Discussões tardias, já na fase do licenciamento de obras, evidenciam a falta de um debate anterior sobre os rumos do Brasil
Por Amália Safatle
Jornalista e fonte encontram-se para uma entrevista no café de um bairro abastado de São Paulo. A jornalista vai ao toalete. Ao sair, abre-se a porta do banheiro masculino e de lá sai o rapazinho de gorro preto que estava na entrada vendendo balas de goma. Enquanto ela lava as mãos, ele puxa assunto: “A água tá fria?” “Não muito”, ela responde. “Pois eu tô com frio.” De fato, tremia. “Compra bala? Duas por 1 real. É pra ajudar lá em casa.” Ela tira o dinheiro da bolsa e pensa: “Esse 1 real vai pro crack”. Na hora, arrepende-se do pensamento preconceituoso. Ele sorri: “Deus te abençoe”. Sem ajudar mais do que talvez pudesse, ela apenas responde: “Boa sorte”. E segue para a entrevista.
A conversa abarca obras de infra-estrutura, licenciamento, impactos socioambientais, PAC… e naturalmente deságua em temas como jogo de interesses, grandes empreendimentos, corrupção, muita grana envolvida. Na mesinha ao lado, perto da porta, tudo muito rápido: duas moças gritam. Na rua, o pessoal, indignado: “Pega ladrão!” O rapazinho tinha apanhado o celular de uma delas e caído no mundo. A moça, assustada, nessa hora devia tremer também.
Jornalista e fonte ficam alguns segundos sem assunto. E em seguida voltam ao cafezinho, à grana grande, aos ladrões do Brasil para os quais ninguém grita.
Lavando as mãos
Farto material histórico e sociológico está aí para embasar a tese: o Brasil da corrupção, dos privilégios e do autoritarismo exercido durante décadas é o mesmo da desigualdade social que produz situações como a do vendedor de balas. É também o mesmo país em que a população é alijada de decisões nacionais que afetam a vida de todos e eventualmente beneficiam alguns.
Na nascente democracia brasileira, o cidadão tem um voto, mas dificilmente sua opinião é levada em conta na hora em que se decide por obras polêmicas e de grande impacto socioambiental, como uma usina de energia nuclear, a transposição do Rio São Francisco e a construção de grandes hidrelétricas ou de rodovias.
Sob esse mesmo chapéu da frágil governança pública florescem relações pouco idôneas, que recheiam as páginas dos jornais (leia entrevista à pág. 14). Empresas que buscam verdadeiramente a sustentabilidade normalmente são mais transparentes e idôneas. O contrário também é válido: a Gautama, por exemplo, pivô da Operação Navalha, é acusada de desrespeitar a legislação ambiental em pelo menos duas obras: na construção da BR-319, no Amazonas, e de pontes na BR-402, no Maranhão, conforme publicado na Folha de S.Paulo (leia série de artigos e entrevista sobre gestão sustentável e governança corporativa entre as páginas 38 e 47).
O governo coloca-se como “vítima” do licenciamento ambiental, mas no setor público há casos de EIA-Rima (Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental) feitos sem licitação, e em que a empresa autora dos relatórios atua “amarrada” com o empreendedor, segundo uma especialista que trabalha no setor de licenciamento ambiental.
Segundo a mesma fonte, que prefere não se identificar, por trás de uma decisão sobre a construção de hidrelétricas na Amazônia, mais que a preocupação com a disponibilidade de energia para o País está o fato de que a oferta próxima atende às necessidades de grandes grupos empresariais na região. E, como o lugar é mal atendido por políticas sociais, é do interesse do governo que essas empre sas exerçam o papel do Estado nos municípi os pobres. “E, assim, uma mão lava a outra”, afirma.
Segundo Mauricio Born, gerente de meio ambiente, saúde e segurança da Alcoa, com operações localizadas no Pará, o Sistema Interligado Nacional (SIN) não distingue empresas próximas ou não da geração e o custo independe da proximidade. “O Brasil tem um grande potencial hidrelétrico inexplorado e parte significativa está na Amazônia. A instalação de usinas de geração apresenta grandes desafios socioambientais, mas por ser renovável e com baixas emissões de gases de efeito estufa, são uma opção fundamental para o desenvolvimento”, afirma.
Projeto de Brasil
A falta de um projeto nacional, previamente acordado entre as diversas partes da sociedade, desemboca em discussões tardias já na fase final, que é a do licenciamento das obras. Nesta última etapa, as cartas já estão dadas e não há mais espaço para rediscutir as diretrizes que mais beneficiariam a população: resta apenas minimizar ou tentar compensar os danos socioambientais para que os empreendedores consigam a licença para operar. Reverter essa situação, antecipando o debate, pode ser um dos grandes exercícios democráticos por fazer no País.
Em um trabalho sobre a evolução histórica do impacto social e ambiental de hidrelétricas no Brasil, o primeiro diretor de meio ambiente do Banco Mundial, Robert Goodland, cont a os percalços de quando começou a trabalhar aqui, em 1969, durante a linha dura do presidente Médici. As ONGs quase não existiam e os sindicatos tinham sido banidos. Os dois choques do petróleo desestabilizaram a economia e aceleraram a construção dos projetos hidrelétricos, sem dar margem a qualquer conversa. Assim nasceriam Tucuruí, Itaipu, Balbina, Sobradinho e tantas outras.
Na conclusão do trabalho, Goodland afirma: “ A transição do paternalismo, da autocracia e do elitismo para democracia e política com origem no povo reduz o risco de corrupção, de injustiça social e de má administração da economia bruta”.
Para Cecília Campello do Amaral Mello, doutoranda do Programa de Antropologia Social do Museu Nacional e colaboradora do Projeto Brasil Sustentável e Democrático da FASE, não há dúvida de que o processo de redemocratização brasileiro e a Constituição de 1988 favoreceram a criação e o fortalecimento de mecanismos de participação popular em questões socioambientais.
“Entretanto, ao longo da década de 1990 houve um esvaziamento do poder político dos conselhos de meio ambiente, muitas vezes monopolizados pela aliança dos governos locais com a iniciativa privada”, acredita ela. “As audiências públicas são convocadas de modo repentino, sem que os grupos sociais pot enci almente ating id os tenham tempo de se preparar. Além disso, há temor por part e dos dissidentes d e sofrer represál ias políticas do poder local, o que tem o efeito de silenciar grande parte da população.”
Cecília exemplifica. Conta que, em Mato Grosso, pesquisadores que alertaram para os impactos ambientais da mineradora EBX foram ameaçados de morte. No caso da audiência pública da Coopex, a maior fazenda de camarão projetada no Brasil, nos manguezais de Caravelas (BA), grupos extrativistas temem represálias da prefeitura, que faz o cadastro do Bolsa Família.
“E o caso do complexo do Rio Madeira é gritante: o Ministério Público não foi sequer convidado e os grupos sociais potencialmente mais afetados, como ribeirinhos e indígenas, foram informados de que a audiência pública havia sido cancelada, quando na verdade não fora. Resultado: a audiência foi realizada às escondidas, como um rito sumário”, afirma a antropóloga.
Tal prática destoa bastante da teoria. E não por falta de planos. Entre as diretrizes do governo para grandes obras de infra-estrutura na Amazônia definidas pelo Plano Plurianual (PPA), pelo Plano Nacional de Desenvolvimento Regional e pelo Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal estão: “realizar a análise prévia de alternativas”, “inserir o planejamento de obras em estratégias de desenvolvimento regional sustentável” e “aprimorar os mecanismos de participação social desde o planejamento”.
Os projetos para construção das hidrelétricas do Madeira, um dos principais pivôs do atual debate sobre licenciamento ambiental, não passaram por discussão no PPA: foram sugeridos pelas empresas Furnas e Odebrecht, que até mesmo fizeram o estudo de viabilidade ambiental das obras e podem participar do leilão para execução do empreendimento.
Adriana Ramos, coordenadora de políticas públicas do Instituto Socioambiental (ISA), critica o fato de que a mesma empresa autora do estudo de viabilidade ambiental possa depois participar do leilão.
Sergio Leão, diretor responsável por segurança, saúde e meio ambiente da Odebrecht Engenharia e Construção, diz que todos os estudos realizados por Furnas e Odebrecht são previamente autorizados pelos agentes reguladores e disponibilizados para acesso ao público após serem aprovados pelos órgãos responsáveis. “Os estudos ambientais (do Madeira) foram submetidos ao Ibama, que os reviu e solicitou complementações. Todo esse processo é público, assim como os orçamentos e informações de engenharia”, afirma.
Segundo Leão, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) faz uma auditoria nos custos comprovados desses estudos e disponibiliza os resultados e valores. Caso Furnas e Odebrecht não vençam o leilão, os custos serão pagos pelo grupo vencedor como parte dos investimentos prévios aprovados pelo governo. Leão acrescenta que, no novo modelo do setor elétrico, deverá caber à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a realização dos estudos.
Resposta similar foi dada pelo Ministério de Minas e Energia. Mas, diante do pedido de uma entrevista sobre como é feito o planejamento no setor e como se levam em conta as questões socioambientais, sua assessoria de imprensa respondeu que, por estar a Pasta em fase de troca de ministro, não haveria porta-vozes disponíveis.
O Ministério do Planejamento também foi procurado, mas sua assessoria de imprensa respondeu que na Pasta não existe nenhuma fonte apta a falar sobre o tema socioambiental — o que soa bastante sintomático.
Adriana, do ISA, afirma que no último PPA, de 2004/2007, houve iniciativa por parte do governo de aumentar a participação da sociedade nas audiências. “Teve um debate bem interessante sobre as macrodiretrizes”, diz. Mas, na hora de decidir o que será executado, o quadro muda. “Cada parte do governo defende a sua obra no PPA e a efetividade é dada pelo critério do orçamento.”
Segundo Cecília Mello, a decisão final — centralizada pelo governo — filtra desses mecanismos participativos da sociedade civil apenas o que coincide com o projeto predefinido, e assim legitima decisões já tomadas.
Frustração parecida sentem os representantes das entidades da sociedade civil em relação ao Plano Decenal, que estabelece diretrizes e investimentos para o setor elétrico. “O plano (2006-2015) foi de fato colocado para consulta pública, mas ao final ouvimos o seguinte: ‘Obrigado pelos comentários, mas, como estamos atrasados com as obras, vamos incorporá-los depois’”, conta Glenn Switkes, coordenador da Coalização Rios Vivos.
E assim o debate é adiado para a fase de licenciamento, que o empreendedor espera obter a toque de caixa. “Na fase de licença prévia, em que é feito o EIA-Rima, antes de tudo é preciso que o empreendimento tenha uma boa justificativa para existir”, diz Cristina Simonetti, especialista da consultoria Environmental Resources Management (ERM). “Ainda assim, os estudos ambientais são uma excelente ferramenta para planejar o uso e a ocupação do solo. E, em um país que não tem tradição democrática, trata-se de um bom exercício de diálogo com as partes interessadas”, diz.
Na gestão Fernando Henrique, também houve queixas por parte da sociedade civil de que a avaliação estratégica ambiental dos eixos do Avança Brasil, no início do PPA, nunca foi divulgada à sociedade, apesar de o governo ter pago por ela ao contratar os serviços da consultoria internacional Booz-Allen & Hamilton.
Transversal do tempo
“O governo reclama dos ambientalistas dizendo que eles travam as obras. Mas, quando os ambientalistas concordam com uma obra como a BR-163, ela não sai do papel. Por quê?”, questiona Adriana Ramos.
O plano BR-163 Sustentável, cujo asfaltamento faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi lançado há mais de um ano como iniciativa piloto. É uma oportunidade para o governo e a sociedade civil construírem uma política de infra-estrutura na Amazônia sobre bases sustentáveis. A idéia é aliar a produção econômica, o ordenamento territorial, a gestão ambiental ao fortalecimento da cidadania e da governança.
Mas até hoje não se concretizou. Segundo Luiz Augusto Mesquita de Azevedo, coordenador do projeto de fortalecimento da participação social no plano da BR-163, não há espaço para discussão com o governo sobre a sua implementação. Um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) agrega 21 pastas sob a coordenação da Casa Civil para colocar o plano em prática, mas, segundo Azevedo, cada um cuida do seu lado, sem que os ministérios conversem entre si. “O Incra, por exemplo, está criando assentamentos em áreas de conservação. É uma peça de ficção. O plano não tem orçamento nem metas”, acrescenta Azevedo. Para tentar resolver a questão, uma audiência foi pedida para o início de julho com a ministra Dilma Rousseff e o coordenador do GTI, Johaness Eck.
Para o deputado Nilson Pinto (PSDB-PA), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, o Ministério do Meio Ambiente tem ficado cada vez mais isolado, colocando por terra o desejo de Marina Silva de transversalizar a questão socioambiental pelo governo (reportagem à página 26). “É preciso refazer as pontes. E a construção do PPA é bom instrumento para exercício dessa transversalidade”, diz. O próximo Plano Plurianual será lançado no ano que vem.
Já Switkes considera curto o prazo do PPA. “Com horizonte de só quatro anos, o governo tem de começar imediatamente a pensar onde vai gastar o dinheiro.” Assim, sobra pouco tempo para planejar como gastá-lo.
Energia para quem?
Se para a população de forma geral as diretrizes de planejamento são questões muito abstratas, alheias a seu cotidiano, no setor elétrico a situação é pior. A opinião é de Celio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. Faz sentido: rodovias, pontes e portos são exemplos mais visíveis de onde o dinheiro (ou pelo menos parte dele!) é aplicado. Já a energia entra na rede nacional e não há como a população aferir para onde foram — e a quem serviram — os quilowatts gerados por determinada hidrelétrica.
Com isso, o debate fica mais difícil. E esse debate, na visão de Bermann, deveria ser bem anterior. Antes mesmo de se pensar em como elevar a oferta da energia — se deve haver ou não usinas no Rio Madeira, discussão que a seu ver chegou ao histerismo —, a grande questão reside na demanda energética.
“Nós tomamos o crescimento da demanda energética como fato consumado. Não é”, afirma. Segundo ele, apenas seis setores da economia consomem 30% da energia gerada no País: cimento, petroquímica, siderurgia, não ferrosos (alumínio), ferroligas e papel e celulose. Excluindo os dois primeiros, parte significativa da produção é voltada ao mercado externo. São bens primários com alto conteúdo energético e baixo valor agregado.
“A pergunta que se deve fazer é: vale a pena manter essa forma de inserção na economia internacional? O quanto vale ser o sexto maior produtor de alumínio ou o maior de aço?”, questiona o professor. Cada tonelada de alumínio produzida corresponde ao consumo de 100 famílias durante um mês, por isso é um tipo de produção que tem sido abandonado nos países centrais, explica.
“Os presidentes da Vale e da Alcoa têm ido à mídia dizer que vão rever a previsão de investimentos no Brasil por conta do risco de falta de energia (a partir de 2012). Acho ótimo”, afirma. Para Bermann, o Brasil precisa mesmo reorientar sua política industrial — o que reduziria ou estabilizaria a demanda energética, e agregaria valor à produção, sem sacrificar o PIB, ao contrário.
Questionado a esse respeito, Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE, responde: “Isso é o desejável, mas precisamos pensar sobre condições reais. Há questões de vantagens comparativas do Brasil nessas indústrias de base que devem ser levadas em conta. Claro: sempre é preciso tentar agregar valor a esses produtos”.
Segundo Born, da Alcoa, os setores eletrointensivos devem ser analisados sob o ponto de vista da cadeia produtiva, com todos os empregos e impostos gerados, já que fornecem matéria-prima para uma série de outras indústrias. “A fabricação de alumínio no Brasil, material infinitamente reciclável, com energia renovável de hidrelétricas, é um bom exemplo de sustentabilidade”, diz.
Born acrescenta que é o setor industrial brasileiro como um todo que consome 30% da energia produzida. “Além disso, o aumento da demanda enegética tem relação direta com o crescimento da economia.”
Mas, em um artigo publicado no jornal chileno La Nación, John Wilson, assessor da Comissão de Energia da Califórnia, contesta essa máxima. Afirma que o crescimento da demanda elétrica no estado desacelerou de 7% para 2%, entre 1990 e 2006, enquanto a economia manteve crescimento estável em taxas entre 3% e 4%.
“Parece que no Chile se pensa que crescimento econômico e demanda energética estão sempre acoplados. Na Califórnia, há uns 30 anos, também pensávamos assim porque não havíamos incorporado a questão da eficiência em nossas análises”, escreve Wilson. Com isso, diz ele — apesar dos lobbies de alguns setores —, não foi preciso construir nenhuma usina nuclear, nem a carvão.
Enquanto isso, no Brasil, durante o 8º Encontro de Negócios em Energia, pôde-se ouvir de José Antonio Sorge, diretor da Associação Brasileira das Concessionárias de Energia, que já não bastam Rio Madeira, Belo Monte e Angra 3, é preciso pensar na construção de Angra 4.
Estudos de Celio Bermann apontam que somente com a repotencialização de hidrelétricas com mais de 20 anos é possível acrescer 8 mil megawatts de capacidade à rede. Mas avisa: se esse for o caminho escolhido, é preciso começar agora, enquanto há uma sobra energética no Brasil e essas usinas podem ficar paradas para a reforma.
Sem Ibope
O professor afirma que a proposta não encontrou eco no governo. “Reformas não trazem visibilidade política como a inauguração de uma nova obra”, afirma. Segundo a assessoria de imprensa do MME, “cada técnico no ministério tem uma opinião sobre esse assunto e o ministro interino não vai dar declarações sobre essa questão”.
A repotencialização é só um dos caminhos. Goodland, ex-diret or do Bird, concluiu em seu estudo que há tendência crescente de internalização dos impactos socioambientais, o que eleva os custos de projetos como grandes barragens, e reduz os de projetos de baixo impacto, como energia renovável — um bom motivo para o País investir mais nesse setor (reportagem à página 30).
A idéia de elevação de custos — de que Goodland fala — ainda não foi plenamente assimilada pelas empresas, avalia José Goldemberg, presidente do Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio) e ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. “Acontece que as empresas não querem gastar mais. O trecho sul do Rodoanel, por exemplo, vai custar 20% a mais do que se fosse na época do regime militar, de modo a atender as exigências ambientais da sociedade atual. Alguém tem de pagar essa conta”, afirma.
Para Goldemberg, boa parte das dificuldades no aumento da oferta energética, embora quase sempre atribuídas à questão ambiental, tem origem em incertezas regulatórias, como garantias de preços e tarifas.
A queixa parte da própria Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Segundo a diretora da entidade, Patricia Arce, os consumidores no mercado livre de energia (onde se negocia diretamente com o fornecedor) têm encontrado dificuldade em firmar contratos de compra de médio e longo prazo com as empresas geradoras.
Segundo Tolmasquim, a razão é que este é um momento muito propício para a especulação de preço. “A energia existe, mas não a disposição em vendê-la, já que lá na frente vai valer ouro. São necessários mecanismos de governo para controlar isso”, afirma.
Visão de futuro
Encontrar um equilíbrio entre os negócios, a participação popular e o respeito às questões socioambientais é um belo desafio para um país que há tão pouco tempo inaugurou seu processo democrático. Mas, para Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute (WWI), que esteve recentemente no Brasil para a conferência Ethanol Summit, não há outro caminho.
Segundo ele, o surgimento de uma nova onda de políticas estaduais inovadoras para o incentivo de fontes renováveis de energia, como vistas na Califórnia e em países como Espanha e Alemanha e até na China, mostra que a política está se tornando mais verde. “Essa era uma luta só dos ambientalistas. Hoje há uma mudança profunda de mentalidade, e não só na Califórnia.”
Na mesma mesa em que estava Flavin, a ministra Dilma Rousseff respondeu: “Quando o represe ntante do Worldwatch Energy (sic) diz que o governo tem papel importante para quebrar essa inércia, acredito que o programa do biodiesel se encaixa nisso”. E afirmou que a matriz energética brasileira é sustentável — ainda que 55% dela venha de fontes fósseis. O debate nacional sobre sustentabilidade, pelo visto, está só no início.
E enquanto as discussões se derem apenas na reta final do licenciamento de obras, obliterando todo um processo anterior de planejamento nacional, a sociedade perde a oportunidade de escolher os próprios caminhos e assim fortalecer sua nascente democracia.