Na falta de inteligência política avançada, governar tende a ser um exercício de conservadorismo, lastreado na concepção superada e lamentável de desenvolvimento
Por Maristela Bernardo
Em seu discurso no último Fórum Social Mundial, em Belém, o presidente Lula parece não ter ligado o nome à pessoa. Na Amazônia, num fórum marcado por questões socioambientais, falou de tudo – dos países ricos, do programa habitacional e, sobretudo, do petróleo e do pré-sal. Nem uma palavra sobre Amazônia ou meio ambiente.
O ato falho, ou a falha do ato, chocou alguns ambientalistas, mas não repercutiu, submerso na interação midiática com a plateia.
O dado subjacente, contudo, é importante e interessante: a falta de sensibilidade e de intimidade do presidente com os temas ambientais é um fato. O que leva a refletir sobre o impacto do nível individual de convicção e compromisso dos governantes e gestores na existência de políticas públicas com alguma transcendência para além do imediato.
A gestão de recursos naturais é, mundo afora, a principal vítima de políticas tipo aqui-eagora, impotentes para mexer em estruturas e paradigmas. A carência de inteligência política avançada é uma espécie de nó cego para nossa geração. Já temos todas as evidências sobre o espetacular fracasso do suposto desenvolvimento baseado em crescimento e consumo. Sair dele é o problema. Uma das razões é a dificuldade de governar para a mudança, para o advento de sistemas, processos e soluções sustentáveis. Com raríssimas ou quase inexistentes exceções, governar tende a ser um exercício de conservadorismo, de modelos mentais simplistas, reféns dos costumes e da gangorra de interesses.
Alinhando-me ao tema desta edição da PÁGINA22, vamos a um exemplo. O Brasil detém 12% da disponibilidade mundial de recursos hídricos. Em tese, deveríamos ser uma potência na gestão de águas. Há doze anos, a Lei 9.433/97 instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. O salto de qualidade foi notável desde então.
Comitês de bacias, participação social, boas experiências de cobrança pelo uso da água, implementação de sistemas de outorga e de fiscalização, desenvolvimento do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, existência de um Plano Nacional de Recursos Hídricos. Não faltam leis e ferramentas modernas.
E, no entanto, a água ainda não é elemento estratégico na agenda de governo. O Brasil não consegue potencializar o seu diferencial global, porque suas políticas públicas correm em trilhos paralelos, não convergem. Cada um dos setores vinculados diretamente a recursos hídricos não absorve a existência e as razões dos demais, mantendo agendas estanques e competitivas. Com isso, todos perdem eficácia e embolam o planejamento geral de longo prazo.
Os mais estruturados e de maior orçamento, como o elétrico, avançam décadas nos seus programas de investimentos, enquanto outros, atrasados e desestruturados, como o de transporte fluvial, ficam para trás. A área ambiental tenta se manter à tona, enquanto o PAC avança com suas tropas apressadas, lastreado em concepção superada e lamentável de desenvolvimento. O crescimento não é conjunto. Quem pode mais arrasta os demais à sua moda, impondo o seu peso desigual.
É uma escola de samba sem ritmo, destrambelhada, que joga fora a enorme oportunidade de colocar em perspectiva um patamar único, de modo a haver parâmetros para mediar as situações do presente, orientar a alocação orçamentária e harmonizar os passos das diversas alas com base em um conceito de políticas públicas sustentáveis.
Hoje, marcos conceituais praticamente excludentes fazem o País andar em círculos nessa área.
Por exemplo, a discussão sobre a abertura de novas estradas na Amazônia deveria, necessariamente, ser feita ao mesmo tempo que a avaliação de outros fatores, tais como investimentos em hidrovias, alternativas e custos para escoamento da produção agrícola, conservação e aproveitamento múltiplo dos grandes rios. O que é mais econômico e menos impactante no ambiente amazônico, caso a caso: estradas ou hidrovias? Quais os condicionantes a serem compartilhados entre as diversas políticas – não apenas de modo formal e burocrático – para a expansão da hidreletricidade na região? As barragens das hidrelétricas devem ou não prever eclusas?
Mas aí seria preciso haver visão de Estado, que funcionasse como poderosa indução integradora. E isso não há. Os governos “escolhem” os seus preferidos, às vezes apenas por motivações circunstanciais. Há nichos de excelência estratégica perdidos em meio à falta de lógica geral, tentando tensionar e abrir frentes para plantar postos avançados que garantam um mínimo de planejamento sustentável. E no topo da cadeia estão governantes que, em meio a uma grave crise ambiental global, ainda acham que meio ambiente e recursos naturais são apenas para constar de discursos politicamente corretos ou, às vezes, nem isso.
Na falta de inteligência política avançada, governar tende a ser um exercício de conservadorismo, lastreado na concepção superada e lamentável de desenvolvimento.