ganharam muito dinheiro, e isso subsidiou a ocupação. Elas abriram estradas e cidades e se associaram à indústria da pecuária. Na ausência do governo, o setor privado madeireiro e pecuarista impulsionou o desmatamento de lá para cá, quando se associou à indústria da soja. O boom-colapso nasce daí, de uma grande oferta de recursos naturais mais ou menos livres para quem chegar. Um município típico da Amazônia, que tem pelo menos o tamanho de Sergipe, ou seja, 2 a 3 milhões de hectares, vive um ciclo de uns 15 anos, com a chegada das primeiras madeireiras. Elas começam a derrubar aquelas florestas e depois a queimar para fazer pecuária. Com o tempo, essa área começa a ficar degradada. Por isso há tanta área abandonada na Amazônia. O boom acontece no momento em que se extrai a madeira, gerando muito emprego e renda, embora seja concentrada. Os pecuaristas em seguida vêm e aproveitam a fertilidade do solo, que dura três ou quatro anos. Aí entramos na fase do colapso, não há mais a madeira para movimentar a economia, e a pecuária que ficou para trás é, em geral, de baixa qualidade tecnológica. Aquilo que no auge foi ótimo, só traz municípios falidos, e essa onda vai para uma nova fronteira e começa tudo de novo.
22: É a representação maior da insustentabilidade.
AV: Pois é. O que fica para trás são as terras indígenas, que não se conseguiu desmatar, as unidades de conservação, e uma ou outra propriedade de um cara visionário. Basicamente, o que o governo resolveu proteger. No governo FHC, principalmente no segundo mandato, houve um endurecimento contra o desmatamento na Amazônia. E no governo Lula isso se intensificou. São as contradições do atual governo: de um lado, quer reduzir o desmatamento, e, de outro, fazer assentamento da reforma agrária, o que aumenta o desmatamento. Mas, do governo Collor para cá, nenhum passou a defender desmatamento. Também os governos estaduais começaram a mudar. O boom-colapso existe, é muito lucrativo, e precisa haver políticas públicas muito consistentes para enfrentar essa tendência de ocupação, que virou um vício.
22: Suas pesquisas mostram o empobrecimento nas regiões exploradas quando chegam ao colapso. Isso sensibiliza o governo, influencia algum tipo de política para quebrar esse vício?
AV: O trabalho é muito recente, mas acho que reforça o argumento dos ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional, que têm sido os mais interessados em outro modelo de desenvolvimento para a região – contrapondo-se, por exemplo, ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, que ainda insiste no modelo dos assentamentos, que contribui para o boom-colapso. O maior prejuízo que o boom-colapso traz é para os cofres públicos e para o contribuinte brasileiro. Quem vai manter essas cidades falidas em pé somos nós. Tudo por causa de alguns indivíduos privados, que participaram desse processo, lucraram e se enriqueceram. O Ministério Público também é muito preocupado, porque está administrando os conflitos que ficam para trás. O Ministério da Fazenda deveria olhar com bastante atenção esses resultados, já que está preocupado com a saúde fiscal do País. Um país que queima seus recursos naturais e deixa para trás uma herança de pobreza é o pior dos mundos, além de ser responsabilizado mundialmente pela emissão de CO2, da qual já é o quarto maior responsável. O relatório empodera aqueles que defendem uma política de “chega de desmatamento”. Já temos áreas demais desmatadas, suficientes para abrigar toda a produção agrícola que queiramos ter na Amazônia. Os formuladores de políticas públicas num âmbito federal, os ministério do Meio Ambiente e da Integração Nacional evoluíram muito. As pessoas sabem que o preço do desmatamento é terrível para os dois lados, ou pelo menos têm uma intuição disso, e agora esses números dão para eles o fundamento que eventualmente não possuíam.
22: Quando o senhor diz “chega de desmatamento”, como é que se faz?
AV: É importante agora que não se legitime o desmatamento pelo social. “Temos muitos pobres, e os pobres não têm terra”, e por isso assentar, botar gente dentro da floresta. É a reprodução do boom-colapso: essas comunidades, no meio da floresta, vão tirar madeira, vender para os madeireiros, fazer roçado e, depois, abandonar. Querer resolver o passivo social às custas da floresta é muito tentador para alguns políticos e segmentos do governo. Sai bem na foto. Usa um recurso do Tesouro para financiar uma coisa que não é sustentável do ponto de vista econômico, é desastrosa do ponto de vista ambiental, e insustentável do ponto de vista social, porque essas famílias acabam se envolvendo numa verdadeira indústria de fornecimento ilegal de madeira. O Estado brasileiro está pouco presente no território, com muita dificuldade de fazer valer a lei, mas tem criado unidades de conservação e formulado políticas importantes, como a Lei de Gestão de Florestas Públicas, que procuram manter o patrimônio florestal da Amazônia na mão do poder público, evitando que seja privatizado e entre na onda do boom-colapso, senão a conta vai ficar impagável. Cada município novo que surge desse boom-colapso é mais um que tem que manter, colocar polícia, saúde, educação. O município está muito interessado nesse modelo, porque naquele momento o prefeito de plantão está ganhando bem. Mas não é um bom negócio para o estado e a União.
22: Por que hoje a Amazônia tem atraído tantos investimentos e projetos de investimento?
AV: Há de fato um reaquecimento. O que a Amazônia tem de valor no mercado mundial? Os preços das commodities minerais tiveram aumento expressivo, por causa do crescimento da economia mundial. Assistimos a investimentos da Alcoa, da Vale e de outras mineradoras, como a Rio Tinto. Tem o gás de Urucu, no Amazonas. Depois, na Amazônia de cerrado, há um avanço do agronegócio, do algodão, e basicamente, da soja.
22: Por que lá é a última grande fronteira?
AV: É, com terras baratas. No caso de Mato Grosso isso aconteceu com muita força com a soja. A pecuária da Amazônia hoje cresce a uma taxa expressiva, mais que toda a pecuária do Brasil. Já temos quase 80 milhões de cabeças. Para cada pessoa que mora na Amazônia, tem pelo menos quatro cabeças de gado. É uma pecuária que abastece o mercado nacional. E, com partes das áreas livres de aftosa, permitirá que a Amazônia seja exportadora. Acham que os biocombustíveis aumentarão o desmatamento, ou vão empurrar a pecuária para a floresta. Não li nada até agora muito consistente, tem muita especulação. Mas é verdade que é possível produzir cana-de-açúcar na Amazônia. Tem experiências de produção aqui no Pará. Essa onda tem chance de se expandir para cá. Tem a madeira, o valor internacional da madeira é expressivo. O Brasil hoje é o segundo maior produtor de madeira tropical do mundo por causa da Amazônia.
22: E ainda tem as hidrelétricas.
AV: Exatamente. Além disso é fornecedora de energia elétrica, e que vai se ampliar. Onde está o potencial hidrelétrico do Brasil? Está aqui. No Rio Madeira, no Rio Xingu, e em outros rios com potenciais menores. A Amazônia tem uma inserção forte na economia mundial, por conta das commodities que mencionamos, mas isso não é necessariamente ruim para a Amazônia.
22: Isso pode ser sustentável?
AV: As mineradoras são as grandes jogadoras nessa história, e também têm vidraça. Vão ser monitoradas, vigiadas, cobradas para que tenham uma atitude mais responsável pelos seus investimentos. Depois de todos os embates que houve, a indústria da soja procurou – pelo menos a indústria de óleos vegetais – um diálogo para atender às exigências. O pessoal da pecuária, que é mais tecnificado e preocupado com a legalidade, sabendo que não vamos exportar carne para a União Européia se estiver associada ao desmatamento ilegal e trabalho escravo, quer sentar na mesa e saber como é que pode produzir sem avançar sobre novas áreas. A madeira é a mesma coisa, o que importa hoje é ter certificação, selo verde. As hidrelétricas têm todo um passado que levou ao desmatamento, trouxe uma onda de migração que gerou todas essas mazelas de Tucuruí. É verdade, mas não quer dizer que tudo isso vai acontecer de novo. Em que condições poderia ter uma hidrelétrica na Amazônia? Usando tecnologia, fazendo uma política de ordenamento dessa ocupação, criando as áreas protegidas (leia reportagem “Novo Porto Velho”). O capital, o mercado, não são necessariamente os algozes da Amazônia, desde que tenhamos condição de negociar. Com quem não dá para negociar? Com máfia, com grileiro, com quem opera na ilegalidade. São ameaças que resistem, até mesmo contra os empresários que querem fazer coisas sérias. Os da indústria madeireira que trabalham com selo verde são vítimas de madeireiras ilegais que invadem suas áreas, colocam pequenos produtores como escudos para aumentar o custo político de tirar essas pessoas dessas áreas.
22: Quão viáveis são as novas formas de exploração sustentável?
AV: A indústria madeireira que é certificada, hoje, cresce muito na Amazônia. Todas as empresas certificadas começaram pequenas, têm uma margem de lucro muito boa, exportam para mercados internacionais que são exigentes. Não há dúvida de que a madeira manejada é lucrativa.
22: Mas 90% da madeira extraída, hoje, é ilegal. Um mercado gigante versus esse mercado pequeno.
AV: Só não tem mais madeira manejada porque não há áreas legalizadas, concessionadas. Lógico que antes tem de haver todo um pré-investimento, entrar na floresta, fazer inventário, o governo tem de fazer a consulta. Isso leva dois anos. A pecuária tecnificada, que não avança com o desmatamento, também é competitiva. Esse setor já está querendo expandir. Com a área livre de aftosa na Amazônia, provavelmente serão ainda mais competitivos. Há muito mais pecuaristas tecnificados e modernizados do que madeireiros. Até porque o pecuarista está encontrando menos dificuldades para fazer isso. O madeireiro depende da implementação da Lei de Florestas. Quanto à mineração, a Vale do Rio Doce tem um impacto no território muito grande, toda a região do Carajás, todo o corredor até São Luís. Inevitavelmente, a conta vai para cima dela. Agora que é uma empresa globalizada, terá de assumir sua responsabilidade socioambiental nessa região. Ela é o grande ator, foi a ação dela que catalisou boa parte dos problemas que há nessa região. Mesmo que diga que não foi, indiretamente a presença da Vale atraiu uma onda de migrantes etc. O mesmo serve para essas outras empresas. Elas poderiam dizer: “Olha, isso é obrigação do governo”.
Mas isso não funciona, porque, nessas regiões, se elas não estivessem presentes, os problemas não aconteceriam. Elas têm cacife e capital para assumir uma agenda mais ambiental, ou ajudar para aumentar as unidades de conservação que ficam em torno dos seus empreendimentos, acompanhando um desenvolvimento genuíno dos municípios de sua influência, criando capacidade local, investindo em treinamento, em formação de recursos humanos, em oportunidades de negócios. É o que a Alcoa está tentando fazer em Juruti.
22: A Vale fornece ferro para guseiras que usam madeira ilegal. Ao romper o fornecimento, ela trará uma grande contribuição na luta contra o desmatamento?
AV: A história é bem mais complicada. Essa cadeia produtiva de ferro-gusa veio para cá também com o incentivo do governo do Estado, porque gera emprego. Ela gerou uma cadeia de pessoas que dependem disso, que é muito expressiva. O corte no fornecimento do minério de ferro para a fabricação de ferro-gusa pode gerar um colapso momentâneo de toda uma cadeia produtiva, que vai ficar sem oportunidade. Do ponto de vista ambiental é muito desejável. Se a Vale não fizer nada, a conta vai para cima dela, porque será responsabilizada por omissão ambiental. Se ela corta, gera uma crise social, porque essa cadeia de ferro-gusa emprega muita gente. Terá de fazer as duas coisas, e seu desafio é muito grande. (leia mais em reportagem “Resgate na selva”). A Alcoa tem tudo para aprender com os erros da Vale.
Já estreou com algumas dificuldades, o que é natural. As empresas grandes, na Amazônia, sofrem muito. A Vale se instalou na época dos militares, quando as coisas eram feitas numa canetada. Agora não, tem que fazer audiência pública, ter EIA-Rima, negociar com a comunidade. Acho que a Alcoa tem pelo menos o mérito do ponto de vista do discurso. Não sei como, na prática, isso vai acontecer. Já se aproximou da Fundação Getulio Vargas, tem aberto um diálogo com as organizações não governamentais, está dialogando com o governo do Estado para ter uma inserção positiva na região de Juruti – que já acumula alguns problemas, mas numa escala ainda razoável que pode ser enfrentada. A Alcoa é um experimento que pode gerar mais benefícios do que problemas. Não há dúvidas de que teremos perdas, com desmatamento onde não havia antes. Mas espero que seja numa escala necessária, não mais que isso.
22: E o papel do setor financeiro? Há empréstimos concedidos sem restrições, por exemplo, para a pecuária predatória.
AV: Isso é verdade. O FNO, que é o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte, é administrado pelo Banco da Amazônia, o Basa. Parte desse Imposto de Renda de todos nós financia o desenvolvimento do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste. Esse recurso é subsidiado, um juro barato que vai financiar o primeiro empreendimento nessas regiões. Boa parte desse dinheiro , que no ano passado foi quase R$ 1,5 bilhão, vai para a atividade rural e para a pecuária.
22: Ou seja, sai do nosso Imposto de Renda para financiar o desmatamento?
AV: É. O Basa não empresta para quem está na lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego. Isso é um avanço. Eles têm uma percepção de que não dá mais para continuar emprestando dinheiro para quem estiver desmatando, mas não têm capacidade de rastrear o impacto do seu recurso. O ABN tem tido uma postura positiva de rastrear mais e estabelecer critérios. Financia apenas as madeireiras certificadas, mas a participação na Amazônia é pequena, não é como o Basa. Em uma página do Imazon chamada ImazonGeo, você pode saber os municípios que foram mais desmatados em julho de 2007, e gerar o mapa. Quer empréstimo? Traga o mapa da sua propriedade. A idéia é que se pudesse fazer uma consulta sobre inadimplência ambiental como se faz ao Serasa. O setor financeiro será muito cobrado para não emprestar a quem desmata, especialmente os bancos públicos, como o Basa, o Banco do Brasil e o BNDES. Que tem um presidente agora sensível a isso, o Luciano Coutinho. O ideal seria que o BNDES estivesse puxando isso, porque é indutor do desenvolvimento, com um orçamento muito robusto. Tem o Banco Mundial voltando a emprestar recursos para os estados, o que condiciona uma série de medidas de modernização do aparelho, criação de áreas protegidas etc. Tem também a International Finance Corporation, órgão do Banco Mundial, que financiou o Frigorífico Bertin. Ao fazer esse empréstimo, exigiu muito mais do grupo do que o Basa exige dos pecuaristas, que o frigorífico tivesse uma política de compra com respeito à reserva legal etc.
22: De 1990 para cá, quando o Imazon foi criado, o senhor identifica avanços significativos em termos de sustentabilidade na região?
AV: Apesar de a Amazônia ser periferia em muitas coisas, do ponto de vista de geração de conhecimento estratégico ela não é. Isso permitiu, por exemplo, que todas as informações e os dados que dei nessa entrevista tenham evidências, números e estudos como base e que a formulação das políticas públicas seja melhor. A Amazônia tem também um capital social crescente de organizações ativas e eficientes na defesa de seus interesses, de conservação, respeito aos povos tradicionais etc. Isso gerou a conquista de políticas importantes, desde a homologação de grandes áreas indígenas até a criação de áreas protegidas. Em 1990, 11% da Amazônia estava protegida. Hoje temos 40%. Madeira, nos anos 90, era toda predatória, hoje temos uma porção importante e crescente de madeira produzida de forma planejada. A pecuária era só problema, agora uma parcela se moderniza, e passa a ser parte da solução. Há boas notícias.
22: Mas as ações estão no ritmo necessário?
AV: Correspondem a uma parte do que esperamos. Os avanços mais importantes são de 2000 para cá. Este ano a expectativa de desmatamento é de que seja em torno de 1 milhão de hectares. É muito alto, mas está caindo.
22: Há pesquisas mostrando cenários bem graves para a Amazônia só por conta do aquecimento global. Se o desmatamento deixar de acontecer e a exploração se tornar sustentável, a ameaça climática não invalidaria tudo isso?
AV: Alguns modelos falam em savanização da Amazônia, outros, na possibilidade de aumentar a quantidade de chuvas. Agora, a Amazônia pode ser um fator extremamente perturbador de mudança climática. Ela estoca de 150 a 200 toneladas de carbono por hectare. Com todas as Amazônias dos outros países, temos 550 milhões de hectares. Vezes 150 toneladas. Já estamos tão encrencados com as queimadas, que a nossa situação vai ficar encrencadíssima. Vamos dar a contribuição para o planeta, mantendo esse estoque de carbono, que não é só carbono, é água, é biodiversidade…
22: Para isso, é preciso ter mercado, não é?
AV: É. Não conseguimos ser remunerados pelo carbono que estamos armazenando nem pelos serviços ambientais. Mal somos remunerados pela energia que geramos nas hidrelétricas. Somente por aquelas commodities que acabamos de falar. Quando olhamos a Amazônia, é preciso separar a que está passivamente protegida, porque está longe do mercado e das estradas. Não é toda a Amazônia que será remunerada pelo serviço ambiental que presta, mas os municípios pobres vão ser capturados pelo boom-colapso se não for colocada outra fonte de renda capaz de valorizar a floresta. Para isso é preciso ter política de crédito e de governo forte. O proprietário da Amazônia tem direito a desmatar 20% da sua terra. Para zerarmos o desmatamento, a pessoa tem de receber por esses 20% que optou por não desmatar. Alguém precisa pagar a conta. Isso parte de medidas do governo para reestruturar as áreas degradadas, parte dos investidores, que vão apostar numa mudança de padrão tecnológico para ter uma lucratividade maior lá na frente, e parte do mercado de serviços, pagando para assegurar esses estoques de carbono.
22: Qual é a razão para ter caído o ritmo de desmatamento nos últimos anos?
AV: No Pará, o papel do governo foi maior; em Mato Grosso, foi a economia. Isso nas regiões campeãs em desmatamento, os dois estados juntos, com quase 80%. Estamos começando a entender as causas do desmatamento. Algumas são puramente especulativas, para se apropriar daquele patrimônio fundiário e ganhar dinheiro daqui a cinco, dez anos. A única maneira de enfrentar isso é com políticas públicas.