Por Amália Safatle e Carolina Derivi
Na assessoria de comunicação do Ministério do Meio Ambiente, a fila não pára. Em meio ao assédio da imprensa, Carlos Minc Baumfeld, 57 anos, mostra-se um ativo comunicador e formulador de frases de efeito, o que até lhe rendeu o apelido de Carlos Mídia. E deverá usar da força da comunicação para tirar a pasta do isolamento. O “ecoansioso” ministro, como se intitula, aposta na experiência de negociador acumulada no Parlamento para trocar “nãos” por “sins” e avançar na agenda socioambiental, em um governo predominantemente desenvolvimentista. Mas sem barganha, no sentido pejorativo da palavra – garante.
Líder estudantil exilado, economista de formação, fundador do Partido Verde e deputado estadual por 20 anos, Minc tem a princípio apenas dois anos para pôr em prática tudo o que anuncia. E ainda se equilibrar entre o movimento ambientalista, com o compromisso de não abandonar a agenda de Marina Silva, e os interesses dos setores econômicos e de demais ministros. Como nunca, colocará à prova sua capacidade de interlocução.
Quanto é possível avançar em uma agenda socioambiental dentro de um governo reconhecidamente desenvolvimentista?
O governo não é só desenvolvimentista. Foi o governo que mais homologou terras indígenas e fez reservas na Amazônia. Qualquer país que se desenvolve tem tensões entre desenvolvimento e preservação. Elas se refletem na sociedade, no Parlamento e nos governos. A ministra Marina Silva, minha amiga e companheira há mais de 25 anos – quando a conheci, era uma menina, no Acre, com Chico Mendes, que também esteve na minha casa, sou dessa turma -, conseguiu fazer muita coisa boa em cinco anos. E também teve derrotas. No fim, o ministério estava realmente isolado. Inclusive a Marina se sacrificou, de alguma forma, para o meio ambiente ter mais força. Eu não pedi para ser ministro. Não queria ser ministro. Coloquei dez condições para aceitar e algumas pessoas disseram que era arrogância. Como uma pessoa convidada, em vez de dizer “quanta honra”, estabelece condições? Arrogância era achar que faria a agenda avançar sem ter condições. Era o mínimo necessário.
Quais foram as condições? O que é o mínimo necessário?
O Meio Ambiente voltar a ter recursos, os quais tem garantidos por lei e foram contingenciados. Recursos como 10% dos lucros das atividades de petróleo, o que seriam R$ 180 milhões por ano. Recursos também previstos em lei sobre o uso da água pelo setor elétrico. Isso gera superávit fiscal e minha tese é de que tem de virar superávit ambiental. Outro ponto é que o meio ambiente acabou alijado de políticas como a de saneamento. Como não vai influir na política responsável pela poluição nos rios, mares, lagoas? Isso também foi garantido. Vai haver um plano nacional para passar o nível de coleta e tratamento de esgoto dos atuais 35% para 70% em dez anos, com investimentos de bilhões por ano. O Meio Ambiente saiu da política industrial, da política tecnológica. E isso é inacreditável, porque a questão da tecnologia limpa não é indiferente ao que vai acontecer com os ecossistemas, com o pulmão das pessoas, com a ecologia humana. Então, o MMA vai participar dessa agenda formalmente. Já existe uma pauta com o presidente do BNDES para uma política de estímulo especial para a tecnologia limpa. Um dos pontos também reivindicados é voltar para a coordenação do PAS (Plano Amazônia Sustentável).
Outra coisa importante é a resolução do Banco Central que corta o crédito para quem está irregular do ponto de vista fundiário e ambiental. É uma forma de tentar segurar o desmatamento, agora que os índices voltaram a subir. E aí pedi garantias de que a resolução seria mantida. Houve pressão grande de um governador (Blairo Maggi), que mobilizou outros, mas nós contatamos, um por um, os governadores da Amazônia. Obtivemos ganhos para eles. Por exemplo, preços mínimos para produtos extrativistas e o aumento de R$ 60 milhões para R$ 130 milhões dos recursos para estruturar e modernizar a atividade extrativista, mais outros para regularização fundiária, e terminar até o ano que vem o Zoneamento Econômico-Ecológico. Resultado: nenhum dos oito governadores, além daquele que propôs a derrubada dessa medida, assinou a proposta. A medida está mantida, aliás, entra em vigor daqui a duas semanas (equivalente a início de julho). Outra condição foi uma posição clara do presidente em relação ao projeto da Frente Ruralista, que diminui a reserva legal da Amazônia de 80% para 50%. O presidente Lula garantiu que essa posição não seria só do ministério, mas do governo, e eu comuniquei isso aos líderes na Câmara e no Senado. Com base nessas garantias, começamos o trabalho. Em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente assinou três reservas há um ano e meio encalacradas, e que representam duas vezes e meia a área desmatada no ano passado. Não estou inebriado por isso, as questões são duríssimas. Há passivos ambientais em todas as áreas. Esses recursos estão garantidos, mas tem que correr atrás.
E a questão da transversalidade, da qual Marina Silva falava tanto, e que é importante para se conseguir fazer tudo isso?
Pois é, a Marina e todos nós defendemos a transversalidade. Mas esse discurso não estava acontecendo. O Meio Ambiente ficou fora da política de saneamento. Voltou agora. Ficou fora da política científica e industrial. Voltou agora. Ficou fora do grupo executivo do PAS. Voltou agora. E, mesmo na agenda do licenciamento ambiental, não tinha uma interlocução boa com outros ministérios, digamos, mais da área econômica, como Minas e Energia, com a ANP (Agência Nacional do Petróleo) ou com a Agricultura.
É tirar o Meio Ambiente de um certo isolamento, também pela questão do licenciamento ambiental. No Rio, destravamos o licenciamento aumentando o rigor. Não há contradição nisso. Você pode demorar três anos para dar uma licença frouxa, e pode dar em seis meses o maior licenciamento ambiental da América Latina, que foi o do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) em Itaboraí, da Petrobras. Um licenciamento de R$ 18 bilhões e a licença mais rigorosa já dada no País. Como conseguimos isso? Diminuindo etapas inúteis, encurtando prazos, trabalhando de forma seqüencial, informatizando, fazendo grupos de acompanhamento quinzenal das grandes licenças com checklist. Por exemplo: na Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente), para chegar na mão do primeiro analista ambiental, o processo passava por 15 funcionários. Nós tiramos 14. Não interessa ficar meses descobrindo se tem alvará, fotocópia, conta de luz. Tem de ir no point. Com isso, passamos a licença de três anos para oito, seis meses. Aumentamos o rigor e acho que essa foi a principal razão pela qualo presidente Lula nos chamou para o ministério.
Mas isso valeria para a Amazônia, onde há um cenário muito mais complexo? Muitas vezes não é bom que o processo demore, para que haja tempo de a sociedade refletir, discutir sobre as mudanças causadas pelos empreendimentos?
Não vejo dessa forma, pelo seguinte: para as licenças que demos com alguma rapidez, houve seis meses de discussão com a universidade e com os ambientalistas, para fazer a instrução técnica, que são as perguntas que o estudo ambiental deve responder. A Petrobras ficou nervosa quando criamos uma audiência para fazer a instrução técnica. Normalmente, lá na frente descobre-se que as boas perguntas não foram feitas. Então, você perde três semanas e faz todas as perguntas boas. Depois, fizemos cinco audiências públicas com participação média de 2 mil, 3 mil pessoas, dos municípios no entorno. Demos 2 mil licenças em um ano e quatro meses, de alta qualidade, votadas pela sociedade civil.
O principal motivo da saída da Marina foi a demora em licenciamentos?
Foram vários os motivos. Ela caiu mais pelos acertos do que pelos erros. Participei de uma reunião do conselho de ministros de Biossegurança e fui derrotado por 7 votos a 3 quanto ao recurso da Anvisa sobre o milho transgênico. No entanto, foram aprovadas na mesma reunião duas coisas importantes: uma recomendação unânime ao CTNbio de que não se baseie, no futuro, exclusivamente em estudos apresentados pelo proponente do organismo geneticamente modificado, mas que faça estudos independentes.
E que esses estudos não sejam baseados no que acontece em outros países, mas nos nossos biomas. Quer dizer, a gente teve uma derrota e também uma vitória. Temos uma posição muito propositiva junto ao setor empresarial. Assinamos a moratória com o setor da soja. Durante um ano não vão comprar soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia. Já havia a moratória, mas o governo não participava. Eles estavam desistindo de renovar a moratória. Alegavam que não podiam ser “mais realistas que o rei”. Como há o direito legal de desmatar 20%, a moratória vai além da lei brasileira. A gente colocou a questão do Zoneamento Econômico-Ecológico, o governo entrando para garantir o cadastramento das propriedades e a regularização fundiária, e eles toparam mais um ano, desta vez com intervenção do governo. Vamos fazer o mesmo em dois outros setores: frigoríficos e madeira. Vão ter de informar todos os fornecedores. E vão ser co-responsáveis pelos crimes ambientais cometidos pelos fornecedores, como a pessoa que compra um carro roubado. Vira receptador, dá prisão. Esses dois setores são poderosíssimos na Amazônia e no Brasil, e precisam do carimbo para exportar. Não vão ter o carimbo, porque suas cadeias estão fora da lei. É muito melhor do que colocar um fiscal atrás de cada um. E vamos conseguir recursos adicionais no BNDES para modernização e legalização das cadeias produtivas. A legalidade será incentivada, respeitada, acreditada. A ilegalidade será fechada, embargada, punida com cana dura, como diz a Lei de Crimes Ambientais.
O quanto ministérios “fortes”, como o da Agricultura, o de Minas e Energia, têm noção da importância de o Brasil ser uma potência ambiental e valorizam essa vantagem comparativa?
Não tenho a pretensão de mudar a cabeça dos outros ministros. É um governo plural, tem várias forças políticas representadas e vai continuar assim. Tenho de afirmar a nossa área, tirá-la do isolamento, ir para o propositivo. Licenças precisam ser técnicas, não políticas. O que for “não” é “não”. Mas é “não” rapidamente. E tem mais: não me envergonharei de dar licenças ambientais bem dadas. Porque o papel da área ambiental não é ser breque da roda em relação ao licenciamento ambiental. O que for bem dado, eu direi: dei uma ótima licença ambiental. Vai ter desenvolvimento, com criação de emprego e pouco impacto na população, no rio e na floresta. Já falei para os outros ministros: cada licença, um parque. Cada licença, mais recursos para saneamento e para lixo. Dois pra lá, dois pra cá.
Existe insegurança jurídica no que diz respeito à distribuição da competência para o licenciamento ambiental nas três esferas de governo…
Artigo 23… (da Constituição Fderal, segundo o qual a preservação ambiental é de responsabilidade da União, estados e municípios, mas não distribui as tarefas).
Uma interpretação leva em conta a extensão do impacto, outra, o domínio territorial. E isso está ligado à alta judicialização dos licenciamentos no Brasil. O senhor pretende resolver isso também?
Vamos resolver isso em menos de dois meses. O Conama estava um pouco fora, porque passa dias votando moções. Não é concebível que o órgão máximo que formula a política ambiental do País e se reúne uma vez a cada três meses fique dias discutindo moções, cujo efeito prático é zero. É a desqualificação do órgão. Nós vamos chamar os representantes dos estados, os representantes das prefeituras, os da sociedade civil. O Conama vai voltar a legislar sobre política ambiental.
Qual critério deveria prevalecer?
Deve ser pelo impacto, pelo tamanho do empreendimento. Não tem sentido ser por região. Exemplo: praia é da União. Então, na praia o Ibama licencia? Isso é loucura, o Ibama tem que licenciar siderúrgica, hidrelétrica. Não vai licenciar um quiosque porque está na praia.
O senhor acha que falta à iniciativa privada uma cultura de planejamento que integre as questões ambientais ao longo de todo o processo e não só no final?
Sim. Muitas vezes, o problema está no órgão ambiental. Mas muitas vezes a empresa não investe nisso e faz um estudo ambiental vagabundo. Por que a gente conseguiu no Comperj fazer uma licença de boa qualidade em tão pouco tempo? Quando o EIA/Rima chegou, não era um ET. A gente já tinha analisado e corrigido por seis meses, por isso pôde dar a licença em outros seis. Agora, uma empresa que não invista na questão ambiental, que não contrate pessoas que valorizem a área, e façam uma EIA/Rima precário, não tem como licenciar. É vagabundo? Minha orientação é não dar a entrada, volta pra trás.
Em princípio, o senhor tem mais dois anos de Ministério.Vai dar tempo para fazer tudo o que propõe? Não precisa selecionar as prioridades?
Toda hora você tem que selecionar prioridades. Toda hora cai a agenda. Tudo o que eu disse são procedimentos que vamos tomar rapidamente. Para destravar o Ibama, já anunciamos data. É 5 de julho. Vamos apresentar uma série de medidas administrativas que reduzirão para metade o tempo de tramitação das licenças. Abrir a câmara de compensação para universidades, ONGs e a iniciativa privada, é um mês. Oficiar as empresas da Amazônia que têm que informar toda a cadeia produtiva, isso foi ontem (18 de junho). Mandar para o Congresso a Lei de Mudanças Climáticas, também já foi. Mudar a posição defensiva do Itamaraty em relação a biodiesel e etanol, foi no dia seguinte em que eu tomei posse. A moratória da soja foi assinada, e mês que vem espero assinar a dos frigoríficos e da madeira.
Em dois anos dá para fazer bastante coisa?
Imagino que sim. Não tudo o que o Brasil precisa na área ambiental, mas continuar a agenda da Marina. Tenho um compromisso político de não abandonar um só dos programas. Não perdi um milímetro da relação com movimento social, movimento ambientalista, área parlamentar… Mas aumentei muito a interlocução com governadores, com outros ministérios e o setor econômico. O centro de tudo é a questão do licenciamento, a questão do zoneamento, e é, acima de tudo, diminuir atritos sem eliminar as contradições entre a proteção da vida, dos rios, dos ecossistemas, e a necessidade de desenvolvimento para o País para combater a miséria, a exclusão, a fome.
Isso é muito amplo. Como estabelecer prioridades, identificar o que é urgente?
Governar é estabelecer prioridades. Em relação ao licenciamento, tenho uma agenda com a Petrobras para ver, de 500 licenciamentos, quais são prioridade. Farei o mesmo com a Vale, com o (Edison) Lobão. Aquilo que não tiver como licenciar, a gente lima logo.
O senhor é favorável ao licenciamento de Belo Monte?
As questões de Belo Monte basicamente estão equacionadas do ponto de vista ambiental, assim como Santo Antônio. O que falta para Belo Monte são as questões indígenas de garantias, compensação e negociação. Não há problemas insolúveis em Belo Monte. Ao contrário.
Então, a prioridade agora é a o licenciamento para esses projetos?
Não. Isso é a agenda do licenciamento. Tem outras agendas. Antes de 5 de junho, eu disse ao presidente Lula: “Presidente, eu estou chegando agora, a Marina é um ícone nacional e internacional, não é nada fácil nem cômodo, ainda por cima, para um amigo e companheiro dela de 25 anos, entrar na hora em que ela joga a toalha, porque não estava conseguindo fazer o que queria. Quero saber o que vou dizer no dia 5 de junho, quando eu faço uma semana de governo.” Levei para a mesa seis unidades de conversação e consegui três. Levei cinco decretos e consegui dois, e os outros vão ser assinados no dia 10 de julho, por exemplo, um decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais, que vai ser uma revolução. Hoje em dia 5% ou 10% das multas são pagas. As pessoas conseguem embromar por quatro anos. Vai acabar essa moleza. Vai passar para três ou quatro meses. Fizemos leilões de grãos e madeira pela primeira vez. Brincaram quando eu falei do “boi pirata”, mas 3.500 bois piratas apreendidos serão leiloados. Vão virar churrasquinho para o Fome Zero.
Recentemente foi publicado um relatório de auditoria do TCU sobre órgãos federais que atuam na Amazônia.
Está tudo insuficiente, não tem gente, não tem recursos, não tem integração uns com os outros. Tudo verdade.
Para o Ibama, a auditoria constatou a baixa eficiência da fiscalização e a baixa arrecadação de multas. Para o Instituto Chico Mendes, a baixa implementação de planos de manejo, a sobreposição de unidades de conservação com terras indígenas e assentamentos, além da falta de regularização fundiária. O senhor tem propostas para esses pontos?
Para todos eles. Todas encaminhadas. No Rio de Janeiro, o Sérgio Cabral criou um decreto chamado guarda-parque. São bombeiros que vão ficar dentro das unidades de conservação. Estamos em processo de negociação com Tarso Genro, da Justiça, que vai concluir-se em mais 15 dias. Mais do que isso é uma eternidade, e eu sou “ecoansioso”. Vai ter um decreto nacional de guarda-parques.
Vamos colocar recursos para os bombeiros estaduais e para os batalhões florestais estaduais – dinheiro dos ministérios do Meio Ambiente e da Justiça, para comprar helicóptero, carros etc. Em contrapartida, cada estado vai dar 20, 30 bombeiros para unidades do Chico Mendes. Vamos dar cursos especiais para os membros do batalhão florestal, eles vão ter também um complemento de R$ 300, R$ 400. A contrapartida é colocarem de 80 a 120 homens em cada estado, em ações preventivas junto com o Ibama. Reprogramamos a Operação Arco de Fogo, vamos antecipar algumas etapas, porque o desmatamento está crescendo e os próximos meses historicamente são horríveis.
O Exército vai entrar nisso?
Essa apreensão do gado já contou com aviões e caminhões do Exército. A gente quer que o Exército entre mais. Mas tem coisas que dependem de três assuntos. Um é uma mexida constitucional, incluindo um tema caro às Forças Armadas, que é o conceito de soberania ambiental. Outro é dar mais recursos. E o terceiro é circunscrever que isso será feito por alguns batalhões e regimentos e não pela totalidade do Exército. Converso direto com o ministro (Nelson) Jobim sobre isso.
Qual foi o motivo da visita do governador Blairo Maggi hoje ao senhor?
Tenho recebido, a pedidos, os governadores da Amazônia. Recebi ontem o governador de Roraima (José de Anchieta Junior) e anteontem o de Rondônia (Ivo Cassol). E tenho falado diariamente com todos por telefone. Jantei na casa do ministro Mangabeira Unger. O fato de haver posições diferentes, em relação a vários pontos, não significa que você não vai dialogar. Eu me habituei ao diálogo. Aprovei 130 leis. Sou o deputado que mais aprovou leis na história do Parlamento do Rio de Janeiro. Nenhuma era nome de rua, semana da mulata, semana da velha-guarda. Eram leis sobre saneamento, educação ambiental, política de resíduos sólidos, leicontra a discriminação dos gays, ICMS cultural. Mas nenhuma foi aprovada da forma que propus. Todas foram negociadas, a maioria teve audiência pública. Aprendi que tem que negociar com pessoas que pensam diferente de você.
E qual tem sido a negociação?
Um exemplo prático. Eu queria essas reservas no dia 5. O ministro Lobão disse que em uma delas poderia ter aproveitamento hidrelétrico de 200 MW, na outra, de 150 MW. Falei que estava pensando em antecipar a licença de Santo Antônio, que são 4.000 MW, mas que precisava dessas reservas para esta semana. Então a gente tem duas contas a fazer. Ou um “não, não”, ou um “sim, sim”. É pegar ou largar. Ele pegou. Vai ter Santo Antônio antes do prazo e eu tive as duas unidades que estavam bloqueadas há um ano e meio no dia que eu queria. Transformei dois “não” em dois “sim”. Isso eu faço todo dia e várias vezes por dia. É minha especialidade.
Mas aí vira um toma-lá-dá-cá?
Não! O projeto de Santo Antônio pôde ser licenciado porque já foi resolvido tecnicamente lá atrás. A tecnologia de geradores bulbo reduz em mais de 80% a área alagada. Isso foi resolvido ao longo de dois anos, com toda a discussão dos bagres, todo mundo acompanhou o desgaste. Foi um trabalho maravilhoso da Marina, que ela acabou não capitalizando para se fortalecer. Graças à equipe dela, pôde-se fazer um licenciamento seguro, importante para o País não ter um apagão e com um impacto perfeitamente suportável, minimizado em mais de 80%. Barganha seria vender a alma ao diabo, ou seja, dar uma licença que não deveria ser dada naquelas condições. Isso nunca farei. Ganhei um prêmio global da ONU do Meio Ambiente, tenho uma história, participei de seis eleições, nunca perdi, nunca um inimigo meu levantou um pingo moral ou ético em 20 anos de Parlamento, agora vou vender a alma ao diabo por causa de uma hidrelétrica? Me inclua fora dessa.
O Brasil será um dos principais beneficiários de um provável mecanismo para compensar o desmatamento evitado. Qual é a sua posição em relação aos mecanismos de mercado e à criação de fundo com doações de países desenvolvidos? Sou a favor do fundo e sou a favor dos mecanismos de mercado. Um dos pontos que levei ao presidente no dia 5 foi o Fundo Amazônia, para o qual já conseguimos uma doação da Noruega de US$ 100 milhões por ano, durante cinco anos. Combinamos com a embaixadora da Noruega o dia em que virá aqui o primeiro-ministro, em setembro, fazer o primeiro cheque. O Lula resistiu, por causa da soberania.
Acha que todo mundo vai meter o dedo, que vai dar R$ 10 milhões e dizer o que faz e o que não faz da Amazônia. Expliquei para o presidente Lula que esse fundo era muito mais soberano que o PPG7 (Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais no Brasil), porque o órgão executor era multilateral. Neste Fundo Amazônia, que vamos criar em um mês, o país doador não tem assento no conselho e o órgão executor é o BNDES.
O presidente Lula entendeu?
Entendeu, e assinou também um grupo de trabalho que se reúne toda semana, do qual o BNDES faz parte. Se tudo correr bem, em 8 ou 9 de julho sai o fundo. A Alemanha vai entrar, a Suíça vai entrar, empresas privadas brasileiras vão entrar. Não pode ter dinheiro público, só de outros países ou dinheiro privado do Brasil e do exterior. A única garantia que eles têm, e vão ter isso demonstrado, é que isso serve para reconstituir as áreas degradadas ou manter a floresta em pé, o que levou ao apelido de “Fundo Viagra”.
O que o senhor acha do argumento de que o Brasil não precisa se submeter às restrições de emissões porque os países desenvolvidos poluíram mais?
Minha posição é de que o Brasil devia ter metas de redução. Mas, entre a minha posição e a oficial, do Itamaraty, tem uma intermediária que estamos levando adiante. Não vou achar que sou um rapaz mimado, que vou impor a todos os setores do governo a minha posição em todos os casos. Não é assim no movimento ambientalista, não é no Parlamento, e muito menos em um governo que contém tantas forças heterogêneas.
Com a Copa de 2014 é prevista uma profusão de grandes obras com data para entrega. Isso pode aumentar a pressão sobre os órgãos licenciadores? Com certeza. Como lidar com isso? Contratando mais gente. O PAC já é um desafio brutal, a Copa é outro. Queremos Copa? Então façam bons projetos, equipem os órgãos ambientais, mais concurso, bons salários.
A Copa é oportunidade para o Brasil afirmar-se como destaque ambiental?
Deverá ser realmente um bom momento. A consciência ambiental às vezes dá saltos e estamos em um desses momentos. Há 25 anos éramos chamados de profetas do Apocalipse, os exóticos, os alucinados, os doidos. Não existia Ministério do Meio Ambiente, secretarias, as empresas não tinham diretoria de meio ambiente. Agora todos os países começam a discutir muito seriamente. Nossa guerra é contra o modelo predatório que empobrece o povo e degrada o ecossistema. E podemos até 2014 estar em uma posição menos defensiva e mais protagonista.
Por Amália Safatle e Carolina Derivi
Na assessoria de comunicação do Ministério do Meio Ambiente, a fila não pára. Em meio ao assédio da imprensa, Carlos Minc Baumfeld, 57 anos, mostra-se um ativo comunicador e formulador de frases de efeito, o que até lhe rendeu o apelido de Carlos Mídia. E deverá usar da força da comunicação para tirar a pasta do isolamento. O “ecoansioso” ministro, como se intitula, aposta na experiência de negociador acumulada no Parlamento para trocar “nãos” por “sins” e avançar na agenda socioambiental, em um governo predominantemente desenvolvimentista. Mas sem barganha, no sentido pejorativo da palavra – garante.
Líder estudantil exilado, economista de formação, fundador do Partido Verde e deputado estadual por 20 anos, Minc tem a princípio apenas dois anos para pôr em prática tudo o que anuncia. E ainda se equilibrar entre o movimento ambientalista, com o compromisso de não abandonar a agenda de Marina Silva, e os interesses dos setores econômicos e de demais ministros. Como nunca, colocará à prova sua capacidade de interlocução.
Quanto é possível avançar em uma agenda socioambiental dentro de um governo reconhecidamente desenvolvimentista?
O governo não é só desenvolvimentista. Foi o governo que mais homologou terras indígenas e fez reservas na Amazônia. Qualquer país que se desenvolve tem tensões entre desenvolvimento e preservação. Elas se refletem na sociedade, no Parlamento e nos governos. A ministra Marina Silva, minha amiga e companheira há mais de 25 anos – quando a conheci, era uma menina, no Acre, com Chico Mendes, que também esteve na minha casa, sou dessa turma -, conseguiu fazer muita coisa boa em cinco anos. E também teve derrotas. No fim, o ministério estava realmente isolado. Inclusive a Marina se sacrificou, de alguma forma, para o meio ambiente ter mais força. Eu não pedi para ser ministro. Não queria ser ministro. Coloquei dez condições para aceitar e algumas pessoas disseram que era arrogância. Como uma pessoa convidada, em vez de dizer “quanta honra”, estabelece condições? Arrogância era achar que faria a agenda avançar sem ter condições. Era o mínimo necessário.
Quais foram as condições? O que é o mínimo necessário?
O Meio Ambiente voltar a ter recursos, os quais tem garantidos por lei e foram contingenciados. Recursos como 10% dos lucros das atividades de petróleo, o que seriam R$ 180 milhões por ano. Recursos também previstos em lei sobre o uso da água pelo setor elétrico. Isso gera superávit fiscal e minha tese é de que tem de virar superávit ambiental. Outro ponto é que o meio ambiente acabou alijado de políticas como a de saneamento. Como não vai influir na política responsável pela poluição nos rios, mares, lagoas? Isso também foi garantido. Vai haver um plano nacional para passar o nível de coleta e tratamento de esgoto dos atuais 35% para 70% em dez anos, com investimentos de bilhões por ano. O Meio Ambiente saiu da política industrial, da política tecnológica. E isso é inacreditável, porque a questão da tecnologia limpa não é indiferente ao que vai acontecer com os ecossistemas, com o pulmão das pessoas, com a ecologia humana. Então, o MMA vai participar dessa agenda formalmente. Já existe uma pauta com o presidente do BNDES para uma política de estímulo especial para a tecnologia limpa. Um dos pontos também reivindicados é voltar para a coordenação do PAS (Plano Amazônia Sustentável).
Outra coisa importante é a resolução do Banco Central que corta o crédito para quem está irregular do ponto de vista fundiário e ambiental. É uma forma de tentar segurar o desmatamento, agora que os índices voltaram a subir. E aí pedi garantias de que a resolução seria mantida. Houve pressão grande de um governador (Blairo Maggi), que mobilizou outros, mas nós contatamos, um por um, os governadores da Amazônia. Obtivemos ganhos para eles. Por exemplo, preços mínimos para produtos extrativistas e o aumento de R$ 60 milhões para R$ 130 milhões dos recursos para estruturar e modernizar a atividade extrativista, mais outros para regularização fundiária, e terminar até o ano que vem o Zoneamento Econômico-Ecológico. Resultado: nenhum dos oito governadores, além daquele que propôs a derrubada dessa medida, assinou a proposta. A medida está mantida, aliás, entra em vigor daqui a duas semanas (equivalente a início de julho). Outra condição foi uma posição clara do presidente em relação ao projeto da Frente Ruralista, que diminui a reserva legal da Amazônia de 80% para 50%. O presidente Lula garantiu que essa posição não seria só do ministério, mas do governo, e eu comuniquei isso aos líderes na Câmara e no Senado. Com base nessas garantias, começamos o trabalho. Em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente assinou três reservas há um ano e meio encalacradas, e que representam duas vezes e meia a área desmatada no ano passado. Não estou inebriado por isso, as questões são duríssimas. Há passivos ambientais em todas as áreas. Esses recursos estão garantidos, mas tem que correr atrás.
E a questão da transversalidade, da qual Marina Silva falava tanto, e que é importante para se conseguir fazer tudo isso?
Pois é, a Marina e todos nós defendemos a transversalidade. Mas esse discurso não estava acontecendo. O Meio Ambiente ficou fora da política de saneamento. Voltou agora. Ficou fora da política científica e industrial. Voltou agora. Ficou fora do grupo executivo do PAS. Voltou agora. E, mesmo na agenda do licenciamento ambiental, não tinha uma interlocução boa com outros ministérios, digamos, mais da área econômica, como Minas e Energia, com a ANP (Agência Nacional do Petróleo) ou com a Agricultura.
É tirar o Meio Ambiente de um certo isolamento, também pela questão do licenciamento ambiental. No Rio, destravamos o licenciamento aumentando o rigor. Não há contradição nisso. Você pode demorar três anos para dar uma licença frouxa, e pode dar em seis meses o maior licenciamento ambiental da América Latina, que foi o do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) em Itaboraí, da Petrobras. Um licenciamento de R$ 18 bilhões e a licença mais rigorosa já dada no País. Como conseguimos isso? Diminuindo etapas inúteis, encurtando prazos, trabalhando de forma seqüencial, informatizando, fazendo grupos de acompanhamento quinzenal das grandes licenças com checklist. Por exemplo: na Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente), para chegar na mão do primeiro analista ambiental, o processo passava por 15 funcionários. Nós tiramos 14. Não interessa ficar meses descobrindo se tem alvará, fotocópia, conta de luz. Tem de ir no point. Com isso, passamos a licença de três anos para oito, seis meses. Aumentamos o rigor e acho que essa foi a principal razão pela qualo presidente Lula nos chamou para o ministério.
Mas isso valeria para a Amazônia, onde há um cenário muito mais complexo? Muitas vezes não é bom que o processo demore, para que haja tempo de a sociedade refletir, discutir sobre as mudanças causadas pelos empreendimentos?
Não vejo dessa forma, pelo seguinte: para as licenças que demos com alguma rapidez, houve seis meses de discussão com a universidade e com os ambientalistas, para fazer a instrução técnica, que são as perguntas que o estudo ambiental deve responder. A Petrobras ficou nervosa quando criamos uma audiência para fazer a instrução técnica. Normalmente, lá na frente descobre-se que as boas perguntas não foram feitas. Então, você perde três semanas e faz todas as perguntas boas. Depois, fizemos cinco audiências públicas com participação média de 2 mil, 3 mil pessoas, dos municípios no entorno. Demos 2 mil licenças em um ano e quatro meses, de alta qualidade, votadas pela sociedade civil.
O principal motivo da saída da Marina foi a demora em licenciamentos?
Foram vários os motivos. Ela caiu mais pelos acertos do que pelos erros. Participei de uma reunião do conselho de ministros de Biossegurança e fui derrotado por 7 votos a 3 quanto ao recurso da Anvisa sobre o milho transgênico. No entanto, foram aprovadas na mesma reunião duas coisas importantes: uma recomendação unânime ao CTNbio de que não se baseie, no futuro, exclusivamente em estudos apresentados pelo proponente do organismo geneticamente modificado, mas que faça estudos independentes.
E que esses estudos não sejam baseados no que acontece em outros países, mas nos nossos biomas. Quer dizer, a gente teve uma derrota e também uma vitória. Temos uma posição muito propositiva junto ao setor empresarial. Assinamos a moratória com o setor da soja. Durante um ano não vão comprar soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia. Já havia a moratória, mas o governo não participava. Eles estavam desistindo de renovar a moratória. Alegavam que não podiam ser “mais realistas que o rei”. Como há o direito legal de desmatar 20%, a moratória vai além da lei brasileira. A gente colocou a questão do Zoneamento Econômico-Ecológico, o governo entrando para garantir o cadastramento das propriedades e a regularização fundiária, e eles toparam mais um ano, desta vez com intervenção do governo. Vamos fazer o mesmo em dois outros setores: frigoríficos e madeira. Vão ter de informar todos os fornecedores. E vão ser co-responsáveis pelos crimes ambientais cometidos pelos fornecedores, como a pessoa que compra um carro roubado. Vira receptador, dá prisão. Esses dois setores são poderosíssimos na Amazônia e no Brasil, e precisam do carimbo para exportar. Não vão ter o carimbo, porque suas cadeias estão fora da lei. É muito melhor do que colocar um fiscal atrás de cada um. E vamos conseguir recursos adicionais no BNDES para modernização e legalização das cadeias produtivas. A legalidade será incentivada, respeitada, acreditada. A ilegalidade será fechada, embargada, punida com cana dura, como diz a Lei de Crimes Ambientais.
O quanto ministérios “fortes”, como o da Agricultura, o de Minas e Energia, têm noção da importância de o Brasil ser uma potência ambiental e valorizam essa vantagem comparativa?
Não tenho a pretensão de mudar a cabeça dos outros ministros. É um governo plural, tem várias forças políticas representadas e vai continuar assim. Tenho de afirmar a nossa área, tirá-la do isolamento, ir para o propositivo. Licenças precisam ser técnicas, não políticas. O que for “não” é “não”. Mas é “não” rapidamente. E tem mais: não me envergonharei de dar licenças ambientais bem dadas. Porque o papel da área ambiental não é ser breque da roda em relação ao licenciamento ambiental. O que for bem dado, eu direi: dei uma ótima licença ambiental. Vai ter desenvolvimento, com criação de emprego e pouco impacto na população, no rio e na floresta. Já falei para os outros ministros: cada licença, um parque. Cada licença, mais recursos para saneamento e para lixo. Dois pra lá, dois pra cá.
Existe insegurança jurídica no que diz respeito à distribuição da competência para o licenciamento ambiental nas três esferas de governo…
Artigo 23… (da Constituição Fderal, segundo o qual a preservação ambiental é de responsabilidade da União, estados e municípios, mas não distribui as tarefas).
Uma interpretação leva em conta a extensão do impacto, outra, o domínio territorial. E isso está ligado à alta judicialização dos licenciamentos no Brasil. O senhor pretende resolver isso também?
Vamos resolver isso em menos de dois meses. O Conama estava um pouco fora, porque passa dias votando moções. Não é concebível que o órgão máximo que formula a política ambiental do País e se reúne uma vez a cada três meses fique dias discutindo moções, cujo efeito prático é zero. É a desqualificação do órgão. Nós vamos chamar os representantes dos estados, os representantes das prefeituras, os da sociedade civil. O Conama vai voltar a legislar sobre política ambiental.
Qual critério deveria prevalecer?
Deve ser pelo impacto, pelo tamanho do empreendimento. Não tem sentido ser por região. Exemplo: praia é da União. Então, na praia o Ibama licencia? Isso é loucura, o Ibama tem que licenciar siderúrgica, hidrelétrica. Não vai licenciar um quiosque porque está na praia.
O senhor acha que falta à iniciativa privada uma cultura de planejamento que integre as questões ambientais ao longo de todo o processo e não só no final?
Sim. Muitas vezes, o problema está no órgão ambiental. Mas muitas vezes a empresa não investe nisso e faz um estudo ambiental vagabundo. Por que a gente conseguiu no Comperj fazer uma licença de boa qualidade em tão pouco tempo? Quando o EIA/Rima chegou, não era um ET. A gente já tinha analisado e corrigido por seis meses, por isso pôde dar a licença em outros seis. Agora, uma empresa que não invista na questão ambiental, que não contrate pessoas que valorizem a área, e façam uma EIA/Rima precário, não tem como licenciar. É vagabundo? Minha orientação é não dar a entrada, volta pra trás.
Em princípio, o senhor tem mais dois anos de Ministério.Vai dar tempo para fazer tudo o que propõe? Não precisa selecionar as prioridades?
Toda hora você tem que selecionar prioridades. Toda hora cai a agenda. Tudo o que eu disse são procedimentos que vamos tomar rapidamente. Para destravar o Ibama, já anunciamos data. É 5 de julho. Vamos apresentar uma série de medidas administrativas que reduzirão para metade o tempo de tramitação das licenças. Abrir a câmara de compensação para universidades, ONGs e a iniciativa privada, é um mês. Oficiar as empresas da Amazônia que têm que informar toda a cadeia produtiva, isso foi ontem (18 de junho). Mandar para o Congresso a Lei de Mudanças Climáticas, também já foi. Mudar a posição defensiva do Itamaraty em relação a biodiesel e etanol, foi no dia seguinte em que eu tomei posse. A moratória da soja foi assinada, e mês que vem espero assinar a dos frigoríficos e da madeira.
Em dois anos dá para fazer bastante coisa?
Imagino que sim. Não tudo o que o Brasil precisa na área ambiental, mas continuar a agenda da Marina. Tenho um compromisso político de não abandonar um só dos programas. Não perdi um milímetro da relação com movimento social, movimento ambientalista, área parlamentar… Mas aumentei muito a interlocução com governadores, com outros ministérios e o setor econômico. O centro de tudo é a questão do licenciamento, a questão do zoneamento, e é, acima de tudo, diminuir atritos sem eliminar as contradições entre a proteção da vida, dos rios, dos ecossistemas, e a necessidade de desenvolvimento para o País para combater a miséria, a exclusão, a fome.
Isso é muito amplo. Como estabelecer prioridades, identificar o que é urgente?
Governar é estabelecer prioridades. Em relação ao licenciamento, tenho uma agenda com a Petrobras para ver, de 500 licenciamentos, quais são prioridade. Farei o mesmo com a Vale, com o (Edison) Lobão. Aquilo que não tiver como licenciar, a gente lima logo.
O senhor é favorável ao licenciamento de Belo Monte?
As questões de Belo Monte basicamente estão equacionadas do ponto de vista ambiental, assim como Santo Antônio. O que falta para Belo Monte são as questões indígenas de garantias, compensação e negociação. Não há problemas insolúveis em Belo Monte. Ao contrário.
Então, a prioridade agora é a o licenciamento para esses projetos?
Não. Isso é a agenda do licenciamento. Tem outras agendas. Antes de 5 de junho, eu disse ao presidente Lula: “Presidente, eu estou chegando agora, a Marina é um ícone nacional e internacional, não é nada fácil nem cômodo, ainda por cima, para um amigo e companheiro dela de 25 anos, entrar na hora em que ela joga a toalha, porque não estava conseguindo fazer o que queria. Quero saber o que vou dizer no dia 5 de junho, quando eu faço uma semana de governo.” Levei para a mesa seis unidades de conversação e consegui três. Levei cinco decretos e consegui dois, e os outros vão ser assinados no dia 10 de julho, por exemplo, um decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais, que vai ser uma revolução. Hoje em dia 5% ou 10% das multas são pagas. As pessoas conseguem embromar por quatro anos. Vai acabar essa moleza. Vai passar para três ou quatro meses. Fizemos leilões de grãos e madeira pela primeira vez. Brincaram quando eu falei do “boi pirata”, mas 3.500 bois piratas apreendidos serão leiloados. Vão virar churrasquinho para o Fome Zero.
Recentemente foi publicado um relatório de auditoria do TCU sobre órgãos federais que atuam na Amazônia.
Está tudo insuficiente, não tem gente, não tem recursos, não tem integração uns com os outros. Tudo verdade.
Para o Ibama, a auditoria constatou a baixa eficiência da fiscalização e a baixa arrecadação de multas. Para o Instituto Chico Mendes, a baixa implementação de planos de manejo, a sobreposição de unidades de conservação com terras indígenas e assentamentos, além da falta de regularização fundiária. O senhor tem propostas para esses pontos?
Para todos eles. Todas encaminhadas. No Rio de Janeiro, o Sérgio Cabral criou um decreto chamado guarda-parque. São bombeiros que vão ficar dentro das unidades de conservação. Estamos em processo de negociação com Tarso Genro, da Justiça, que vai concluir-se em mais 15 dias. Mais do que isso é uma eternidade, e eu sou “ecoansioso”. Vai ter um decreto nacional de guarda-parques.
Vamos colocar recursos para os bombeiros estaduais e para os batalhões florestais estaduais – dinheiro dos ministérios do Meio Ambiente e da Justiça, para comprar helicóptero, carros etc. Em contrapartida, cada estado vai dar 20, 30 bombeiros para unidades do Chico Mendes. Vamos dar cursos especiais para os membros do batalhão florestal, eles vão ter também um complemento de R$ 300, R$ 400. A contrapartida é colocarem de 80 a 120 homens em cada estado, em ações preventivas junto com o Ibama. Reprogramamos a Operação Arco de Fogo, vamos antecipar algumas etapas, porque o desmatamento está crescendo e os próximos meses historicamente são horríveis.
O Exército vai entrar nisso?
Essa apreensão do gado já contou com aviões e caminhões do Exército. A gente quer que o Exército entre mais. Mas tem coisas que dependem de três assuntos. Um é uma mexida constitucional, incluindo um tema caro às Forças Armadas, que é o conceito de soberania ambiental. Outro é dar mais recursos. E o terceiro é circunscrever que isso será feito por alguns batalhões e regimentos e não pela totalidade do Exército. Converso direto com o ministro (Nelson) Jobim sobre isso.
Qual foi o motivo da visita do governador Blairo Maggi hoje ao senhor?
Tenho recebido, a pedidos, os governadores da Amazônia. Recebi ontem o governador de Roraima (José de Anchieta Junior) e anteontem o de Rondônia (Ivo Cassol). E tenho falado diariamente com todos por telefone. Jantei na casa do ministro Mangabeira Unger. O fato de haver posições diferentes, em relação a vários pontos, não significa que você não vai dialogar. Eu me habituei ao diálogo. Aprovei 130 leis. Sou o deputado que mais aprovou leis na história do Parlamento do Rio de Janeiro. Nenhuma era nome de rua, semana da mulata, semana da velha-guarda. Eram leis sobre saneamento, educação ambiental, política de resíduos sólidos, leicontra a discriminação dos gays, ICMS cultural. Mas nenhuma foi aprovada da forma que propus. Todas foram negociadas, a maioria teve audiência pública. Aprendi que tem que negociar com pessoas que pensam diferente de você.
E qual tem sido a negociação?
Um exemplo prático. Eu queria essas reservas no dia 5. O ministro Lobão disse que em uma delas poderia ter aproveitamento hidrelétrico de 200 MW, na outra, de 150 MW. Falei que estava pensando em antecipar a licença de Santo Antônio, que são 4.000 MW, mas que precisava dessas reservas para esta semana. Então a gente tem duas contas a fazer. Ou um “não, não”, ou um “sim, sim”. É pegar ou largar. Ele pegou. Vai ter Santo Antônio antes do prazo e eu tive as duas unidades que estavam bloqueadas há um ano e meio no dia que eu queria. Transformei dois “não” em dois “sim”. Isso eu faço todo dia e várias vezes por dia. É minha especialidade.
Mas aí vira um toma-lá-dá-cá?
Não! O projeto de Santo Antônio pôde ser licenciado porque já foi resolvido tecnicamente lá atrás. A tecnologia de geradores bulbo reduz em mais de 80% a área alagada. Isso foi resolvido ao longo de dois anos, com toda a discussão dos bagres, todo mundo acompanhou o desgaste. Foi um trabalho maravilhoso da Marina, que ela acabou não capitalizando para se fortalecer. Graças à equipe dela, pôde-se fazer um licenciamento seguro, importante para o País não ter um apagão e com um impacto perfeitamente suportável, minimizado em mais de 80%. Barganha seria vender a alma ao diabo, ou seja, dar uma licença que não deveria ser dada naquelas condições. Isso nunca farei. Ganhei um prêmio global da ONU do Meio Ambiente, tenho uma história, participei de seis eleições, nunca perdi, nunca um inimigo meu levantou um pingo moral ou ético em 20 anos de Parlamento, agora vou vender a alma ao diabo por causa de uma hidrelétrica? Me inclua fora dessa.
O Brasil será um dos principais beneficiários de um provável mecanismo para compensar o desmatamento evitado. Qual é a sua posição em relação aos mecanismos de mercado e à criação de fundo com doações de países desenvolvidos? Sou a favor do fundo e sou a favor dos mecanismos de mercado. Um dos pontos que levei ao presidente no dia 5 foi o Fundo Amazônia, para o qual já conseguimos uma doação da Noruega de US$ 100 milhões por ano, durante cinco anos. Combinamos com a embaixadora da Noruega o dia em que virá aqui o primeiro-ministro, em setembro, fazer o primeiro cheque. O Lula resistiu, por causa da soberania.
Acha que todo mundo vai meter o dedo, que vai dar R$ 10 milhões e dizer o que faz e o que não faz da Amazônia. Expliquei para o presidente Lula que esse fundo era muito mais soberano que o PPG7 (Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais no Brasil), porque o órgão executor era multilateral. Neste Fundo Amazônia, que vamos criar em um mês, o país doador não tem assento no conselho e o órgão executor é o BNDES.
O presidente Lula entendeu?
Entendeu, e assinou também um grupo de trabalho que se reúne toda semana, do qual o BNDES faz parte. Se tudo correr bem, em 8 ou 9 de julho sai o fundo. A Alemanha vai entrar, a Suíça vai entrar, empresas privadas brasileiras vão entrar. Não pode ter dinheiro público, só de outros países ou dinheiro privado do Brasil e do exterior. A única garantia que eles têm, e vão ter isso demonstrado, é que isso serve para reconstituir as áreas degradadas ou manter a floresta em pé, o que levou ao apelido de “Fundo Viagra”.
O que o senhor acha do argumento de que o Brasil não precisa se submeter às restrições de emissões porque os países desenvolvidos poluíram mais?
Minha posição é de que o Brasil devia ter metas de redução. Mas, entre a minha posição e a oficial, do Itamaraty, tem uma intermediária que estamos levando adiante. Não vou achar que sou um rapaz mimado, que vou impor a todos os setores do governo a minha posição em todos os casos. Não é assim no movimento ambientalista, não é no Parlamento, e muito menos em um governo que contém tantas forças heterogêneas.
Com a Copa de 2014 é prevista uma profusão de grandes obras com data para entrega. Isso pode aumentar a pressão sobre os órgãos licenciadores? Com certeza. Como lidar com isso? Contratando mais gente. O PAC já é um desafio brutal, a Copa é outro. Queremos Copa? Então façam bons projetos, equipem os órgãos ambientais, mais concurso, bons salários.
A Copa é oportunidade para o Brasil afirmar-se como destaque ambiental?
Deverá ser realmente um bom momento. A consciência ambiental às vezes dá saltos e estamos em um desses momentos. Há 25 anos éramos chamados de profetas do Apocalipse, os exóticos, os alucinados, os doidos. Não existia Ministério do Meio Ambiente, secretarias, as empresas não tinham diretoria de meio ambiente. Agora todos os países começam a discutir muito seriamente. Nossa guerra é contra o modelo predatório que empobrece o povo e degrada o ecossistema. E podemos até 2014 estar em uma posição menos defensiva e mais protagonista.
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