Por Amália Safatle
Em muitos casos, a crise financeira acelerou mudanças na direção da chamada economia do amanhã. Em tantos outros, freou-as. No balanço disso tudo, uma certeza: com crise ou sem ela, a nova realidade ambiental impõe a transformação econômica, e a questão agora é como aproveitar essa grande oportunidade.
Não vivemos somente um pico da produção de petróleo, mas de tudo: água, alimentos, restrições crescentes à emissão de carbono. Nesta avaliação global, feita à Página22, o diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, considera que o Brasil tem se movido lentamente. Mas uma das forças capazes de acelerar esse ritmo vem do setor privado. Lotado em Nairóbi, no Quênia, Steiner esteve no País a convite do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e também em consultas para a realização da conferência Rio+20, em 2012. Ele acredita que as companhias brasileiras começarão a se preocupar com o fato de que o País não tem criado as condições para transformar sua economia, pois sentirão no mercado internacional os prejuízos desse atraso. A outra força, vinda das políticas governamentais, é poderosíssima. Por meio de subsídios e incentivos aplicados no lugar certo, o amanhã pode chegar antes do que se imagina.
Quando assumiu a direção do Pnuma, o senhor fez um apelo para que as nações pusessem o meio ambiente no centro das políticas econômicas. A crise financeira e econômica foi um fator de mudança nesta direção? Que balanço faz desse movimento hoje?
Qual o efeito da crise econômica na agenda ambiental? Há duas dimensões. De um lado, permite a algumas pessoas defenderem que em momentos de crise não temos tempo ou recursos para nos preocupar com aquecimento global, desmatamento ou seca. De outro lado, vimos o oposto disso, e alguns pacotes de estímulo financeiro incluem grandes investimentos públicos em energia renovável, eficiência energética, transporte público e até restauração ecológica. Na Coreia do Sul, por exemplo, 1% do Produto Nacional Bruto foi destinado a um new Green deal. Nos EUA, no Japão e na Europa, há bilhões de dólares alocados em projetos que há dois anos estariam lutando para receber financiamento público. O que se tem deixado de lado nessa discussão, entretanto, é que estamos em um momento de transformação econômica movida pelas realidades ambientais. Não vivemos em um momento de pico apenas na produção de petróleo, estamos entrando em uma era em que tudo está atingindo o pico. Enfrentamos uma crise de água. Já há perspectiva de falta de alimentos. Estamos perdendo solos aráveis no mundo todo, assim como florestas e ecossistemas. Destruímos 50% das nossas áreas alagadas e pântanos nos últimos 100 anos. Significa que, com 9 bilhões de pessoas em 2050, temos que reinventar nossa economia. Podemos aumentar os padrões de vida, mas não com o modelo atual de consumo e produção. Por isso acho que a crise financeira se tornou a grande oportunidade para investir na economia de amanhã, uma economia mais eficiente em termos de recursos, menos poluidora, de baixa emissão de carbono e com novos modos de produção para energia, agricultura. É por isso que consideramos o Green New Deal parte da resposta à crise.
No Brasil, ouviu-se muito discurso nesse sentido, mas não se viram grandes mudanças com a crise.
É interessante, porque algumas economias em desenvolvimento, emergentes, como a China, têm se movimentado muito rápido. Acho que o Brasil, até certo ponto, já avaliava algumas das opções. Por exemplo, investiu significativamente na economia do etanol, no manejo da Floresta Amazônica. O que talvez surpreenda é que – dada a natureza da economia global, em que a mudança é muito rápida – o Brasil não tenha adotado uma abordagem mais explícita e deliberada de explorar quais são as oportunidades para seus setores de exportação, serviços ou manufatura nesta economia verde de amanhã. Ela é definitivamente uma realidade, caso contrário não estaríamos vendo os EUA e a China investindo um total de mais de US$ 150 bilhões em alguns desses setores e tecnologias. Espero que o ritmo aumente no Brasil, porque, no fim das contas, o setor empresarial vai começar a se preocupar com o fato de que o País não está criando as condições para transformar sua economia, o que faz com que as empresas sofram no mercado internacional.
Ou seja, o setor privado é que deve puxar a mudança?
Há um tipo de empreendedor que não gosta de distúrbios, portanto, opõe-se a mudanças, porque elas prejudicam um modelo de investimento que levou a decisões tomadas talvez há dez anos. Há também os empreendedores com novas ideias, novos produtos, novas tecnologias – que querem entrar no mercado, mas precisam que lhes seja dada uma oportunidade. E há ainda a influência das empresas multinacionais, que, em alguns casos, podem puxar a renovação. Para empresas globais de eletrônicos como a Philips ou a Siemens, os segmentos de tecnologia verde são os que mais crescem. Elas vão olhar para mercados como o Brasil em termos das oportunidades para trazer essas novas tecnologias para cá. Acho que o setor privado pode ser um freio para a inovação, mas também se tornar um motivo para inovar. Particularmente para as empresas brasileiras que estão cada vez mais buscando o mercado global, a eficiência ambiental e de recursos claramente será uma grande vantagem competitiva.
Mas, sem a participação efetiva do governo, por meio de políticas públicas, é possível que isso ocorra de forma consistente?
Uma das coisas que se perderam com esta crise financeira foi a ideia nascida com o Consenso de Washington de que, quanto menos governo, melhor. Para mim, isso sempre foi uma afirmação ideológica para tentar corrigir o que aconteceu durante uma era em que a intervenção do governo talvez tenha sido demasiada. Mas o fato é que os mercados sempre foram estruturados por escolhas públicas. Os governos sempre tiveram papel em influenciar a evolução dos mercados e, nesse sentido, vemos as políticas públicas como essenciais para traçar um caminho econômico, incluindo as escolhas tecnológicas. Por exemplo, se taxamos coisas ruins como poluição e lixo, estamos encorajando o desenvolvimento de tecnologias e sistemas de produção mais limpos. Nos últimos anos, o exemplo mais poderoso de uma intervenção muito simples, mas efetiva, foi a criação da tarifa feed-in no mercado de energia em mais de 60 países.
O que é tarifa feed-in?
Antes, apenas os grandes produtores podiam produzir energia. Agora, você e eu podemos colocar um painel solar no telhado nas nossas casas e a lei permite que vendamos a eletricidade gerada para as empresas elétricas. A tarifa feed-in permitiu que a Dinamarca se tornasse, por exemplo, uma grande economia de energia renovável. O PIB dinamarquês cresceu cerca de 75%, nos últimos 20 anos, sem aumentar o consumo de energia por causa da ênfase na eficiência energética e fontes renováveis. Na Alemanha, a lei foi criada há cerca de oito anos e transformou o país no maior produtor de energia eólica do mundo. O Quênia criou uma lei para a tarifa feed-in em janeiro e, em julho, havia um acordo preliminar, com investidores privados e financiamento público, para construir a maior usina eólica da África, com capacidade para 350 megawatts. A China está expandindo pesadamente suas fontes renováveis, não só a eólica, mas também a solar. Este é apenas um exemplo de como a política pública ajuda a moldar os mercados. Outro é corrigir os subsídios governamentais. Ainda gastamos US$ 300 bilhões por ano com subsídios aos combustíveis fósseis. É muito dinheiro para se gastar com algo que está criando o problema (do aquecimento global). Em muitos países em desenvolvimento também, onde os preços de mercado (dos combustíveis fósseis) são artificialmente baixos – o argumento usado é que temos que proteger os pobres. Mas esta não é uma maneira muito eficiente de protegê-los, porque os pobres não dirigem os Toyota ou Land Rover. Em Bangladesh, o Grameen Bank deu microcrédito para as mulheres pobres para que instalassem painéis fotovoltaicos em seus barracos e vendessem a energia extra para seus vizinhos pelo preço do querosene. Lá, o querosene não é subsidiado, então o esquema funciona, porque você pode produzir energia barata com seu painel fotovoltaico. Na Índia, o querosene é subsidiado e, portanto, é muito mais difícil trazer energia renovável para as vilas, porque o querosene é muito barato. Este é um bom exemplo de como o governo e as políticas públicas podem influenciar desde uma residência até todo o setor de energia.
Com base nestes exemplos do setor de energia e de microcrédito, pode-se dizer que a descentralização é conceito-chave para a green economy?
Sim. O modelo que centraliza a infraestrutura econômica é algumas vezes inevitável. Não faz sentido construir dez pequenas pontes em vez de uma só, porque não haverá financiamento para tanto. Mas, no setor de energia, o modelo descentralizado é muito mais eficiente, porque permite fazer escolhas tecnológicas que não dependem de um modelo de negócio corporativo que é intensivo em capital e tem um longo período para gerar retorno. Ao longo dos últimos 100 anos, o setor de energia tornou-se mais e mais centralizado – na Europa, quatro ou cinco empresas controlam grande parte da produção de energia. Mas é possível caminhar em outra direção. Na agricultura temos o mesmo – frequentemente se diz que é preciso ter fazendas grandes, mecanizadas, para produzir alimento para o mundo. No entanto o melhor retorno sobre investimento em termos de produção de alimentos está na produção sustentável em pequena escala – e é preciso criar uma estrutura diferente de incentivos.
E quanto à agricultura orgânica?
Pesquisamos 120 projetos diferentes de agricultura orgânica na África. Ao contrário de todas as premissas, essas fazendas conseguiram aumentar sua produtividade entre 70% e 100% ao introduzir métodos orgânicos. Isso mostra que a irrigação e o uso de fertilizantes e de sementes híbridas não são a única maneira de aumentar a produtividade. A vantagem da fazenda orgânica é que ela depende muito menos de empréstimos para comprar insumos. Além disso, o aumento da fertilidade nessas fazendas melhora as condições hidrológicas e leva à contratação de empregados locais.
Há indícios de que o pior da crise econômica teria passado. Que balanço se pode fazer da economia verde, da criação de green jobs, do desenvolvimento de tecnologias limpas durante o último ano? Aconteceu em alguma medida ou a recuperação se deu totalmente em bases não verdes?
O perigo está em sair dessa crise e voltar ao mesmo modelo que tínhamos antes. É irônico que alguns bancos estejam anunciando lucro de US$ 2 bilhões ou US$ 3 bilhões, quando ainda estamos endividados em centenas de bilhões de dólares para salvar os bancos. A crise econômica e financeira é uma oportunidade única para repensar as prioridades dos investimentos públicos e privados para transformar nossa economia. Muitas economias vão seguir esse caminho porque, mesmo que não se preocupem com o meio ambiente, se é possível produzir o mesmo quilowatt/hora de eletricidade por menos dinheiro e com menos recursos, elas o farão de qualquer maneira. A eficiência é um grande motor da economia verde. Em segundo lugar, a competitividade pede que você seja capaz de oferecer produtos para uma economia de baixo carbono. Vamos caminhar em direção a uma economia de baixo carbono – seja pela via de Copenhague, seja por outra qualquer, o mundo vai pôr um limite nas emissões de carbono. O Green New Deal que as Nações Unidas propuseram revela que empregos podem ser criados rapidamente com os pacotes de estímulo, particularmente no campo da eficiência energética e do transporte sustentável. Estamos publicando um relatório que mostra que os pacotes de estímulo são três ou quatro vezes mais eficientes em criar empregos em uma economia verde do que uma diminuição nos impostos – este é um resultado muito importante. As pessoas sempre dizem “corte os impostos, alimente o consumo e a economia se recuperará”, mas investir nestes setores é uma maneira muito mais eficaz de criar e manter empregos. O Green New Deal é uma combinação de medidas estabilizadoras de curto prazo com outras para geração de empregos e de demanda, e também de investimento de longo prazo na transformação econômica e tecnológica.
O Brasil tem um discurso forte nas negociações do clima quanto à transferência de tecnologia e de recursos financeiros como parte de um pacote maior, o que dificulta o avanço do entendimento. Embora os acordos internacionais digam que os países desenvolvidos têm a responsabilidade de transferir tecnologia para os em desenvolvimento, isso não acontece na escala esperada, porque ninguém vai dar dinheiro ou tecnologia para o outro de graça. Como o senhor vê isso? Nunca haverá avanços ou uma solução?
No fim, haverá avanços porque a perspectiva de que o aquecimento global vai continuar de forma descontrolada é simplesmente inaceitável. Perdemos dez anos porque os EUA não queriam juntar-se ao processo de Kyoto. Meu primeiro ponto é que nenhum país deveria deixar o pensamento sobre o futuro de sua economia se tornar refém de um processo internacional de negociação. Um país como o Brasil – assim como Coréia e China – deveria olhar para a economia verde como uma oportunidade positiva, independente das negociações sobre a mudança climática. Trata-se de estratégia nacional para o desenvolvimento. E depois disso, pensar como uma convenção internacional sobre o clima pode ser moldada de modo a ajudar um país como o Brasil a acelerar sua transição para uma economia mais verde e de baixo carbono. Acho que países como o Brasil e o G-77 têm razão ao defender que haja um investimento financeiro significativo na parceria Norte-Sul em relação à mudança climática. Um acordo em Copenhague que não traga um compromisso financeiro significativo não vai ter credibilidade, porque não terá tido sucesso. A Convenção do Clima oferece uma oportunidade única para que aqueles que contribuíram muito para as emissões de carbono na atmosfera encontrem uma forma de parceria com aqueles que estão começando a ser os maiores emissores do mundo: os países em desenvolvimento. Apesar de que, nas negociações do fundo para apoio tecnológico, as coisas estão acontecendo tão rápido que não tenho certeza de que este ainda seja um grande obstáculo. Há empresas do Sul comprando propriedade intelectual e integrando sua tecnologia renovável e obtendo muito sucesso no mercado. De qualquer forma, a Convenção é a promessa para um acordo justo que permita uma parceria entre Norte e Sul para reduzir emissões. As estimativas variam, mas acho razoável falar em US$ 100 bilhões por ano para facilitar essa transformação, e tecnologicamente é totalmente possível fazê-la.
No tema da criação de empregos e de uma economia verde, o senhor acredita que há no Brasil certa acomodação pelo fato de termos o etanol e a hidreletricidade? Ou seja, o pensamento de que já somos uma economia verde, porque a maior parte da nossa energia é renovável?
Há dois problemas aqui. Um, é que é difícil definir um emprego verde e, depois, quando se pode dizer que uma economia é verde? Podemos gastar muito tempo e esforço buscando uma definição matemática de um emprego verde, talvez um dia precisemos dela, quando formos taxar e certificar esses empregos. Neste momento, trata-se de promover os setores que mais provavelmente vão reduzir nossa poluição, reduzir o consumo de recursos e produzir empregos, assim como as tecnologias e produtos que nos permitirão ser bem-sucedidos nos mercados nacional e internacional sem exacerbar nossos problemas ambientais. Acho que a economia da reciclagem é uma das que cresceram mais rápido. Por ser um setor informal nos países em desenvolvimento, frequentemente é ignorada. Todavia, na verdade, os pobres estão entres os que mais eficientemente reciclam no mercado ultimamente. Uma das tragédias dessa crise econômica é que o preço dos produtos reciclados colapsou, e centenas de milhares das pessoas mais pobres do mundo que construíram seus empregos em torno de coletar e reciclar foram jogadas em uma crise real. Esta é uma das tragédias invisíveis desta crise financeira. Mas vamos nos recuperar no tempo certo. Esses empregos não são necessariamente o que chamamos de emprego decente, mas inicialmente são parte dos “setores verdes” em que podemos fazer grandes progressos. Depois, há os empregos nos setores de recursos naturais. Pode-se dizer que a economia dos biocombustíveis é um setor de empregos verdes, se este for um emprego decente, uma vez que as condições de remuneração não são adequadas. Porém, nos setores de energia renovável, de transporte público, de tecnologia híbrida, como o carro elétrico, há empregos reais sendo criados. No último levantamento que fizemos, descobrimos que já há mais pessoas empregadas ao redor do mundo no setor de tecnologia para energias limpas do que nos setores de petróleo e gás juntos. São mais de 2,3 milhões de pessoas. Este é um bom exemplo de quão rápido esses setores se desenvolveram. Agora, quando uma economia é verde? Deveria haver um padrão absoluto: ser “zero” em termos de depreciação de seus recursos naturais e de poluição. Mas há economias que tiveram a oportunidade de ser mais verdes e sustentáveis em um estágio anterior. O Brasil tem sorte e também investiu deliberadamente em energia renovável, ou um mix de tecnologias limpas, e agora está se beneficiando disso. No entanto, se você estiver no congestionamento de São Paulo hoje, não precisa de muita imaginação para se perguntar: “Isso é o melhor que nossa civilização no século XXI pode fazer?” É o mesmo problema em Nairóbi e até em uma cidade que só passou a existir há 25 anos, Dubai. Antes da crise financeira, levavam-se duas horas para atravessar Dubai. Nosso conceito de desenvolvimento urbano ou de transporte urbano em um mundo em que a maioria da população agora vive em favelas é incrivelmente antiquado e as pessoas gastam de duas a três horas de trabalho por dia em congestionamentos, respirando fumaça. Mas, no fim das contas, o que acho que vai definir uma economia verde é, primeiro, a capacidade de manter sua infraestrutura ecológica – se perde florestas, bacias hidrográficas, áreas alagadas, lagos, terras aráveis, essa economia se torna mais pobre. Quanto menos um país exaure seu capital natural, mais verde sua economia se torna. E também quanto mais limpa for a produção, ou seja, quanto menos poluição for lançada à atmosfera, ao solo, ao ciclo hidrológico. Nessa linha, acho que nos próximos cinco anos todo o conceito de contabilidade econômica e de contabilidade do PIB vai mudar. O conceito de contabilidade verde nas contas nacionais vai avançar rapidamente, porque a exaustão do capital natural e o aumento da poluição geram custos econômicos que precisam ser contabilizados. Até mesmo no elemento crucial para definir uma economia verde, que são as contas nacionais, estamos vendo muito trabalho sendo feito.
Qual sua opinião sobre o projeto de mudança climática aprovado pela Câmara dos EUA? Que avanços trouxe?
Temos de ser muito gratos ao presidente Obama pela liderança em mudar em 180 graus o papel dos EUA, primeiro, ao reconhecer a mudança climática e, em segundo lugar, ao buscar formas pelas quais o país pode desempenhar um papel positivo nacional e internacionalmente. O dilemma do governo Obama é que uma redução razoável nas emissões demandaria uma transformação econômica extremamente desafiadora nos setores de energia, transporte e construção. Como sabemos, o sistema político americano é um processo muito complexo de negociação com muitos interesses diferentes, e o projeto que está em apreciação no Congresso reflete muitos acordos. Do ponto de vista da ambição de estabilizar as emissões em níveis baixos até 2015 – que é o que o IPCC defende -, se a América reduzir suas emissões em apenas 4% a 5% até 2020, isso se torna uma referência preocupante, pois não vai ser suficiente. Não vai ser suficiente em termos das emissões que precisamos reduzir e em termos de convencer os países em desenvolvimento a participar, e pode até deixar a Europa em uma situação difícil – como podem os europeus manter suas reduções de 20% se a América optar por apenas 4% sobre os níveis de 1999?
O projeto aprovado pela Câmara americana prevê uma tarifa de importação para produtos provenientes de países que não limitam suas emissões. Que efeito pode ter sobre países em desenvolvimento? Constitui protecionismo ambiental?
Ameaçar com border adjustment nesse estágio das negociações não ajuda ninguém. Trata-se de instrumentos disponíveis no mercado global para evitar uma desvantagem competitiva e o “vazamento” de indústrias para outros lugares (onde o controle de emissões seja menor). Quando apareceu, essa discussão não era entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Foi o governo francês que ameaçou a economia americana com esse tipo de medida, porque os americanos não estavam agindo para reduzir suas emissões. Vamos ter de encarar o fato de que alguns países estão agindo (para restringir emissões), e outros, não. Em algum momento, isso vai se traduzir na aplicação de instrumentos econômicos. Porém, no momento, a discussão é a seguinte: a Organização Mundial do Comércio e a ONU analisaram tanto a mudança climática como o regime de comércio e, nesta análise, dizemos que em teoria e em princípio pode haver uma situação em que um país pode criar mecanismos de border adjustment. Mas ambas as organizações também disseram que isso não se trata de autorização para o uso desses instrumentos. Nenhum país agora ganharia ao ameaçar parceiros comerciais com border adjustment, por isso, para mim, essa é uma discussão hipotética. No entanto, se o mundo não conseguir chegar a um acordo em Copenhague, não será surpresa se em cinco ou dez anos os países começarem a dizer: “Não podemos continuar a competir se, enquanto nós reduzimos nossas emissões, eles estão aumentando as deles”. Goste-se ou não, é uma realidade e pode se tornar um ponto de fricção.
Quais suas estimativas em relação às negociações na COP 15?
Estamos a menos de 140 dias, 130 dias quase, de Copenhague (esta entrevista foi concedida no início de agosto). E, considerando que o mundo está negociando talvez o acordo mais importante dos últimos 100 anos para a economia global, a comunidade global e a respeito de um fenômeno fundamental chamado aquecimento global, estou preocupado. Porque, ao tentar encontrar o perfeito equilíbrio, acabamos tão ocupados em negociar detalhes que perdemos a percepção de que precisamos de um acordo histórico. Um acordo que permita a parceria entre Norte e Sul, entre economias pequenas e grandes, entre economias vulneráveis e aquelas altamente preparadas para nos levar a uma trajetória diferente de emissões. O objetivo sob o qual devem ser avaliadas as negociações e o acordo que sairá de Copenhague são as metas que o IPCC nos deu. Neste momento, os governos estão negociando com grande dificuldade metas para 2050. Em segundo lugar, estamos falando de redução de emissões e estratégias de mitigação, mas não há dinheiro sobre a mesa para permitir que um acordo aconteça. Se falamos de mudanças imprescindíveis nas economias do mundo, mas não colocamos recursos da ordem de US$ 100 bilhões por ano nesta equação, um acordo se torna muito difícil. Para os países em desenvolvimento é difícil ir a Copenhague e sofrer pressão para se tornar parte da mudança, quando não existe comprometimento sério quanto a apoio financeiro e tecnológico. Embora tenha havido algum progresso, e os chefes de Estado e de governo comecem a perceber que seu papel nos próximos dois a três meses será vital, ainda temos uma quantidade imensa de trabalho pela frente para criar as condições para que um acordo justo e efetivo saia de Copenhague. Acho que vamos ter um acordo, mas minha maior preocupação é que seja de natureza mais política do que significativa. Copenhague tem de ser o momento em que o mundo se compromete a mudar a trajetória das emissões. Se isso não acontecer, vamos enfrentar conseqüências imensamente sérias, não só em relação ao aquecimento global, mas também em termos políticos e econômicos.
* Colaboraram Flavia Pardini e Rachel Biderman