A discussão do momento aqui na remota Western Australia levanta uma questão interessante. Há boom sem bust? O primeiro-ministro de WA, Colin Barnett, vem defendendo publicamente que, ao contrário de episódios passados, dessa vez vai ser diferente e não haverá bust.
Nem bem saído de um dos maiores booms minerais de sua história, o estado está prestes a entrar em outro, dessa vez movido a gás natural. O Gorgon, um dos maiores projetos do mundo de extração e exportação de LNG (liquefied natural gas), acaba de receber todos os OKs oficiais e se prepara para engatar a primeira marcha. A previsão é de que a joint-venture que pilota o projeto – entre as petroleiras americanas Chevron e Exxon e a anglo-holandesa Shell – invistam A$ 43 bilhões (quase R$ 68 bilhões) e o primeiro carregamento de LNG deixe Barrow Island, na costa noroeste de WA, em 2014.
Em julho, questionado se há o que fazer para conter os ciclos de boom e bust que marcam a economia do estado devido a sua âncora nos recursos naturais, Barnett disse: “Sim, há coisas que podem ser feitas. Ampliar nossa base de recursos, por exemplo, e entrar em novas áreas como, obviamente, mais LNG agora, exploração de urânio e desenvolvimento. Quanto mais amplo tornarmos nosso setor de recursos, mais os sobe-e-desce se suavizam”.
Essa semana, enquanto ia para uma palestra, ouvi no rádio o premier repetir a tese. Talvez seja uma maneira de conter as expectativas diante das promessas que traz o gigantesco Gorgon: incremento de A$ 64 bilhões ao PIB australiano nos primeiros 30 anos de operação e a criação de 10 mil empregos diretos e indiretos durante o pico da construção, além da geração de negócios para dezenas de firmas locais. Nas ruas e nos cafés de Perth, capital de WA, a euforia é palpável.
A palestrante a quem fui ouvir, Libby Robin, historiadora da The Australian National University, esteve longe de explorar temas econômicos ou os impactos locais do Gorgon, mas deixou uma pista no debate sobre booms e busts.
Nas regiões áridas da Austrália, os ecossistemas não seguem padrões sazonais – a variabilidade pluviométrica é extrema –, mas sim aproveitam-se dos booms (ou pulsos) após as raras chuvas. O pulso produz atividade, seguida de inatividade durante longos períodos secos, nos quais os sistemas naturais esperam, ou “reservam” energia. “A sobrevivência das criaturas depende de quanto elas conseguem se adaptar”, escreveu Libby. “Quanto tempo conseguem esperar e agüentar a incerteza da espera, e então quão rapidamente podem responder a uma oportunidade, se e quando ela se apresentar”. Ou seja, no deserto, booms e busts – pulsos e reserva – estão intimamente interconectados.
Para Libby, a excepcionalidade dos desertos australianos com sua extrema variabilidade os tornam laboratório perfeito para os estudiosos da resiliência – a capacidade de um sistema de absorver perturbações, transformar-se e reorganizar-se, mantendo a mesma identidade. Assim como os ecossistemas do deserto, outros sistemas resilientes desenvolvem a habilidade de aprender com as perturbações e mudam o foco do crescimento e da eficiência para centrar-se na recuperação e na flexibilidade. Valeria o mesmo para as economias, seus booms e seus busts?
Semana que vem, mais sobre os impactos ambientais de Gorgon e a promessa do projeto de capturar e estocar CO2.