Por Amália Safatle
O Brasil potência em agricultura também tem a oportunidade de se tornar potência em economia florestal e um modelo de conservação para o mundo. Convidamos representantes dos setores produtivo e ambientalista a defender suas posições, explorando divergências e convergências de pensamento
PONTO
Rodrigo Lima, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e pesquisador da RedeAgro
De que forma o setor produtivo agropecuário pode e deve contribuir para a transição rumo à economia verde e inclusiva?
A expressão economia verde inclusiva parte do princípio de que as pessoas precisam ter acesso a alimentos, água, energia, moradia adequada, saúde e trabalho dignos, e que possam viver em um ambiente saudável. Na medida em que adote em larga escala práticas de baixa emissão de carbono, tenha acesso a tecnologias, ganhe produtividade e desenvolva uma relação de equilíbrio entre produção e conservação ambiental, a agricultura vai se tornar cada vez mais um pilar fundamental da economia verde brasileira.
O Icone está trazendo para a Rio+20 propostas práticas nesse sentido? Se sim, quais são elas exatamente?
Como um think tank que estuda a interdependência da agricultura com as pessoas (segurança alimentar), mudança do clima e biodiversidade (meio ambiente), comércio (demanda por alimentos e energia), o Icone levará para o Rio uma análise da agricultura brasileira até 2030. Como aumentar a produção e contribuir para a redução do desmatamento? Quais os gargalos para recuperar áreas degradadas e intensificar a pecuária? Serão alguns dos pontos de um estudo para a Rio+20.
Por que o setor produtivo defende o aumento de áreas para agricultura e pecuária? O setor não considera que as áreas já desmatadas (incluindo as degradadas) já são suficientes?
A expansão da agropecuária não depende unicamente do desmatamento, em razão da recuperação de áreas degradadas, da intensificação da pecuária e do aumento da produtividade. Mas não é factível pensar em desmatamento zero, pois a demanda por alimentos cresce com vigor, mais rápido do que a produtividade. Assim, faz sentido e será necessário converter áreas para uma agricultura extremamente produtiva, como em algumas regiões no Cerrado. Note que se trata de desmatamento planejado, pontual e legal.
Mas por que abrir novas fronteiras? O aumento da produtividade não seria suficiente para elevar o volume produzido e atender às demandas do mercado consumidor nas próximas décadas? Que projeções existem nesse sentido?
Sem dúvida o aumento de produtividade, a capacitação dos produtores e o desenvolvimento de novas tecnologias serão fundamentais para aumentar a produção. O Outlook 2022, lançado pelo Icone com a Fiesp, prevê que até 2022 a expansão demandará cerca de 4 milhões de hectares de novas áreas. Isso significa desmatamento anual de 400 mil hectares, muito abaixo da meta estabelecida pelo governo brasileiro para cumprir os compromissos firmados na Convenção do Clima. E outros 5 milhões de hectares virão das pastagens, parte disso recuperando áreas degradadas.
O setor produtivo entende a conservação ambiental como um elemento-chave para a sustentabilidade do agronegócio, por meio de equilíbrio climático, conservação de solos e da biodiversidade, regime de chuvas, que afetam diretamente a produção? Se sim, por que existe um permanente embate entre o agronegócio e os ambientalistas? Por que não explorar a agenda convergente?
Sem dúvida, conservação é chave para o setor produtivo. O embate entre agricultura e ambiente vem em grande parte do lado dos ambientalistas. Hoje existem muitos agricultores que acham que ONGs são inimigas e isso não traz convergência. Infelizmente o debate do Código criou um ambiente de guerra entre meio ambiente e produção que prejudica uma agenda construtiva. Há 251 milhões de hectares de florestas nas fazendas brasileiras, isso precisa ser reconhecido.
Por conta da Rio+20, os olhos do mundo estarão voltados para o Brasil, não apenas por ser anfitrião, mas por ser considerado potência ambiental e dono de um rico e estratégico capital natural. O agronegócio, à parte ser reconhecido pelo protagonismo agrícola brasileiro no cenário mundial, como celeiro do mundo, não corre o risco de passar para a opinião pública a imagem de vilão, ao contribuir para a dilapidação desse capital natural que constitui a base do desenvolvimento de uma competitiva economia florestal e de serviços ambientais?
Vilão por conta da reforma do Código? É preciso esclarecer que quase 90% das fazendas precisarão se regularizar e ninguém terá autorização para desmatar. Vejo que todo o ônus pelo combate ao desmatamento recai sobre o produtor agrícola. E o papel do Estado? A nova lei não abre as portas para uma enxurrada de desmatamento, mas prevê alternativas de regularização. É engraçado que não se fala nas florestas protegidas pelos produtores! Que país tem o ativo de vegetação nativa das fazendas brasileiras?
A pecuária e a agricultura são os fatores que mais contribuíram para a pressão exercida sobre recursos naturais no País, conforme estudo do WWF sobre pegada ecológica. Ao mesmo tempo, o Stockholm Resilience Centre (leia “O Tripé da insustentabilidade”) mostra que, das nove maiores ameaças ecológicas globais, as que já ultrapassaram a fronteira são, nesta ordem, perda de biodiversidade, fertilizantes nitrogenados e mudanças climáticas. As três bastante relacionadas à atividade agropecuária. O setor produtivo sente-se responsável por isso? Como pretende reverter esse quadro?
Produzir comida tem impacto em qualquer lugar do mundo. Todos nós, que podemos e precisamos consumir, temos que nos sentir culpados? A solução é parar de produzir? Penso que não. A saída é reduzir emissões com boas práticas, como integração lavoura pecuária e plantio direto. É ter florestas plantadas na propriedade, é plantar pasto, que, além de sequestrar carbono, engorda os animais. É fazer uso racional de agroquímicos, fertilizantes e de água. Essa é a agenda da agricultura sustentável brasileira.
CONTRAPONTO
André Lima, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
De que forma as organizações socioambientalistas pretendem chamar atenção para o tema das florestas na Rio+20, aproveitando que a Conferência se realiza no Brasil e os olhos do mundo estarão voltados para cá?
Entre as várias iniciativas, destaco o que chamamos de “retrocesso na agenda socioambiental”. O Código Florestal é a questão mais simbólica e real, mas tem outros problemas, como a mudança no regime de homologação de Terras Indígenas e de criação de Unidades de Conservação e a aprovação da Medida Provisória que reduz o tamanho de oito UCs na Amazônia. Além da redução em si, o preocupante é a forma como isso se dá. Pela primeira vez na História, temos uma proposta de um presidente da República para redução de UCs, para atender especificamente usinas hidrelétricas e mineradoras em regime de relevância e urgência. Criou-se um novo método de redução de áreas protegidas que passa a ser processado em regime de urgência e que sabemos já será usado novamente em breve para redução de novas UCs para viabilizar novas usinas hidrelétricas na Amazônia.
Como esse momento internacional pode ser aproveitado politicamente para fortalecer a mensagem socioambiental tanto perante o governo federal em relação a todas essas tentativas como perante o setor agropecuário?
Pelo fato de o Brasil ser a grande vitrine, o constrangimento ao governo federal e ao País serão muito fortes. Quem promove um encontro com essa envergadura, no mínimo, tem que dar o tom, o exemplo. Vários tratados importantes foram assinados aqui em 1992 – de biodiversidade e de clima – e o Brasil está em evidência nesses campos. Portanto, é um momento de reflexão: vamos entrar em uma era de retrocessos, para atender a uma agenda nacional agrodesenvolvimentista, ou nos direcionar de fato para a nova economia? Políticas e direitos socioambientais são vistos por este governo como impedimento para implementar o que ele entende por desenvolvimento sustentável: apenas crescimento e combate à miséria.
Que ações práticas de mobilização, articulação e comunicação estão sendo preparadas?
Propomos o desdobramento da campanha Floresta Faz a Diferença. Com o veto parcial no Código Florestal, e a edição da MP 571/12, o debate se prolongará após a Rio+20 com riscos de mais retrocessos. Outra articulação é a proposta do IDS e várias outras instituições importantes do cenário socioambiental brasileiro – como SOS Mata Atlântica, Ipam, ISA, Imazon – de se criar um processo permanente, anual, de avaliação das políticas socioambientais no Brasil. A ideia é que todo ano possamos reunir um conjunto de organizações e personalidades atuantes em diferentes campos do desenvolvimento sustentável e promover um “relatório de desempenho socioambiental” feito pela sociedade civil organizada, com indicadores e processos de avaliação.
Sabemos que nossas florestas representam um enorme capital natural, contribuindo para alçar o Brasil ao status de potência ambiental. E que, além das políticas de comando e controle necessárias, os instrumentos econômicos podem jogar a favor da conservação. Mas como avançar nessa agenda se a própria sociedade civil está rachada, com várias entidades declarando-se contra a “economia verde” e contra o uso desses instrumentos?
Esse debate está mal colocado, não pode ser tratado de forma simplista e opondo campos da sociedade. O que somos contra é o discurso verde para despistar as questões de fundo (modelo de produção e consumo) e continuar fazendo o que está aí. Ninguém é contra, por exemplo, incentivos tributários para atividades econômicas de baixo carbono, nem mais crédito para economia florestal extrativista. Tem um setor do movimento social que é contra o Redd por entender que se trata de mercantilização do clima, da biodiversidade, da água. Mesmo quem defende o Redd, como o Ipam, defende não como projetinhos para beneficiar grandes proprietários de terras na Amazônia. Mas sim como um programa com envolvimento dos governos federal e estaduais para o fortalecimento da agricultura familiar, dos povos e populações das florestas, com medidas para a garantia de direitos territoriais e sociais e também a inserção produtiva desses povos e comunidades. Não é um instrumento dissociado de uma realidade social, carente de investimentos, de recursos, de apoio e de reconhecimento de seu papel na conservação da biodiversidade e dos serviços ambientais.
Sem que haja uma mínima coesão prévia, como o movimento socioambientalista pode defender as florestas?
Talvez não haja ainda em relação ao Redd. No mais, há, sim, coesão em relação ao papel da agricultura familiar e dos povos das florestas na conservação e uso sustentável da biodiversidade, na necessidade de uma lei florestal moderna e que aponte para a economia do século XXI e na necessidade de incentivos robustos ao uso sustentável das florestas, com apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico. Em relação ao Redd, o problema é que o governo não apresenta nenhuma proposta concreta, não avança em uma estratégia nacional voltada para a redução de emissões por desmatamento, nem em uma política nacional de serviços ambientais. Sem posição clara do governo, não há agenda. E, sem agenda concreta, o debate se torna muito abstrato, ideológico e conceitual.
Ao passar sua mensagem, o Ipam considera mais difícil convencer as alas mais radicais do socioambientalismo ou o setor ruralista e do agronegócio? É mais difícil convencer o Congresso ou a presidente Dilma?
A presidente Dilma, ao ter uma lei de clima que estabelece metas de redução de emissões, precisa pôr sobre a mesa uma proposta concreta para a economia de baixo carbono. É o inverso: ela é que tem que convencer a sociedade de que sua proposta é consistente a ponto de colocar o Brasil como protagonista no cenário internacional. Mas esse debate sobre economia verde, ou nova economia, não está pautado pelo governo. Levantamos no Ipam: dos R$ 550 bilhões de renúncia fiscal para incentivar a economia, menos de R$ 1 bilhão foi para saneamento, em 5 anos. Menos de R$ 200 milhões foram para gestão ambiental.
O que a gente tem de concreto são R$ 200 milhões por ano no Fundo de Clima, R$ 100 milhões no Fundo da Amazônia. O Plano ABC do Ministério da Agricultura parece querer decolar. Mas, enquanto isso, o governo oferece dezenas de bilhões para incentivar uma agenda que passa ao largo da tal economia verde. O importante para este governo é PAC com hidrelétricas na Amazônia, Pré-Sal, consolidação de desmatamento ilegal do agronegócio, mineração e setor automobilístico. O resto eles no máximo aturam.
Que argumentos o Ipam considera como os mais efetivos na defesa do desenvolvimento de uma economia florestal?
Se o Brasil é a potência hoje na economia do agronegócio com cerca de 30% do território utilizado para agricultura e pecuária, inclusive de baixíssima produtividade, o Ipam não tem dúvidas de que o Brasil pode ser uma potência florestal e socioambiental maior ainda, considerando que temos mais de 50% do território coberto por ecossistemas nativos.
Se investíssemos a metade do que foi investido para agricultura e pecuária em terras, infraestrutura, ciência&tecnologia (Embrapa), crédito e seguro nos últimos 30 anos, alcançaríamos em um tempo muito mais curto índices expressivos de sustentabilidade econômica e socioambiental em atividades florestais. A questão é que a classe política hegemônica brasileira se apropriou de um conceito de desenvolvimento sustentável do século passado. A base ruralista no Congresso está mais preocupada em resolver no tapetão seu passivo ambiental e em sanar sua dívida agrícola do que propor um novo sistema de investimentos para uma economia sustentável.