Por Amália Safatle
Ricardo Young conta como é trafegar entre o mundo dos sonháticos e a realidade crua da Câmara dos Vereadores de São Paulo
Uma das figuras centrais na gênese do Movimento por uma Nova Política (MNP) e na criação do partido Rede Sustentabilidade, Ricardo Young Silva trafega entre o mundo dos sonháticos e a realidade crua da Câmara dos Vereadores de São Paulo. Eleito pelo PPS com uma plataforma ligada à sustentabilidade, Young acredita que o entendimento popular sobre o tema é crescente, pois cada vez mais se buscam elementos que proporcionem qualidade de vida além do mero consumo – alega.
Isso não significa que a tarefa seja fácil, pois as propostas de transformação nem sempre encontram ressonância. Diante disso, conta como tem sido o seu caminho das pedras: o primeiro passo, diz, é estar dentro da política, por mais que este seja considerado um espaço “contaminado”. O segundo é buscar apoio entre seus “amigos”, como tem feito por meio da Frente Parlamentar pela Sustentabilidade, já com adesão de 13 vereadores. “E a terceira coisa é: sociedade civil, me ajuda! Não adianta eu, entre 55, ficar esgoelando com os parcos poderes de um vereador. Preciso da sociedade civil vocalizando aquilo em que precisamos avançar.”
Nesta entrevista que nos concedeu dois dias antes do anúncio do partido Rede Sustentabilidade, Young discorreu sobre a história, os vislumbres e o contexto global do MNP, mas não chegou a detalhar o conteúdo de sua própria plataforma de governo. “É muito menos um amontoado de propostas e muito mais um estilo de gestão que a gente está tentando levar para a Câmara. Se esse estilo será abatido antes de pleno voo, eu não sei”, diz.
O senhor faz parte do núcleo do Movimento Nova Política e da criação de um novo partido (Rede Sustentabilidade, nome que viria a ser anunciado em 16 de fevereiro). O que se pretende efetivamente com este partido? Quais são as ambições, as diretrizes, o que se vislumbra em termos de projeto de país e também em termos de projeto político?
É uma coisa arrebatadora, pelo menos para minha geração. Estou com 56 anos e talvez o único momento em que tenha sentido esse arrebatamento de agora foi na década de 80, com o fim da ditadura, a Anistia, as Diretas Já, a Constituinte, aquele clima de construção do novo. “A democracia voltou e, agora, vamos construir”, pensava-se naquela época.
Quando nos unimos em 2008 em torno da ideia da plataforma Brasil Sustentável, nós víamos uma parte do iceberg, mas não o todo. O que víamos? Que a questão de uma opção sustentável de desenvolvimento era um imperativo e que o governo, prisioneiro dos interesses políticos e econômicos, não seria o espaço de articulação disso. Eu participei do Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) na primeira gestão do Lula e vi a dificuldade de sair daquela lógica de interesses. Lógica que ditava os programas de governo e só podia ser rompida a partir de uma grande articulação na sociedade. E nós tínhamos um case, que vinha a ser a rede das Cidades Sustentáveis, nascida em 1996 após nossa experiência em Amsterdã.
Que experiência em Amsterdã?
O prefeito de Amsterdã abriu o primeiro congresso da GRI (Global Reporting Initiative) mostrando que tinha aplicado os princípios GRI para a cidade e criado novas métricas de gestão pública ligadas à questão da sustentabilidade. Foi a primeira vez que vi isso. O Guilherme (Leal), o Oded (Grajew), sua mulher, Mara, e eu estávamos caminhando em Amsterdã, entramos em um café – não um café heterodoxo, então não podem dizer que foi resultado de uma piração (risos) – e começamos a sonhar. Era 2006, o Al Gore tinha acabado de lançar o filme (Uma Verdade Inconveniente), havia saído o relatório do (Nicholas) Stern e o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) estava preparando o seu. Estava aquele clima e daí nasceu a ideia de se criar o instituto Nossa São Paulo, para influenciar as eleições 2008.
Quando voltamos ao Brasil, entramos em contato com o Bernardo Toro (filósofo e educador colombiano) para saber a história de Bogotá e, então, lançamos a primeira plataforma, voltada não só para São Paulo, mas para algo maior. Então nasceu essa visão do Brasil com S (manifesto do qual Young foi um dos signatários e que deu início ao projeto resultante na candidatura de Marina Silva à Presidência da República).
Então tudo isso nasceu de uma perspectiva bem urbana.
Sim, mas em busca de uma visão sustentável de desenvolvimento. A economia verde ainda estava engatinhando. Vimos lá o que chamo de efeito pororoca, uma combinação inusitada nesse movimento da sociedade civil, independente das colorações ideológicas. Conseguimos unir o grosso do movimento socioambiental e o grosso das empresas socialmente responsáveis em um projeto eleitoral – uma coisa inimaginável, pois as ONGs, por definição, quase são avessas a partidos políticos ou se colocam como apartidárias ou suprapartidárias. Mas, naquele momento, houve esse efeito pororoca.
Encontrou-se um partido que, fundamentalmente graças ao (Alfredo) Sirkis e ao (Fernando) Gabeira, abriu-se para um possível projeto de poder com o conjunto da sociedade civil organizada. Isso tinha um corte diferente daquele que sustentou as eleições do Lula lá atrás, em 2002 e 2006, que era de cunho mais social. Aqui, era menos de natureza social e mais socioambiental, mais visionária, mais ligada à visão de futuro. Houve o encontro das águas entre um partido que ousou sair da política convencional – imagina, a Marina foi lançada sem coligação partidária! – e a sociedade civil. Disso saiu essa coisa maravilhosa que foi a candidatura (de Marina Silva) em 2010.
O senhor está falando de um agrupamento dentro do PV, que é um partido institucionalmente voltado para a política convencional?
Sim, mas, nesse momento, a hegemonia do PV era formada pelos caras que falavam para a sociedade e não para a burocracia interna do partido. Não era o Seu (José Luiz) Penna da vida ou a Regina Gonçalves. E era o Seu Sirkis, era o Seu Gabeira. Mas dessa experiência nasceu a ilusão – e eu era um dos iludidos – de que o PV queria se transformar em outra coisa, em um partido de massas, comprometido com uma agenda de desenvolvimento sustentável. Ninguém imaginaria que o PV seria “o” veículo desse movimento, mas sim um elemento estruturador importante.
Então, naquela época já se tinha o objetivo de institucionalizar o movimento em algum partido, ainda que fosse dentro do PV? Pergunto isso porque esse dilema foi debatido recentemente, se era o caso de formalizar mesmo ou continuar como um movimento suprapartidário.
O encontro das águas de que falei criou a ilusão de que seria possível amalgamar tudo, sem ter de abrir a mão de um partido nem confinar o movimento. Mas aí a gente começou a sentir as dificuldades, a burocracia, questões de governança, transparência e democracia, começando com a convocação das bases do partido para fazer essa mudança. Aí que vimos, concretamente, o que é a estrutura partidária brasileira: não é o Diretório Nacional nem a Executiva, é o presidente que tem poderes imperiais. O que o Penna começou a fazer sozinho foi destituir todos os diretórios que apoiavam esse projeto! E assim o PV refluiu a um partido tradicional, fisiológico etc.
Então tivemos um primeiro grande dilema: fazemos a luta interna para disputar a hegemonia no partido ou saímos? Ficar seria negar a própria construção daquilo que estávamos propondo, que é essa confluência dos movimentos da sociedade civil com um veículo partidário por um projeto de Brasil sustentável. Saímos em massa, aos milhares. Aí começou a surgir o segundo aspecto: a própria concepção de partido começou a ser explodida pelas redes sociais, pelas novas tecnologias e culminou – olha a simultaneidade disso! – com a Primavera Árabe, o M15 na Espanha, os estudantes na Praça do Sol. No momento em que saímos do partido de volta para a sociedade, as formas tradicionais começaram a ser questionadas no mundo inteiro.
Então a Marina, que é um radar, disse que não estava na hora de fazer nada. Ela usou uma expressão que adoro: “É hora da dispersão agregadora”. Significa: deixa o movimento expandir até o ponto máximo, porque aí a gente chegará ao momento da agregação dispersiva. Ela falava essas coisas e a gente não entendia muito bem. Isso queria dizer: quanto mais o movimento se expandir, mais será testado em sua essência. Claro, a Marina lê (Edgar) Morin, estudou a Teoria dos Sistemas, a Teoria do Caos, ela sabia exatamente o que estava falando. E não é testado pela agregação, é testado pela dispersão. Olha a inteligência e estratégia dessa mulher.
As pessoas achavam uma loucura não aproveitar aquele momento (dos mais de 19 milhões de votos) para estruturar o partido, mas ela disse para não estruturar nada, para deixar o movimento ir. Foi, foi, foi até o seu ponto de perda de força centrípeta. Quando isso aconteceu – entre 2011 e 2012 –, o movimento começou a se desorganizar. Então, ela disse que era a hora da agregação dispersiva: identificar no processo eleitoral as pessoas que melhor expressam a visão do movimento e apoiá-las independente de partido, pois são elas que estão levando a mensagem do movimento na política.
Só para esclarecer, nós temos um movimento mais amplo, formado por agrupamentos, setores e partidos e empresários, que é muito plural, como pudemos ver na Rio+20: com grupos contra e a favor a economia verde, por exemplo. E temos um movimento mais próximo, que é o da Nova Política. De quem estamos falando?
Sempre que eu falar de movimento, refiro-me ao Movimento Nova Política. No encontro do dia 23 de janeiro (na Sala Crisantempo, em São Paulo), ela falou: “Não importa de onde viemos, o que nos une é uma visão de Brasil sustentável”.
Mais um parêntesis antes de o senhor continuar. A Marina é uma pessoa visionária etc., mas não há o risco de você fazerem o que criticam em termos de centralismo e se transformarem em um movimento personalista em torno da figura dela, muito dependente do que ela diz? Inclusive, os apoiadores usam a expressão “marineiros”.
Não dá para responder a essa pergunta dentro das categorias tradicionais pelas quais a gente analisa essas questões. A Marina não é a Marina, e sim a projeção do inconsciente coletivo desse movimento. Ela mesma coloca de forma muito clara: “Sou contra lideranças carismáticas, mas tenho a obrigação de colocar o carisma a serviço da agregação do nosso projeto”. Ela é o que melhor expressa o que todo mundo pensa.
Mas isso também acontece com outras personalidades, que acabam personificando movimentos.
Acontece. A diferença é como a pessoa se comporta com essa persona que a massa constrói. Se ela assume isso e atua a partir dessa projeção – como o Chávez, o Lula mais ou menos – ou tem claro que ela não é a liderança do movimento e sim um elemento catalisador.
Muitas pessoas do movimento têm mostrado uma idolatria em relação à Marina.
Ninguém controla o que as pessoas projetam nos seus líderes. O que é desejável que se controle é o apego do líder àquilo que projetam nele. E a Marina não se apega. Eu vivi muitos momentos no decorrer desses dois anos, em que encostávamos a Marina na parede, exigindo: “Marina, toma uma decisão!” E ela dizia: “A decisão não é minha, não esperem de mim o que é responsabilidade de vocês”.
Mas, voltando: nesse momento da agregação dispersiva, em 2012, ficou clara a dimensão do que é a Nova Política, sob o ponto de vista da organização partidária, de radicalização da democracia, de eliminação da intermediação, da caducidade dos partidos. Tudo isso só tinha começado a se clarear em meados de 2011 em diante, não estava lá no projeto inicial. Por isso que é um momento arrebatador: não estamos só construindo um novo veículo político para um projeto de Brasil sustentável, o próprio veículo político em si está sendo um experimento do que há de mais avançado em termos de experiência partidária. Se você olhar o Partido do Futuro na Espanha, o 5 Estrelas na Itália, o Partido Pirata da Alemanha, você verá elementos que estão presentes nessa iniciativa.
Por exemplo?
Governança. Não tem eternização de dirigentes. Vamos emprestar do que há de melhor da governança corporativa para a governança do partido. Candidatura avulsa. Você não precisa ser um quadro partidário para participar da política, pode ser sociedade civil, e nem por causa disso diminuir sua capacidade de liderança, ao contrário, pode potencializá-la por meio da política. Formas de financiamento. Cada eleitor tem que ser um apoiador financeiro, inclusive do seu candidato. Somos radicalmente a favor do nanciamento público/pessoas físicas. Público no que se refere aos meios de comunicação – não do jeito que está, evidentemente –, tendo as pessoas físicas como uma fonte principal de financiamento.
Como o PT, no início?
O PT estava certo. A única diferença é que na época do PT havia as máquinas sindicais, que tinham recursos governamentais. Aqui não tem isso, não tem mandatos a serviço desse projeto, não tem apoio das máquinas sindicais, é uma experiência de massa a partir da sociedade civil organizada. A única coisa que vamos fechar, no dia 16 de fevereiro (data em que a Rede Sustentabilidade viria a ser apresentada), é sobre a contribuição de empresas. Se as empresas forem contribuir, já está definido o veto ao financiamento de empresas de bebidas, tabaco, armas e agrotóxicos ao partido. Se forem doar, que seja nominalmente, para o candidato X.
E tudo bem se o setor de petróleo e gás contribuir, já que estamos falando de propostas para uma economia de baixo carbono?
(pausa) Eu acho que não. Sou contra. Mas não existe, até onde eu sei, uma posição clara sobre isso.
Questões como essa mostram os desafios de manter a alma “revolucionária” dentro de uma instituição que começa a ter regras que de alguma forma engessam o movimento?
Não posso responder pelo movimento, mas posso afirmar que eu, pessoalmente, sou uma pessoa que mudou sua vida por causa desse projeto. O dia em que ele deixar de ser revolucionário, vou cuidar de galinhas. A minha entrada no PPS – já não sei mais se o Roberto Freire achou uma boa ideia, porque estou ‘causando’ lá dentro – tem esse sentido.
Vamos trabalhar com cenários prováveis para as próximas duas eleições. Não é absurdo que a Marina vá para o segundo turno. E não é absurdo que ganhe as eleições de 2018. Nem o PT, com toda a história que teve, conseguiu passar de 80 a 90 deputados no Congresso. Uma vitória vai colocar uma questão muito complicada para vocês, que é a da governança, que o senhor citou. O que fazer para governar o Brasil com um Congresso que não estará afinado com as posições mais progressistas? Como fazer coligações com partidos fisiológicos e não frustrar esse ideário? Quais são os limites para se aliar, para se coligar?
A gente não pode pensar linearmente, ainda mais porque a dinâmica do Brasil sustentável não é brasileira, o mundo inteiro está pensando em saídas sustentáveis e todo dia se produzem reflexões, pensamentos, teses para a sustentabilidade. Quanto mais esse movimento vai se tornando importante, maior poder de atração exerce sobre toda a inteligência de novas concepções de governo e ética. Somos mais fortes hoje que em 2010, sob o ponto de vista de recursos intelectuais à disposição e apoios da academia.
Esse é um processo dialético: quanto mais se torna significativo, mais interlocução com o conjunto da sociedade tem. Outro aspecto é que existe um ecossistema operando, que quer conceber um outro país. O partido é a dimensão política. O ecossistema são as ONGs, as novas que estão sendo criadas, como o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), além da rede das Cidades Sustentáveis, o Ethos, o Cebds, que trabalham a dimensão da gestão, então não só uma tarefa do partido. Tenho certeza de que, quando chegar a hora de enfrentar o poder, teremos instituições sólidas. Os elementos da nova política – que são a ética, transparência, disclosure, decisões em rede – estão cada vez mais presentes na cultura das pessoas envolvidas. Isso vai criando anticorpos no movimento para propostas e coligações menos republicanas.
Como fazer dele um partido de massas, com ampla penetração nas camadas populares? Como atrair simpatizantes e ganhar escala nacional, principalmente junto a classes populares e para além da classe alta, que constitui boa parte desse movimento?
Não é um fenômeno de massa ainda, mas aos poucos vai se expandindo. A gente obtém isso tendo cada vez mais candidatos que vocalizem essa mensagem entrando na disputa eleitoral.
Boa parte do eleitorado de pessoas como o senhor e o vereador Nabil Bonduki (do PT), por exemplo, é de classe média. O senhor não acha que o discurso das lideranças ligadas à sustentabilidade é ainda pouco palpável e hermético para as periferias?
Vocês assistiram ao filme Lincoln? O ponto é o seguinte: não importa se são 10%, 20%, 25%. Importa se o que a gente está fazendo está em sintonia ou não com o momento histórico. Eu acho que o momento histórico é de uma resposta quase que civilizatória mesmo. Esse padrão civilizatório atual não dá! E ele já começa a mostrar os sinais de enfraquecimento. Talvez o nosso discurso não seja muito permeável hoje. Mas será. Por exemplo, quando fui fazer campanha nas regiões de alagamento, as pessoas já sabem o que é risco ambiental e evento climático extremo, o que é contaminação, lixo plástico em bueiro.
Por outro lado, há um desejo de reprodução do padrão de consumo das classes altas.
Sim, mas isso foi uma coisa bem legal (de observar) na campanha. Todo mundo, aliás, devia fazer campanha, mesmo para ser síndico de prédio. Porque ela te obriga a uma humildade à qual a gente não está acostumado, que é pedir voto. Você tem que dizer: “Não sou p… nenhuma, você não me conhece, não tem a mínima razão para confiar em mim, mas gostaria que você confiasse, porque vou poder fazer a sua vida ficar um pouco melhor”. É um esforço esse negócio.
E uma das minhas alegrias na campanha foi perceber que as pessoas já entendem que o consumo não é objetivo da vida. Tive uma experiência maravilhosa no chamado Morro da Lua, no Campo Limpo. É uma comunidade invadida, fica a 100 metros de altura e todas as casas já estavam com o mobiliário das Casas Bahia, mas da porta para fora é um horror, porque nem existe água, é preciso roubar água de uma escola pública. As três líderes da comunidade me disseram: “Não estamos pedindo emprego nem dinheiro. Queremos qualidade de vida e ser respeitadas como seres humanos. Compramos o que precisamos, mas o que o poder público pode fazer por nós não está fazendo!” Foi esse tipo de consciência que encontrei na periferia. Não é verdade que as pessoas não têm consciência dos limites da felicidade ligada a consumo.
É essa linha de qualidade de vida que deve ser explorada como programa de governo pelo partido?
Acho que sim. Uma das coisas bonitas da economia verde é que ela desvincula qualidade de vida de crescimento material.
No texto “Minha proposta para São Paulo”, que está no seu site, o senhor fala muito em ressignificação da Câmara Municipal e em modelo de governança inovadora. Mas quais são suas propostas concretas para inovar o modelo de governança?
Desde a campanha para o Senado, tenho procurado aplicar os princípios da nova política: transparência, horizontalidade, não hierarquização, amplificação dos espaços públicos, não clientelismo etc. Preparamos uma ótima equipe e isso está se expressando concretamente assim: 1 – Protocolei e estou criando a Frente Parlamentar pela Sustentabilidade para tirar a discussão da sustentabilidade do viés partidário e fazê-la de forma consistente sob o ponto de vista técnico. 2 – Estamos enlouquecendo o cerimonial da Câmara, porque queremos trazer os movimentos para debater os problemas da cidade dentro da própria Casa.
Então, temos (os encontros) Segundas Paulistanas e três seminários por semestre para debater diretamente com os vereadores e gabinetes. 3 – Estamos usando muito as redes sociais e todo aquele potencial incrível da TV Câmara para produzir programas para as redes sociais. Então, eu diria que é menos um amontoado de propostas e muito mais um estilo de gestão que a gente está tentando levar para a Câmara. Se esse estilo será abatido antes de pleno voo, eu não sei.
O senhor acha que a questão do estilo é tão importante quanto apresentar propostas para, por exemplo, incluir mecanismos de participação social na discussão das políticas?
Esses mecanismos fazem parte do estilo. Por exemplo, tem vários temas extremamente controvertidos, como a questão da Cracolândia, a mobilidade. A gente tem algumas hipóteses de propostas, mas quer discuti-las com a sociedade. No Segundas Paulistanas, em uma segunda-feira por mês, estamos promovendo o encontro da Câmara com o público. Isso fará parte da elaboração das propostas e vamos submeter isso via redes sociais e site para a sociedade.
Pegando um exemplo bem concreto: o Plano Diretor precisa ser revisado, o que é possível fazer para que a cidade contenha essa especulação imobiliária que vive hoje em dia?
Minha plataforma básica são os 12 eixos das Cidades Sustentáveis. Em relação ao Plano Diretor, vai ser um pega pra capar, porque a gente tem que reinventar essa cidade a partir dele. Reinventar tirando os carros das ruas, mas não de forma autoritária, e sim por meio de mecanismos de atração, para que as pessoas vejam que o custo de manter seus automóveis é maior que migrar para o transporte coletivo. Isso significa mexer nos terminais, nos pontos de ônibus, no nível de conforto do transporte público. Temos que radicalizar no código de obras os mecanismos de construção sustentável. Temos de enfrentar o adensamento da cidade de um lado para liberar áreas públicas e de lazer de outro.
Mas como conseguir maioria para isso?
Não sei! Se eu soubesse… a primeira coisa é estar dentro. A segunda coisa é encontrar seus amigos, e daí a Frente Parlamentar pela Sustentabilidade e as comissões, que são chave no processo.
Quantos vereadores fazem parte da Frente?
Trezes pessoas, de todos os partidos. E a terceira coisa é: sociedade civil, me ajuda! Não adianta eu, entre 55, ficar esgoelando com os parcos poderes de um vereador. Preciso da sociedade civil vocalizando aquilo em que precisamos avançar por meio dos mandatos da Frente Parlamentar.
O senhor pretende continuar no PPS ou se filiar ao novo partido?
Isso foi negociado desde o início. Eu gostaria que o PPS se transformasse em uma das bases partidárias da futura candidatura da Marina. Dentro do PPS, estou fazendo força para isso e tenho tido algum sucesso. Agora, formado o partido, eu vou sair do PPS.
O PPS não se opõe?
O combinado não é caro. Eu não tenho do que me queixar no PPS. Tudo o que combinamos eles têm honrado. E tudo o que tenho proposto na Câmara eles têm me dado condições de fazer.
O que motivou o senhor a entrar na política?
Essa visão de transformação do País. Primeiro, essa necessidade da transformação na direção da sustentabilidade. Segundo, um absoluto descrédito de que essa sociedade consumista, capitalista, tradicional etc. dará uma resposta civilizatória para o bem-estar da humanidade. E, terceiro, a necessidade de a gente devolver a política como um instrumento legítimo de transformação da sociedade, e não como se fosse um espaço contaminado. A política como o melhor espírito de Hannah Arendt, como a melhor prática do processo de desenvolvimento de uma civilização. Eu não teria entrado na política se não tivesse uma causa como a que estamos discutindo aqui; eu continuaria na sociedade civil e fazendo isso empresarialmente. Pretendo terminar meu mandato porque quero ter essa experiência até o fim.[:en]Ricardo Young conta como é trafegar entre o mundo dos sonháticos e a realidade crua da Câmara dos Vereadores de São Paulo
Uma das figuras centrais na gênese do Movimento por uma Nova Política (MNP) e na criação do partido Rede Sustentabilidade, Ricardo Young Silva trafega entre o mundo dos sonháticos e a realidade crua da Câmara dos Vereadores de São Paulo. Eleito pelo PPS com uma plataforma ligada à sustentabilidade, Young acredita que o entendimento popular sobre o tema é crescente, pois cada vez mais se buscam elementos que proporcionem qualidade de vida além do mero consumo – alega.
Isso não significa que a tarefa seja fácil, pois as propostas de transformação nem sempre encontram ressonância. Diante disso, conta como tem sido o seu caminho das pedras: o primeiro passo, diz, é estar dentro da política, por mais que este seja considerado um espaço “contaminado”. O segundo é buscar apoio entre seus “amigos”, como tem feito por meio da Frente Parlamentar pela Sustentabilidade, já com adesão de 13 vereadores. “E a terceira coisa é: sociedade civil, me ajuda! Não adianta eu, entre 55, ficar esgoelando com os parcos poderes de um vereador. Preciso da sociedade civil vocalizando aquilo em que precisamos avançar.”
Nesta entrevista que nos concedeu dois dias antes do anúncio do partido Rede Sustentabilidade, Young discorreu sobre a história, os vislumbres e o contexto global do MNP, mas não chegou a detalhar o conteúdo de sua própria plataforma de governo. “É muito menos um amontoado de propostas e muito mais um estilo de gestão que a gente está tentando levar para a Câmara. Se esse estilo será abatido antes de pleno voo, eu não sei”, diz.
O senhor faz parte do núcleo do Movimento Nova Política e da criação de um novo partido (Rede Sustentabilidade, nome que viria a ser anunciado em 16 de fevereiro). O que se pretende efetivamente com este partido? Quais são as ambições, as diretrizes, o que se vislumbra em termos de projeto de país e também em termos de projeto político?
É uma coisa arrebatadora, pelo menos para minha geração. Estou com 56 anos e talvez o único momento em que tenha sentido esse arrebatamento de agora foi na década de 80, com o fim da ditadura, a Anistia, as Diretas Já, a Constituinte, aquele clima de construção do novo. “A democracia voltou e, agora, vamos construir”, pensava-se naquela época.
Quando nos unimos em 2008 em torno da ideia da plataforma Brasil Sustentável, nós víamos uma parte do iceberg, mas não o todo. O que víamos? Que a questão de uma opção sustentável de desenvolvimento era um imperativo e que o governo, prisioneiro dos interesses políticos e econômicos, não seria o espaço de articulação disso. Eu participei do Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) na primeira gestão do Lula e vi a dificuldade de sair daquela lógica de interesses. Lógica que ditava os programas de governo e só podia ser rompida a partir de uma grande articulação na sociedade. E nós tínhamos um case, que vinha a ser a rede das Cidades Sustentáveis, nascida em 1996 após nossa experiência em Amsterdã.
Que experiência em Amsterdã?
O prefeito de Amsterdã abriu o primeiro congresso da GRI (Global Reporting Initiative) mostrando que tinha aplicado os princípios GRI para a cidade e criado novas métricas de gestão pública ligadas à questão da sustentabilidade. Foi a primeira vez que vi isso. O Guilherme (Leal), o Oded (Grajew), sua mulher, Mara, e eu estávamos caminhando em Amsterdã, entramos em um café – não um café heterodoxo, então não podem dizer que foi resultado de uma piração (risos) – e começamos a sonhar. Era 2006, o Al Gore tinha acabado de lançar o filme (Uma Verdade Inconveniente), havia saído o relatório do (Nicholas) Stern e o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) estava preparando o seu. Estava aquele clima e daí nasceu a ideia de se criar o instituto Nossa São Paulo, para influenciar as eleições 2008.
Quando voltamos ao Brasil, entramos em contato com o Bernardo Toro (filósofo e educador colombiano) para saber a história de Bogotá e, então, lançamos a primeira plataforma, voltada não só para São Paulo, mas para algo maior. Então nasceu essa visão do Brasil com S (manifesto do qual Young foi um dos signatários e que deu início ao projeto resultante na candidatura de Marina Silva à Presidência da República).
Então tudo isso nasceu de uma perspectiva bem urbana.
Sim, mas em busca de uma visão sustentável de desenvolvimento. A economia verde ainda estava engatinhando. Vimos lá o que chamo de efeito pororoca, uma combinação inusitada nesse movimento da sociedade civil, independente das colorações ideológicas. Conseguimos unir o grosso do movimento socioambiental e o grosso das empresas socialmente responsáveis em um projeto eleitoral – uma coisa inimaginável, pois as ONGs, por definição, quase são avessas a partidos políticos ou se colocam como apartidárias ou suprapartidárias. Mas, naquele momento, houve esse efeito pororoca.
Encontrou-se um partido que, fundamentalmente graças ao (Alfredo) Sirkis e ao (Fernando) Gabeira, abriu-se para um possível projeto de poder com o conjunto da sociedade civil organizada. Isso tinha um corte diferente daquele que sustentou as eleições do Lula lá atrás, em 2002 e 2006, que era de cunho mais social. Aqui, era menos de natureza social e mais socioambiental, mais visionária, mais ligada à visão de futuro. Houve o encontro das águas entre um partido que ousou sair da política convencional – imagina, a Marina foi lançada sem coligação partidária! – e a sociedade civil. Disso saiu essa coisa maravilhosa que foi a candidatura (de Marina Silva) em 2010.
O senhor está falando de um agrupamento dentro do PV, que é um partido institucionalmente voltado para a política convencional?
Sim, mas, nesse momento, a hegemonia do PV era formada pelos caras que falavam para a sociedade e não para a burocracia interna do partido. Não era o Seu (José Luiz) Penna da vida ou a Regina Gonçalves. E era o Seu Sirkis, era o Seu Gabeira. Mas dessa experiência nasceu a ilusão – e eu era um dos iludidos – de que o PV queria se transformar em outra coisa, em um partido de massas, comprometido com uma agenda de desenvolvimento sustentável. Ninguém imaginaria que o PV seria “o” veículo desse movimento, mas sim um elemento estruturador importante.
Então, naquela época já se tinha o objetivo de institucionalizar o movimento em algum partido, ainda que fosse dentro do PV? Pergunto isso porque esse dilema foi debatido recentemente, se era o caso de formalizar mesmo ou continuar como um movimento suprapartidário.
O encontro das águas de que falei criou a ilusão de que seria possível amalgamar tudo, sem ter de abrir a mão de um partido nem confinar o movimento. Mas aí a gente começou a sentir as dificuldades, a burocracia, questões de governança, transparência e democracia, começando com a convocação das bases do partido para fazer essa mudança. Aí que vimos, concretamente, o que é a estrutura partidária brasileira: não é o Diretório Nacional nem a Executiva, é o presidente que tem poderes imperiais. O que o Penna começou a fazer sozinho foi destituir todos os diretórios que apoiavam esse projeto! E assim o PV refluiu a um partido tradicional, fisiológico etc.
Então tivemos um primeiro grande dilema: fazemos a luta interna para disputar a hegemonia no partido ou saímos? Ficar seria negar a própria construção daquilo que estávamos propondo, que é essa confluência dos movimentos da sociedade civil com um veículo partidário por um projeto de Brasil sustentável. Saímos em massa, aos milhares. Aí começou a surgir o segundo aspecto: a própria concepção de partido começou a ser explodida pelas redes sociais, pelas novas tecnologias e culminou – olha a simultaneidade disso! – com a Primavera Árabe, o M15 na Espanha, os estudantes na Praça do Sol. No momento em que saímos do partido de volta para a sociedade, as formas tradicionais começaram a ser questionadas no mundo inteiro.
Então a Marina, que é um radar, disse que não estava na hora de fazer nada. Ela usou uma expressão que adoro: “É hora da dispersão agregadora”. Significa: deixa o movimento expandir até o ponto máximo, porque aí a gente chegará ao momento da agregação dispersiva. Ela falava essas coisas e a gente não entendia muito bem. Isso queria dizer: quanto mais o movimento se expandir, mais será testado em sua essência. Claro, a Marina lê (Edgar) Morin, estudou a Teoria dos Sistemas, a Teoria do Caos, ela sabia exatamente o que estava falando. E não é testado pela agregação, é testado pela dispersão. Olha a inteligência e estratégia dessa mulher.
As pessoas achavam uma loucura não aproveitar aquele momento (dos mais de 19 milhões de votos) para estruturar o partido, mas ela disse para não estruturar nada, para deixar o movimento ir. Foi, foi, foi até o seu ponto de perda de força centrípeta. Quando isso aconteceu – entre 2011 e 2012 –, o movimento começou a se desorganizar. Então, ela disse que era a hora da agregação dispersiva: identificar no processo eleitoral as pessoas que melhor expressam a visão do movimento e apoiá-las independente de partido, pois são elas que estão levando a mensagem do movimento na política.
Só para esclarecer, nós temos um movimento mais amplo, formado por agrupamentos, setores e partidos e empresários, que é muito plural, como pudemos ver na Rio+20: com grupos contra e a favor a economia verde, por exemplo. E temos um movimento mais próximo, que é o da Nova Política. De quem estamos falando?
Sempre que eu falar de movimento, refiro-me ao Movimento Nova Política. No encontro do dia 23 de janeiro (na Sala Crisantempo, em São Paulo), ela falou: “Não importa de onde viemos, o que nos une é uma visão de Brasil sustentável”.
Mais um parêntesis antes de o senhor continuar. A Marina é uma pessoa visionária etc., mas não há o risco de você fazerem o que criticam em termos de centralismo e se transformarem em um movimento personalista em torno da figura dela, muito dependente do que ela diz? Inclusive, os apoiadores usam a expressão “marineiros”.
Não dá para responder a essa pergunta dentro das categorias tradicionais pelas quais a gente analisa essas questões. A Marina não é a Marina, e sim a projeção do inconsciente coletivo desse movimento. Ela mesma coloca de forma muito clara: “Sou contra lideranças carismáticas, mas tenho a obrigação de colocar o carisma a serviço da agregação do nosso projeto”. Ela é o que melhor expressa o que todo mundo pensa.
Mas isso também acontece com outras personalidades, que acabam personificando movimentos.
Acontece. A diferença é como a pessoa se comporta com essa persona que a massa constrói. Se ela assume isso e atua a partir dessa projeção – como o Chávez, o Lula mais ou menos – ou tem claro que ela não é a liderança do movimento e sim um elemento catalisador.
Muitas pessoas do movimento têm mostrado uma idolatria em relação à Marina.
Ninguém controla o que as pessoas projetam nos seus líderes. O que é desejável que se controle é o apego do líder àquilo que projetam nele. E a Marina não se apega. Eu vivi muitos momentos no decorrer desses dois anos, em que encostávamos a Marina na parede, exigindo: “Marina, toma uma decisão!” E ela dizia: “A decisão não é minha, não esperem de mim o que é responsabilidade de vocês”.
Mas, voltando: nesse momento da agregação dispersiva, em 2012, ficou clara a dimensão do que é a Nova Política, sob o ponto de vista da organização partidária, de radicalização da democracia, de eliminação da intermediação, da caducidade dos partidos. Tudo isso só tinha começado a se clarear em meados de 2011 em diante, não estava lá no projeto inicial. Por isso que é um momento arrebatador: não estamos só construindo um novo veículo político para um projeto de Brasil sustentável, o próprio veículo político em si está sendo um experimento do que há de mais avançado em termos de experiência partidária. Se você olhar o Partido do Futuro na Espanha, o 5 Estrelas na Itália, o Partido Pirata da Alemanha, você verá elementos que estão presentes nessa iniciativa.
Por exemplo?
Governança. Não tem eternização de dirigentes. Vamos emprestar do que há de melhor da governança corporativa para a governança do partido. Candidatura avulsa. Você não precisa ser um quadro partidário para participar da política, pode ser sociedade civil, e nem por causa disso diminuir sua capacidade de liderança, ao contrário, pode potencializá-la por meio da política. Formas de financiamento. Cada eleitor tem que ser um apoiador financeiro, inclusive do seu candidato. Somos radicalmente a favor do nanciamento público/pessoas físicas. Público no que se refere aos meios de comunicação – não do jeito que está, evidentemente –, tendo as pessoas físicas como uma fonte principal de financiamento.
Como o PT, no início?
O PT estava certo. A única diferença é que na época do PT havia as máquinas sindicais, que tinham recursos governamentais. Aqui não tem isso, não tem mandatos a serviço desse projeto, não tem apoio das máquinas sindicais, é uma experiência de massa a partir da sociedade civil organizada. A única coisa que vamos fechar, no dia 16 de fevereiro (data em que a Rede Sustentabilidade viria a ser apresentada), é sobre a contribuição de empresas. Se as empresas forem contribuir, já está definido o veto ao financiamento de empresas de bebidas, tabaco, armas e agrotóxicos ao partido. Se forem doar, que seja nominalmente, para o candidato X.
E tudo bem se o setor de petróleo e gás contribuir, já que estamos falando de propostas para uma economia de baixo carbono?
(pausa) Eu acho que não. Sou contra. Mas não existe, até onde eu sei, uma posição clara sobre isso.
Questões como essa mostram os desafios de manter a alma “revolucionária” dentro de uma instituição que começa a ter regras que de alguma forma engessam o movimento?
Não posso responder pelo movimento, mas posso afirmar que eu, pessoalmente, sou uma pessoa que mudou sua vida por causa desse projeto. O dia em que ele deixar de ser revolucionário, vou cuidar de galinhas. A minha entrada no PPS – já não sei mais se o Roberto Freire achou uma boa ideia, porque estou ‘causando’ lá dentro – tem esse sentido.
Vamos trabalhar com cenários prováveis para as próximas duas eleições. Não é absurdo que a Marina vá para o segundo turno. E não é absurdo que ganhe as eleições de 2018. Nem o PT, com toda a história que teve, conseguiu passar de 80 a 90 deputados no Congresso. Uma vitória vai colocar uma questão muito complicada para vocês, que é a da governança, que o senhor citou. O que fazer para governar o Brasil com um Congresso que não estará afinado com as posições mais progressistas? Como fazer coligações com partidos fisiológicos e não frustrar esse ideário? Quais são os limites para se aliar, para se coligar?
A gente não pode pensar linearmente, ainda mais porque a dinâmica do Brasil sustentável não é brasileira, o mundo inteiro está pensando em saídas sustentáveis e todo dia se produzem reflexões, pensamentos, teses para a sustentabilidade. Quanto mais esse movimento vai se tornando importante, maior poder de atração exerce sobre toda a inteligência de novas concepções de governo e ética. Somos mais fortes hoje que em 2010, sob o ponto de vista de recursos intelectuais à disposição e apoios da academia.
Esse é um processo dialético: quanto mais se torna significativo, mais interlocução com o conjunto da sociedade tem. Outro aspecto é que existe um ecossistema operando, que quer conceber um outro país. O partido é a dimensão política. O ecossistema são as ONGs, as novas que estão sendo criadas, como o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), além da rede das Cidades Sustentáveis, o Ethos, o Cebds, que trabalham a dimensão da gestão, então não só uma tarefa do partido. Tenho certeza de que, quando chegar a hora de enfrentar o poder, teremos instituições sólidas. Os elementos da nova política – que são a ética, transparência, disclosure, decisões em rede – estão cada vez mais presentes na cultura das pessoas envolvidas. Isso vai criando anticorpos no movimento para propostas e coligações menos republicanas.
Como fazer dele um partido de massas, com ampla penetração nas camadas populares? Como atrair simpatizantes e ganhar escala nacional, principalmente junto a classes populares e para além da classe alta, que constitui boa parte desse movimento?
Não é um fenômeno de massa ainda, mas aos poucos vai se expandindo. A gente obtém isso tendo cada vez mais candidatos que vocalizem essa mensagem entrando na disputa eleitoral.
Boa parte do eleitorado de pessoas como o senhor e o vereador Nabil Bonduki (do PT), por exemplo, é de classe média. O senhor não acha que o discurso das lideranças ligadas à sustentabilidade é ainda pouco palpável e hermético para as periferias?
Vocês assistiram ao filme Lincoln? O ponto é o seguinte: não importa se são 10%, 20%, 25%. Importa se o que a gente está fazendo está em sintonia ou não com o momento histórico. Eu acho que o momento histórico é de uma resposta quase que civilizatória mesmo. Esse padrão civilizatório atual não dá! E ele já começa a mostrar os sinais de enfraquecimento. Talvez o nosso discurso não seja muito permeável hoje. Mas será. Por exemplo, quando fui fazer campanha nas regiões de alagamento, as pessoas já sabem o que é risco ambiental e evento climático extremo, o que é contaminação, lixo plástico em bueiro.
Por outro lado, há um desejo de reprodução do padrão de consumo das classes altas.
Sim, mas isso foi uma coisa bem legal (de observar) na campanha. Todo mundo, aliás, devia fazer campanha, mesmo para ser síndico de prédio. Porque ela te obriga a uma humildade à qual a gente não está acostumado, que é pedir voto. Você tem que dizer: “Não sou p… nenhuma, você não me conhece, não tem a mínima razão para confiar em mim, mas gostaria que você confiasse, porque vou poder fazer a sua vida ficar um pouco melhor”. É um esforço esse negócio.
E uma das minhas alegrias na campanha foi perceber que as pessoas já entendem que o consumo não é objetivo da vida. Tive uma experiência maravilhosa no chamado Morro da Lua, no Campo Limpo. É uma comunidade invadida, fica a 100 metros de altura e todas as casas já estavam com o mobiliário das Casas Bahia, mas da porta para fora é um horror, porque nem existe água, é preciso roubar água de uma escola pública. As três líderes da comunidade me disseram: “Não estamos pedindo emprego nem dinheiro. Queremos qualidade de vida e ser respeitadas como seres humanos. Compramos o que precisamos, mas o que o poder público pode fazer por nós não está fazendo!” Foi esse tipo de consciência que encontrei na periferia. Não é verdade que as pessoas não têm consciência dos limites da felicidade ligada a consumo.
É essa linha de qualidade de vida que deve ser explorada como programa de governo pelo partido?
Acho que sim. Uma das coisas bonitas da economia verde é que ela desvincula qualidade de vida de crescimento material.
No texto “Minha proposta para São Paulo”, que está no seu site, o senhor fala muito em ressignificação da Câmara Municipal e em modelo de governança inovadora. Mas quais são suas propostas concretas para inovar o modelo de governança?
Desde a campanha para o Senado, tenho procurado aplicar os princípios da nova política: transparência, horizontalidade, não hierarquização, amplificação dos espaços públicos, não clientelismo etc. Preparamos uma ótima equipe e isso está se expressando concretamente assim: 1 – Protocolei e estou criando a Frente Parlamentar pela Sustentabilidade para tirar a discussão da sustentabilidade do viés partidário e fazê-la de forma consistente sob o ponto de vista técnico. 2 – Estamos enlouquecendo o cerimonial da Câmara, porque queremos trazer os movimentos para debater os problemas da cidade dentro da própria Casa.
Então, temos (os encontros) Segundas Paulistanas e três seminários por semestre para debater diretamente com os vereadores e gabinetes. 3 – Estamos usando muito as redes sociais e todo aquele potencial incrível da TV Câmara para produzir programas para as redes sociais. Então, eu diria que é menos um amontoado de propostas e muito mais um estilo de gestão que a gente está tentando levar para a Câmara. Se esse estilo será abatido antes de pleno voo, eu não sei.
O senhor acha que a questão do estilo é tão importante quanto apresentar propostas para, por exemplo, incluir mecanismos de participação social na discussão das políticas?
Esses mecanismos fazem parte do estilo. Por exemplo, tem vários temas extremamente controvertidos, como a questão da Cracolândia, a mobilidade. A gente tem algumas hipóteses de propostas, mas quer discuti-las com a sociedade. No Segundas Paulistanas, em uma segunda-feira por mês, estamos promovendo o encontro da Câmara com o público. Isso fará parte da elaboração das propostas e vamos submeter isso via redes sociais e site para a sociedade.
Pegando um exemplo bem concreto: o Plano Diretor precisa ser revisado, o que é possível fazer para que a cidade contenha essa especulação imobiliária que vive hoje em dia?
Minha plataforma básica são os 12 eixos das Cidades Sustentáveis. Em relação ao Plano Diretor, vai ser um pega pra capar, porque a gente tem que reinventar essa cidade a partir dele. Reinventar tirando os carros das ruas, mas não de forma autoritária, e sim por meio de mecanismos de atração, para que as pessoas vejam que o custo de manter seus automóveis é maior que migrar para o transporte coletivo. Isso significa mexer nos terminais, nos pontos de ônibus, no nível de conforto do transporte público. Temos que radicalizar no código de obras os mecanismos de construção sustentável. Temos de enfrentar o adensamento da cidade de um lado para liberar áreas públicas e de lazer de outro.
Mas como conseguir maioria para isso?
Não sei! Se eu soubesse… a primeira coisa é estar dentro. A segunda coisa é encontrar seus amigos, e daí a Frente Parlamentar pela Sustentabilidade e as comissões, que são chave no processo.
Quantos vereadores fazem parte da Frente?
Trezes pessoas, de todos os partidos. E a terceira coisa é: sociedade civil, me ajuda! Não adianta eu, entre 55, ficar esgoelando com os parcos poderes de um vereador. Preciso da sociedade civil vocalizando aquilo em que precisamos avançar por meio dos mandatos da Frente Parlamentar.
O senhor pretende continuar no PPS ou se filiar ao novo partido?
Isso foi negociado desde o início. Eu gostaria que o PPS se transformasse em uma das bases partidárias da futura candidatura da Marina. Dentro do PPS, estou fazendo força para isso e tenho tido algum sucesso. Agora, formado o partido, eu vou sair do PPS.
O PPS não se opõe?
O combinado não é caro. Eu não tenho do que me queixar no PPS. Tudo o que combinamos eles têm honrado. E tudo o que tenho proposto na Câmara eles têm me dado condições de fazer.
O que motivou o senhor a entrar na política?
Essa visão de transformação do País. Primeiro, essa necessidade da transformação na direção da sustentabilidade. Segundo, um absoluto descrédito de que essa sociedade consumista, capitalista, tradicional etc. dará uma resposta civilizatória para o bem-estar da humanidade. E, terceiro, a necessidade de a gente devolver a política como um instrumento legítimo de transformação da sociedade, e não como se fosse um espaço contaminado. A política como o melhor espírito de Hannah Arendt, como a melhor prática do processo de desenvolvimento de uma civilização. Eu não teria entrado na política se não tivesse uma causa como a que estamos discutindo aqui; eu continuaria na sociedade civil e fazendo isso empresarialmente. Pretendo terminar meu mandato porque quero ter essa experiência até o fim.