Por Amália Safatle
São Paulo inova ao propor uma política para combate à mudança climática e deve liderar pequenas e médias cidades em direção divergente da posição federal, acredita secretário
A capital dos problemas será também a da solução, afirma Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, titular da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), de São Paulo, médico sanitarista, filiado ao Partido Verde. “Cidade-líder para o bem e para o mal”, a metrópole, em suas palavras, é a mais bem preparada no Brasil para inovar as formas de organização, produção e consumo da sociedade no combate ao aquecimento global. Formulado pela secretaria em conjunto com a ONG Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, o projeto de lei que instrui a Política de Mudança do Clima foi discutido durante um ano com o público por meio de consultas e audiências, e em mais seis meses na prefeitura. Acaba de chegar à Câmara dos Vereadores e propõe alterações significativas nas áreas de transporte, energia, construção, gestão de resíduos, compras públicas, entre outras. “Agora é que o jogo começa”, diz.
Quais as chances de o projeto de lei da Política de Mudança do Clima ter boa receptividade na Câmara em um período pré-eleitoral? O quanto esse cenário pode atrapalhar?
Ele só ajuda. A Câmara deve ter a sensibilidade de que vai atrair as atenções ao discutir um projeto dessa importância, com essa discussão tão grande para a melhoria das condições de vida na cidade e o combate ao aquecimento global. Isso traz justa visibilidade para a Câmara e a coloca no coração da decisão. Por outro lado, muitos vereadores já têm ideias e propostas em andamento em relação ao aquecimento global, voltadas para o transporte, a arborização, entre outras. Nosso projeto do Executivo pode confluir com esse conjunto de ideias dos vereadores, e gerar um substitutivo mais amplo. Desde que o prefeito mandou o projeto, não paro de receber sugestões.
Esse ganho de visibilidade deve acontecer perante quem?
A opinião pública, os estados, o governo federal. Os Parlamentos e os executivos federais, estaduais e municipais estão devendo muito em relação a essa questão do clima no Brasil. Por isso, a iniciativa de São Paulo deve ter uma repercussão nacional.
A política traça estratégias de mitigação e adaptação em diversas áreas – transporte, energia, uso do solo, construção, gerenciamento de resíduos. Por que a discussão veiculada na grande imprensa em São Paulo restringiu-se à questão do pedágio urbano?
Porque jornal é assim. Com o tempo, o conjunto do projeto começa aos poucos a ser analisado. O editorial do Estadão alguns dias depois já foi mais bem preparado, estudado, com outra conotação. Há um primeiro momento em que uma questão muito Polêmica como essa ocupa todo o espaço dos jornais, depois o conjunto da proposta começa a ser digerido. A questão do pedágio é um inciso no meio de centenas de incisos e artigos. A posição da SVMA, e a minha, pessoal, é que o pedágio é necessário, pela questão do trânsito e pelo uso racional da energia para combate ao aquecimento global. Mas a posição do prefeito (Gilberto Kassab) é contrária, e quem comanda o governo é o prefeito. Ele já tinha pedido a sua assessoria que esse item não constasse. O que houve aí foi uma falha da assessoria jurídica, que encaminhou o projeto, e teve de corrigir no dia seguinte (retirou o inciso). Infelizmente houve esse acidente de percurso. Mas a grandeza e o ineditismo do projeto é o que vai ficar depois disso.
O que o senhor destacaria no projeto?
Primeiro, a questão das metas. O governo federal insiste na tese de não assumir metas para redução de emissões sob pretextos falsamente nacionalistas, o que só serve de álibi para a ditadura da China e o governo de Bush, que não querem adotá-las. A posição da cidade de São Paulo diverge da do governo nacional e diz: “Nós vamos assumir metas, sim”. São de 30% de redução de emissões até 2012 (em relação a 2005). É uma posição política, com repercussão nacional, e acho que até internacional.
Houve algum comentário por parte do governo nacional quanto ao anúncio dessa meta?
Ainda não. Mas haverá. E afirmo que dá para cumprir essa meta. Tanto que em 2008 já reduzimos as emissões em São Paulo em 20% (como uso energético do metano gerado nos aterros). Agora, tem uma proposta no projeto que considero das mais importantes e de repercussão mais imediata: substituir, a cada dez anos, a partir deste ano, 10% do petróleo usado na frota municipal de transporte público, até completar a substituição completa, por fontes como o etanol ou a elétrica.
Ao fazer isso, influenciaremos a produção de ônibus no Brasil inteiro, pois, como nossa frota é a maior, revendida depois para outros municípios, vamos mudar a produção em São Paulo e fora de São Paulo. E, na questão da eficiência energética, haverá estímulos para que a construção civil, nas obras públicas e privadas, comece a incorporar critérios de sustentabilidade, com abatimento do que se paga à prefeitura em impostos se for usada energia solar, se for feita reciclagem do lixo. Mas não há só estímulos, como também obrigações, e aí uma coisa completamente nova no Brasil será exigir um licenciamento das emissões de gás de efeito estufa, que se faça um inventário do empreendimento e compense o que for gerado. Também estamos exigindo que a área permeável da obra seja igual à área impermeabilizada. Hoje a lei exige apenas 15%. E quem não conseguir terá de compensar em outra área da cidade.
E a prefeitura vai conseguir fiscalizar?
Claro que sim. O licenciamento em São Paulo é muito rigoroso, pergunte aos construtores e à própria prefeitura. Outra exigência para o licenciamento da obra será o equacionamento completo do lixo gerado no local. Não se trata de aderir ou não à coleta seletiva, será condição para que haja licenciamento. Ainda na área de construção, destaco no projeto o conceito da cidade compacta: trazer a população de volta para o Centro e o Centro Expandido, onde, embora haja boa infraestrutura instalada, a população diminui de 2% ou 3% ao ano. E, com isso, parar de crescer em Parelheiros, na Cantareira, na Zona Leste.
Como fazer isso? Pois essa é uma ideia que existe faz tempo, mas não entra em prática.
É preciso replanejar e investir em habitações populares e de classe média no Centro, para reocupá-lo, e ao mesmo tempo apertar o licenciamento para loteamentos mais distantes e impedir a invasão, o que já estamos fazendo.
Destaco também, no projeto, a adoção das compras sustentáveis na licitação da prefeitura. Mas ainda há uma resistência jurídica grande, conservadora, contra dar prioridade aos critérios da sustentabilidade nas compras. Outro destaque: São Paulo é a primeira cidade a adotar a inspeção veicular, mas estamos incluindo no projeto também as motos, que são as maiores poluidoras. E o projeto fala explicitamente da obrigação da Petrobras de entregar um diesel mais limpo imediatamente, para evitar esses acordos que têm sido feitos para adiar a entrega. Não vamos aceitar que Petrobras, Anfavea e Agência Nacional do Petróleo empurrem isso com a barriga para ganhar mais dinheiro às custas da saúde do povo. Outro ponto inovador da política é criar pagamentos por serviços ambientais, que são estímulos financeiros para que o proprietário possa criar reservas particulares do patrimônio natural (RPPN) e defender a preservação da água e do verde.
O mecanismo de pagamento seria por meio de isenção fiscal?
Isenções fiscais e estímulos, como prioridade de tramitação para projetos de licenciamento apresentados por quem criou RPPN ou tem serviços ambientais a oferecer à cidade.
Como um todo, esse é um projeto que vai exigir mudanças de comportamento da população e a quebra de certos paradigmas, não?
Mas tem uma coisa preliminar nisso: não é que o prefeito tenha mandado esse projeto sem ter feito nada nos anos em que governou. Claro que a lei as consolida e as torna perenes para outros governos e para o conjunto da sociedade. Mas, desde 2005, a cidade de São Paulo pratica várias dessas ideias. Por exemplo: São Paulo é uma das três únicas instâncias de governo no Brasil que têm um inventário de acordo com o padrão do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), e, antes de pôr qualquer ação em prática, é fundamental que se tenha um bom diagnóstico.
Os outros dois inventários são do governo federal, de 1994, totalmente desatualizado e, portanto, sem valor, e o do Rio de Janeiro, de 1998. Com esse inventário, concluído em 2005, o governo começou a divulgar na cidade, também como forma de educação ambiental, o quanto produzimos em emissões – 15 milhões e 700 mil toneladas de carbono equivalente – e como produzimos – cerca de 25% pelo lixo e 75% por uso de energia, dos quais 90% oriundos do petróleo e companhia limitada. Isso, portanto, indica de que forma o município deve agir, coisa que os outros municípios e empresas também têm de ter. E já começamos a agir. São Paulo tem dois aterros sanitários, Perus e São Mateus, que produzem muito metano, porque produzimos muito lixo: 15 mil toneladas por dia. Então, a prefeitura instalou duas usinas de captação de metano, que transformam o gás em energia elétrica, que é jogada na rede e corresponde ao consumo de uma cidade de 600 mil habitantes. Com isso, São Paulo, em 2008, neutralizou 20% do gás de efeito estufa produzido – não digo 25%, porque tem outros aterros antigos que a gente vai ter de equacionar.
Mas qual país sério pode dizer que em 2008 neutralizou 20% do gás? Nenhum. E ainda lideramos a campanha pelo diesel mais limpo e mais eficiente. Esse movimento cresceu, mas foi a SVMA que começou a campanha contra o enxofre, em 2005. A prefeitura está investindo em metrô, ciclovia, na recuperação das calçadas e na recuperação da rede de trólebus, que estava sendo sucateada. O trólebus, do ponto de vista do combate à poluição e à emissão de gases, é o campeão. Entretanto, em São Paulo, no governo anterior, e também em Santos, Recife, Araraquara, Ribeirão Preto, liquidaram-se frotas maravilhosas de trólebus por causa do lobby do ônibus a diesel. Outro exemplo: São Paulo foi a primeira cidade do Brasil a aprovar uma lei para obrigar prédios públicos e privados novos a usar 40% da água aquecida por meio da energia solar. Portanto, o prefeito tem um capital acumulado de trabalho que lhe dá autoridade para mandar um projeto como este para a Câmara e dialogar com os vereadores e a sociedade.
Com isso, o senhor acredita que não haverá muita resistência às mudanças propostas?
Não é questão de resistência, de ser contra ou a favor. Tanto o capitalismo como o socialismo nos séculos XIX e XX geraram essa crise socioambiental de hoje, da qual o aquecimento global é a crise-síntese. Mas não adianta ficar procurando culpados, porque essa era uma forma de viver, de produzir, de consumir, em que o meio ambiente não era levado em conta. O século XXI colhe essa crise e terá de superá-la. Mudar a forma de viver, de produzir, de conviver, não é fácil. É uma questão cultural, e não de resistência porque a pessoa não quer ajudar a humanidade. Mas porque toda a estrutura da sociedade foi montada desse jeito. Então tem de reorientar desde como a Dona Maria, operária, de Guaianazes, pode reduzir a produção de lixo na sua casa e orientar seus filhos até como o Dr. Antonio Ermírio de Moraes vai rearranjar a forma de produção de suas empresas. E, como estamos em uma democracia, tem de haver muita conversa e convencimento para as pessoas evoluírem na direção de uma mudança cultural desse porte. As resistências e as críticas são normais, mas vamos superar isso divulgando dados, com diálogo e com exemplo.
O cidadão em São Paulo, de forma geral, está preparado para acompanhar esse avanço ou terá de passar por uma mudança profunda de comportamento?
São Paulo é a cidade-líder para o bem e para o mal. Tem essa vocação de liderança, de mudança, de vanguarda. Por isso é a mais preparada no País para dar esse passo e ajudar as médias e pequenas cidades a vir nessa direção.
É sua responsabilidade com o Brasil e o mundo. Devido a esse trabalho de 2005 para cá, São Paulo já foi acolhida pela executiva mundial do Iclei, que é a mais importante associação de cidades interessadas no meio ambiente, e é a única da América do Sul que integra a executiva do C40, o conjunto de cidades lideradas por Londres e Nova York para enfrentar a questão climática.
Podemos dizer que o desafio climático é a grande oportunidade para fortalecer a temática ambiental e colocá-la de forma transversal em todas as questões urbanas, tirando o meio ambiente de um “gueto”?
Isso é uma questão de inteligência administrativa. Como a política pública ambiental é muito jovem, e suas estruturas de Estado são muito pequenas no Brasil – uma ministra fabulosa como a Marina era uma ministra de 0,4% do orçamento federal –, faz parte da tática política administrativa ambiental trabalhar de forma setorial. Aqui, na SVMA, o orçamento cresceu três vezes, mas a tática, mais que isso, é trabalhar de forma intersetorial, com as secretarias de Educação, Transporte, Saúde, de Obras. Plantar a bandeira do Meio Ambiente em programas e projetos de outras secretarias que têm estrutura e orçamento mais poderosos que o nosso. Mas é evidente que a questão do clima favorece a receptividade da nossa pregação intersetorial, pois é a crise socioambiental mais grave, só equiparada à da desigualdade extrema entre ricos e pobres e à da cultura da violência. Assim, discutir clima é a porta de entrada para facilitar o diálogo intersetorial não só dentro do governo, mas com toda a sociedade.
Porque eu dependo do prefeito e do vereador, mas lembre-se: dependo também da Dona Maria, de Guaianazes, e do Dr. Antonio Ermírio.
O senhor acredita que São Paulo algum dia poderá se tornar uma cidade sustentável?
É a que tem mais chances no Brasil. Como é o epicentro do problema, será o epicentro da solução. É o caso de Nova York, que é uma das cidades mais ecológicas dos EUA, porque é compacta, com transporte coletivo em quantidade e com qualidade – mais do que Los Angeles, que aparentemente é mais verde, arborizada, com jardins, mas é uma farra de uso de combustível.
E a energia é o núcleo da questão climática[:en]São Paulo inova ao propor uma política para combate à mudança climática e deve liderar pequenas e médias cidades em direção divergente da posição federal, acredita secretário
A capital dos problemas será também a da solução, afirma Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, titular da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), de São Paulo, médico sanitarista, filiado ao Partido Verde. “Cidade-líder para o bem e para o mal”, a metrópole, em suas palavras, é a mais bem preparada no Brasil para inovar as formas de organização, produção e consumo da sociedade no combate ao aquecimento global. Formulado pela secretaria em conjunto com a ONG Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, o projeto de lei que instrui a Política de Mudança do Clima foi discutido durante um ano com o público por meio de consultas e audiências, e em mais seis meses na prefeitura. Acaba de chegar à Câmara dos Vereadores e propõe alterações significativas nas áreas de transporte, energia, construção, gestão de resíduos, compras públicas, entre outras. “Agora é que o jogo começa”, diz.
Quais as chances de o projeto de lei da Política de Mudança do Clima ter boa receptividade na Câmara em um período pré-eleitoral? O quanto esse cenário pode atrapalhar?
Ele só ajuda. A Câmara deve ter a sensibilidade de que vai atrair as atenções ao discutir um projeto dessa importância, com essa discussão tão grande para a melhoria das condições de vida na cidade e o combate ao aquecimento global. Isso traz justa visibilidade para a Câmara e a coloca no coração da decisão. Por outro lado, muitos vereadores já têm ideias e propostas em andamento em relação ao aquecimento global, voltadas para o transporte, a arborização, entre outras. Nosso projeto do Executivo pode confluir com esse conjunto de ideias dos vereadores, e gerar um substitutivo mais amplo. Desde que o prefeito mandou o projeto, não paro de receber sugestões.
Esse ganho de visibilidade deve acontecer perante quem?
A opinião pública, os estados, o governo federal. Os Parlamentos e os executivos federais, estaduais e municipais estão devendo muito em relação a essa questão do clima no Brasil. Por isso, a iniciativa de São Paulo deve ter uma repercussão nacional.
A política traça estratégias de mitigação e adaptação em diversas áreas – transporte, energia, uso do solo, construção, gerenciamento de resíduos. Por que a discussão veiculada na grande imprensa em São Paulo restringiu-se à questão do pedágio urbano?
Porque jornal é assim. Com o tempo, o conjunto do projeto começa aos poucos a ser analisado. O editorial do Estadão alguns dias depois já foi mais bem preparado, estudado, com outra conotação. Há um primeiro momento em que uma questão muito Polêmica como essa ocupa todo o espaço dos jornais, depois o conjunto da proposta começa a ser digerido. A questão do pedágio é um inciso no meio de centenas de incisos e artigos. A posição da SVMA, e a minha, pessoal, é que o pedágio é necessário, pela questão do trânsito e pelo uso racional da energia para combate ao aquecimento global. Mas a posição do prefeito (Gilberto Kassab) é contrária, e quem comanda o governo é o prefeito. Ele já tinha pedido a sua assessoria que esse item não constasse. O que houve aí foi uma falha da assessoria jurídica, que encaminhou o projeto, e teve de corrigir no dia seguinte (retirou o inciso). Infelizmente houve esse acidente de percurso. Mas a grandeza e o ineditismo do projeto é o que vai ficar depois disso.
O que o senhor destacaria no projeto?
Primeiro, a questão das metas. O governo federal insiste na tese de não assumir metas para redução de emissões sob pretextos falsamente nacionalistas, o que só serve de álibi para a ditadura da China e o governo de Bush, que não querem adotá-las. A posição da cidade de São Paulo diverge da do governo nacional e diz: “Nós vamos assumir metas, sim”. São de 30% de redução de emissões até 2012 (em relação a 2005). É uma posição política, com repercussão nacional, e acho que até internacional.
Houve algum comentário por parte do governo nacional quanto ao anúncio dessa meta?
Ainda não. Mas haverá. E afirmo que dá para cumprir essa meta. Tanto que em 2008 já reduzimos as emissões em São Paulo em 20% (como uso energético do metano gerado nos aterros). Agora, tem uma proposta no projeto que considero das mais importantes e de repercussão mais imediata: substituir, a cada dez anos, a partir deste ano, 10% do petróleo usado na frota municipal de transporte público, até completar a substituição completa, por fontes como o etanol ou a elétrica.
Ao fazer isso, influenciaremos a produção de ônibus no Brasil inteiro, pois, como nossa frota é a maior, revendida depois para outros municípios, vamos mudar a produção em São Paulo e fora de São Paulo. E, na questão da eficiência energética, haverá estímulos para que a construção civil, nas obras públicas e privadas, comece a incorporar critérios de sustentabilidade, com abatimento do que se paga à prefeitura em impostos se for usada energia solar, se for feita reciclagem do lixo. Mas não há só estímulos, como também obrigações, e aí uma coisa completamente nova no Brasil será exigir um licenciamento das emissões de gás de efeito estufa, que se faça um inventário do empreendimento e compense o que for gerado. Também estamos exigindo que a área permeável da obra seja igual à área impermeabilizada. Hoje a lei exige apenas 15%. E quem não conseguir terá de compensar em outra área da cidade.
E a prefeitura vai conseguir fiscalizar?
Claro que sim. O licenciamento em São Paulo é muito rigoroso, pergunte aos construtores e à própria prefeitura. Outra exigência para o licenciamento da obra será o equacionamento completo do lixo gerado no local. Não se trata de aderir ou não à coleta seletiva, será condição para que haja licenciamento. Ainda na área de construção, destaco no projeto o conceito da cidade compacta: trazer a população de volta para o Centro e o Centro Expandido, onde, embora haja boa infraestrutura instalada, a população diminui de 2% ou 3% ao ano. E, com isso, parar de crescer em Parelheiros, na Cantareira, na Zona Leste.
Como fazer isso? Pois essa é uma ideia que existe faz tempo, mas não entra em prática.
É preciso replanejar e investir em habitações populares e de classe média no Centro, para reocupá-lo, e ao mesmo tempo apertar o licenciamento para loteamentos mais distantes e impedir a invasão, o que já estamos fazendo.
Destaco também, no projeto, a adoção das compras sustentáveis na licitação da prefeitura. Mas ainda há uma resistência jurídica grande, conservadora, contra dar prioridade aos critérios da sustentabilidade nas compras. Outro destaque: São Paulo é a primeira cidade a adotar a inspeção veicular, mas estamos incluindo no projeto também as motos, que são as maiores poluidoras. E o projeto fala explicitamente da obrigação da Petrobras de entregar um diesel mais limpo imediatamente, para evitar esses acordos que têm sido feitos para adiar a entrega. Não vamos aceitar que Petrobras, Anfavea e Agência Nacional do Petróleo empurrem isso com a barriga para ganhar mais dinheiro às custas da saúde do povo. Outro ponto inovador da política é criar pagamentos por serviços ambientais, que são estímulos financeiros para que o proprietário possa criar reservas particulares do patrimônio natural (RPPN) e defender a preservação da água e do verde.
O mecanismo de pagamento seria por meio de isenção fiscal?
Isenções fiscais e estímulos, como prioridade de tramitação para projetos de licenciamento apresentados por quem criou RPPN ou tem serviços ambientais a oferecer à cidade.
Como um todo, esse é um projeto que vai exigir mudanças de comportamento da população e a quebra de certos paradigmas, não?
Mas tem uma coisa preliminar nisso: não é que o prefeito tenha mandado esse projeto sem ter feito nada nos anos em que governou. Claro que a lei as consolida e as torna perenes para outros governos e para o conjunto da sociedade. Mas, desde 2005, a cidade de São Paulo pratica várias dessas ideias. Por exemplo: São Paulo é uma das três únicas instâncias de governo no Brasil que têm um inventário de acordo com o padrão do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), e, antes de pôr qualquer ação em prática, é fundamental que se tenha um bom diagnóstico.
Os outros dois inventários são do governo federal, de 1994, totalmente desatualizado e, portanto, sem valor, e o do Rio de Janeiro, de 1998. Com esse inventário, concluído em 2005, o governo começou a divulgar na cidade, também como forma de educação ambiental, o quanto produzimos em emissões – 15 milhões e 700 mil toneladas de carbono equivalente – e como produzimos – cerca de 25% pelo lixo e 75% por uso de energia, dos quais 90% oriundos do petróleo e companhia limitada. Isso, portanto, indica de que forma o município deve agir, coisa que os outros municípios e empresas também têm de ter. E já começamos a agir. São Paulo tem dois aterros sanitários, Perus e São Mateus, que produzem muito metano, porque produzimos muito lixo: 15 mil toneladas por dia. Então, a prefeitura instalou duas usinas de captação de metano, que transformam o gás em energia elétrica, que é jogada na rede e corresponde ao consumo de uma cidade de 600 mil habitantes. Com isso, São Paulo, em 2008, neutralizou 20% do gás de efeito estufa produzido – não digo 25%, porque tem outros aterros antigos que a gente vai ter de equacionar.
Mas qual país sério pode dizer que em 2008 neutralizou 20% do gás? Nenhum. E ainda lideramos a campanha pelo diesel mais limpo e mais eficiente. Esse movimento cresceu, mas foi a SVMA que começou a campanha contra o enxofre, em 2005. A prefeitura está investindo em metrô, ciclovia, na recuperação das calçadas e na recuperação da rede de trólebus, que estava sendo sucateada. O trólebus, do ponto de vista do combate à poluição e à emissão de gases, é o campeão. Entretanto, em São Paulo, no governo anterior, e também em Santos, Recife, Araraquara, Ribeirão Preto, liquidaram-se frotas maravilhosas de trólebus por causa do lobby do ônibus a diesel. Outro exemplo: São Paulo foi a primeira cidade do Brasil a aprovar uma lei para obrigar prédios públicos e privados novos a usar 40% da água aquecida por meio da energia solar. Portanto, o prefeito tem um capital acumulado de trabalho que lhe dá autoridade para mandar um projeto como este para a Câmara e dialogar com os vereadores e a sociedade.
Com isso, o senhor acredita que não haverá muita resistência às mudanças propostas?
Não é questão de resistência, de ser contra ou a favor. Tanto o capitalismo como o socialismo nos séculos XIX e XX geraram essa crise socioambiental de hoje, da qual o aquecimento global é a crise-síntese. Mas não adianta ficar procurando culpados, porque essa era uma forma de viver, de produzir, de consumir, em que o meio ambiente não era levado em conta. O século XXI colhe essa crise e terá de superá-la. Mudar a forma de viver, de produzir, de conviver, não é fácil. É uma questão cultural, e não de resistência porque a pessoa não quer ajudar a humanidade. Mas porque toda a estrutura da sociedade foi montada desse jeito. Então tem de reorientar desde como a Dona Maria, operária, de Guaianazes, pode reduzir a produção de lixo na sua casa e orientar seus filhos até como o Dr. Antonio Ermírio de Moraes vai rearranjar a forma de produção de suas empresas. E, como estamos em uma democracia, tem de haver muita conversa e convencimento para as pessoas evoluírem na direção de uma mudança cultural desse porte. As resistências e as críticas são normais, mas vamos superar isso divulgando dados, com diálogo e com exemplo.
O cidadão em São Paulo, de forma geral, está preparado para acompanhar esse avanço ou terá de passar por uma mudança profunda de comportamento?
São Paulo é a cidade-líder para o bem e para o mal. Tem essa vocação de liderança, de mudança, de vanguarda. Por isso é a mais preparada no País para dar esse passo e ajudar as médias e pequenas cidades a vir nessa direção.
É sua responsabilidade com o Brasil e o mundo. Devido a esse trabalho de 2005 para cá, São Paulo já foi acolhida pela executiva mundial do Iclei, que é a mais importante associação de cidades interessadas no meio ambiente, e é a única da América do Sul que integra a executiva do C40, o conjunto de cidades lideradas por Londres e Nova York para enfrentar a questão climática.
Podemos dizer que o desafio climático é a grande oportunidade para fortalecer a temática ambiental e colocá-la de forma transversal em todas as questões urbanas, tirando o meio ambiente de um “gueto”?
Isso é uma questão de inteligência administrativa. Como a política pública ambiental é muito jovem, e suas estruturas de Estado são muito pequenas no Brasil – uma ministra fabulosa como a Marina era uma ministra de 0,4% do orçamento federal –, faz parte da tática política administrativa ambiental trabalhar de forma setorial. Aqui, na SVMA, o orçamento cresceu três vezes, mas a tática, mais que isso, é trabalhar de forma intersetorial, com as secretarias de Educação, Transporte, Saúde, de Obras. Plantar a bandeira do Meio Ambiente em programas e projetos de outras secretarias que têm estrutura e orçamento mais poderosos que o nosso. Mas é evidente que a questão do clima favorece a receptividade da nossa pregação intersetorial, pois é a crise socioambiental mais grave, só equiparada à da desigualdade extrema entre ricos e pobres e à da cultura da violência. Assim, discutir clima é a porta de entrada para facilitar o diálogo intersetorial não só dentro do governo, mas com toda a sociedade.
Porque eu dependo do prefeito e do vereador, mas lembre-se: dependo também da Dona Maria, de Guaianazes, e do Dr. Antonio Ermírio.
O senhor acredita que São Paulo algum dia poderá se tornar uma cidade sustentável?
É a que tem mais chances no Brasil. Como é o epicentro do problema, será o epicentro da solução. É o caso de Nova York, que é uma das cidades mais ecológicas dos EUA, porque é compacta, com transporte coletivo em quantidade e com qualidade – mais do que Los Angeles, que aparentemente é mais verde, arborizada, com jardins, mas é uma farra de uso de combustível.
E a energia é o núcleo da questão climática