Há mais de 20 anos o consultor Aerton Paiva alia a formação de administrador à de antropólogo ao perscrutar o comportamento das empresas. Nos últimos tempos, dedica-se a colocar a sustentabilidade na agenda estratégica das grandes corporações. E para essa tarefa, só mesmo entendendo o jeito das empresas de operar e enxergar o mundo. Uma historinha passada no playground de seu prédio o ajuda a argumentar que é a língua do mercado, e não a da ética, aquela capaz de abrir as portas das empresas para uma nova visão.
Um empurrão veio na forma terrível do acidente histórico no Golfo do México. Para Paiva, a sustentabilidade terá uma fase pré e outra pós-British Petroleum, em que a questão ambiental pegou de fato a companhia pelo bolso, servindo de exemplo ao mundo.
Além de “economicizar” a sustentabilidade empresarial, ele defende trazer as pessoas para o jogo não pela culpa, mas pelo prazer e pela criatividade – assim como uma lixeira que emite um som engraçado educa mais as pessoas a jogarem o lixo no lugar certo do que qualquer campanha politicamente correta.
Um dos sócios da Gestão Origami, que reúne consultores de diversas áreas do conhecimento, Paiva procura responder a um mundo que, em sua opinião, já é outro. “Este já sacou o que tem que fazer e agora está perguntando: como é que eu faço?”
O triple bottom line é um dos mantras da sustentabilidade empresarial. O senhor já disse em seu blog que isso não passa de single bottom line, pois impactos nas dimensões sociais e ambientais de hoje se converterão em impactos econômicos do amanhã. Desse modo, em perspectiva de longo prazo, tudo se traduz (ou deveria se traduzir) no econômico. Essa afirmação é uma tentativa de afastar qualquer hipocrisia e de objetivar a discussão e a prática entre as empresas?
É para objetivar e para entrar na agenda da empresa. Ela tem uma agenda clássica que é o resultado. Sempre que a gente tenta falar do ambiental e social, é custo. É uma agenda negativa.
Mas também é da oportunidade.
Ninguém prova isso, e este é um grande mito que começa a cair. É o que falo (no blog Reação em Cadeia) sobre o playground do meu prédio, isso aconteceu de verdade. Dois terços dos moradores não têm crianças no prédio e eu faço parte do um terço que tem. Nosso playground estava sucateado, as crianças não queriam descer para brincar, porque estava muito ruim. Chamamos a reunião do condomínio, apresentamos o projeto e ninguém queria aprovar. Falar que tem criança no prédio e que ela precisa de um espaço lúdico não é problema dessa maioria. Então mudamos de estratégia: chamamos os corretores de imóveis, pedimos para fazer avaliação e aí apresentamos o projeto e mostramos qual seria o upside no valor do prédio com a reforma. Seria maior que o valor investido, e aí, então, foi aprovado.
O mundo é assim, então, é assim que vamos operar neste mundo, com esta geração. A Física mostra que, quando se vai contra determinada força na mesma intensidade e em direção oposta, as forças se anulam. Como pegar a força que está vindo e redirecioná-la para outro lado? Preciso considerar uma parte dessa força que vem e isso é começar a falar a língua do econômico.
Sem que isso signifique uma cooptação? Não existe cooptado nessa história. Em uma empresa, parte do lucro se obtém por conta de passivos ambientais que ela deixa pelo caminho e a sociedade paga – são as externalidades. O exemplo mais concreto disso é o caso da BP. Ela já gastou US$ 1,5 bilhão, ontem (16 de junho) se comprometeu com mais US$ 20 bilhões para ressarcir as famílias, e essa conta ainda não acabou. No passado não muito distante, isso não estaria acontecendo. O que o Obama fez, de entregar a conta para o CEO da BP, é um exemplo de que estamos evoluindo, sim. No passado, esses US$ 21,5 bilhões estariam no lucro dela remunerando o acionista, e não externalizado.
Hoje, para não gerar esse passivo, as empresas terão de fazer um investimento em mudanças de modelo, de processo de produção, de logística, distribuição. Outra parte do lucro são os aspectos sociais. Cito o exemplo do presidente da Renault dizendo que os carros na Índia são mais baratos que no Brasil, porque lá a legislação exige menos segurança para o trabalhador. Aos olhos globais, principalmente em países onde a legislação é mais rigorosa, as pessoas chamam isso de dilema ético.
Eu não vejo dilema nenhum nisso, é uma decisão. Esses direitos sociais representam custos, quando a empresa tira do trabalhador o que ele tem e o que ele não tem, é para ganhar mais. E tudo isso está traduzido do ponto de vista econômico-financeiro, por isso não existe triple bottom line. Agora, por que isso é insustentável? Porque, se ignoro esses passivos ambientais e sociais, se os EUA ignorarem o caso da BP, isso vira custo-país.
O conceito do triple bottom line não foi criado para tentar organizar tudo isso e identificar para as empresas do que o lucro é feito? Ele cumpriu a função, que era chamar a atenção para isso. Mas precisamos dar um passo adiante. Já que reconhecemos que existem essas coisas, como vamos traduzi-las de volta para o mundo econômico, porque essa é a linguagem que a gente trabalha com as organizações. Imaginar que elas vão se tornar altruístas e solidárias é partir de uma premissa equivocada, porque não são e não foram construídas para isso.
Quando você tem uma sobrinha de recurso, o que pergunta ao gerente do banco? Qual a melhor aplicação a fazer. Aplicação só tem dois caminhos, ou título público, ou renda variável, que são renda de ação de empresa. Então, não se consegue separar hoje quem é o agente e quem é o afetado. Todos nós somos agentes e afetados. Existe um racional predominante nas empresas. Ele vai me oferecer uma série de limitações.
Mas a estratégia que a gente tem usado e que tem dado relativamente certo é: Qual é a lógica da empresa hoje? Quais são os passivos ambientais que essa empresa está gerando? Quais são as questões sociais que a empresa tem? A primeira coisa é eleger tudo que eu posso fazer que exija pouco investimento, que traga resultado, que reduza o passivo. E, ao trabalhar ponto a ponto, os seus interlocutores começam a entender as relações sistêmicas, porque no começo não entendem. Quando passam a entender, se preparam para outro estágio da discussão, que é a ética.
Só que estamos fazendo tudo errado. A gente vem discutindo sustentabilidade a partir da ética, como a nossa bandeira, apresentando uma agenda que está no GRI (Global Reporting Initiative), no ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), no Dow Jones Sustainability, com tudo isso misturado.
Estive na conferência do GRI agora e achei incríveis as conclusões a que chegaram aquelas 1.700 pessoas que contribuíram lendo os relatórios (das empresas). Primeira: as empresas não são transparentes, porque as questões críticas não aparecem nos relatórios. Segunda: são pouco inclusivas, porque não trazem os temas importantes dos stakeholders para debater. Terceira: são muito pouco criativas, porque os relatórios são um a cópia do outro.
Conclusão, depois de todo esse esforço, todo esse trabalho, as empresas que fizeram alguma coisa são consideradas mentirosas (não transparentes), pouco includentes e não criativas! Ou seja, é exatamente o oposto do que elas pensavam que eram quando começaram a trabalhar o relatório. E estão começando a se dar conta disso. Tanto que o relatório do HSBC deste ano tem 25 páginas. Abandonou o modelo do GRI. Então, para mim, assim como o triple botton line, esses instrumentos – o GRI, o ISE, os Indicadores Ethos, o Dow Jones – chamaram atenção para algo superimportante, de que, para ser sustentável, é preciso ter um modelo de gestão desenhado com foco na sustentabilidade. Agora, tem que olhar de novo para isso e ver qual o próximo salto.
Quando uma das pessoas lá falou que o twitter movimenta muito mais a organização dela do que o relatório, na verdade não está dizendo que o twitter movimenta, e sim que o relatório não movimenta, não leva a lugar nenhum. Eu venho defendendo muito a lógica do one page report (relatório de uma página), tenho certeza que neste espaço dá para colocar todas as questões principais, quantitativas e comparáveis.
Quando as empresas recebem esse diagnóstico de que são pouco inclusivas, mentirosas e pouco criativas, a consequência é se retraírem? Não. A começar que a Conferência era uma feira de GRI, só faltou ter boné e camiseta. Vendia-se de tudo. Sistema, consultoria, até a Tata, aquela empresa indiana, estava vendendo consultoria lá dentro. Olhei para aquele negócio e pensei: engraçado que sou um daqueles feirantes, só não estou com a minha barraca montada aqui. Então, qual a nossa responsabilidade diante disso? Se tiver que colocar pessimismo nessa história, ele está também em nossa incapacidade como agentes de mudança. Nós estamos estudando, nos aprofundando, vendo alternativas. Os outros estão procurando vender, entregar, comprar. Se nós não estamos conseguindo atuar como agentes de mudança, o problema não está só nas empresas, mas também em nossa capacidade de conseguir convencê-las.
É um problema de comunicação? É um problema de abordagem.
Qual seria a abordagem estratégica? Além do movimento dentro da empresa, tem um movimento fora das empresas que é importante. Analistas de crédito e de renda variável, por exemplo, são duas figuras-chave nesse processo. Fizemos um estudo para a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), sobre qual é o potencial da indústria de fundos para o desenvolvimento sustentável. E ele é enorme. E não por conta dos fundos éticos ou responsáveis. A enorme contribuição do analista é de avaliar a empresa sob a ótica da sustentabilidade na perspectiva econômica.
E recomendar ou não a empresa levando em conta esse atributo de sustentabilidade? Também não é isso. É assim que eles estão fazendo hoje e não leva a nada. Para o analista não interessa se o modelo da empresa é mais sustentável ou menos. Pega o setor de aviação civil. Em 2015, entra o cap de emissões da Comunidade Europeia para aviação civil. As empresas do setor terão um limite para voar. Acima de um limite terão de pagar caro para poder voar. Aí pega uma empresa em que 40% das receitas vêm da comunidade europeia. A frota é antiga e ela não tem capacidade de renová-la para reduzir emissões. Isso vai afetar custo.
Ou seja, falar em single bottom line traduz tudo isso para o analista. Exatamente. Eu não vou dizer para esse analista que o mundo está se aquecendo, que esse aquecimento provoca uma desestabilização dos ecossistemas, porque isso não o sensibiliza. É a história do playground. Puxa, que horror, como tem ser humano que não se sensibiliza com criança! Pois é, tem pior: tem ser humano que enfia agulha em criança. O ser humano é uma praga. Então, não dá tempo para reformar a alma do homem. Não é questão de concordar ou não, a questão é que essa abordagem ética vem se comprovando pouco eficiente para isso. A estratégia é fazer com que as mesmas questões que estamos colocando hoje sejam reinterpretadas e reexplicitadas pela perspectiva econômica.
Mas isso não reforça o atual modelo econômico em vez de provocar uma mudança de modelo? Não, porque tem outros atores sociais, com outros papéis sociais. Pega o caso do Greenpeace, que para mim é um modelo – o terceiro setor em geral devia se inspirar nele. O Greenpeace tem a premissa de que não aceita recurso de empresa. Isso já faz toda a diferença, ele pode bater de frente o quanto ele quiser. Pega o que ele fez com a pecuária e a história da Nestlé e o óleo-de-dendê da Malásia. Então precisa ter um conjunto de atores que trabalham no enfrentamento dessas questões, que criam essa pressão. Tem que ter os atores que lidam com os consumidores. Os que lidam com os investidores. E os que lidam com as empresas.
Eu jamais diria isso que estou te dizendo se eu estivesse falando com o Greenpeace. Eu diria: “Greenpeace, continua a fazer tudo isso que você está fazendo, porque está me dando argumentos de mercado, porque a Nestlé teve de se retratar e mudar os processos de compra de óleo-dedendê da Malásia”. Ao fazer isso, entro na empresa falando qual o impacto econômico, como tudo se liga com tudo. Não podemos ter um discurso uníssono, ao contrário, temos de ter discursos antagônicos, porque o antagonismo vai criar as pressões externas aqui para colocar lá dentro o que é importante. Pega o papel das redes sociais – é fantástico, você não controla. Elas têm sido usadas por nós como um argumento muito forte para as empresas tomarem muito cuidado com a ética, porque a chance de virar um trending topic (no twitter) é incontrolável.
A gente vê muitos sucessos de convencimento no nível de alta diretoria, mas isso fica no topo e não é internalizado. Todo o restante dos funcionários é valorizado, por exemplo, por tonelada de minério exportado e, assim, a empresa continua operando como antes. Traduz agora tudo o que você está falando para o econômico, que você vai entrar no orçamento, Capex, metas. Não precisa criar novas metas, elas já existem. O paralelo acontece na rede de catadores. Por que funcionou para o alumínio, e não para o PET? Porque não se deu sentido econômico para o PET. Então, a empresa precisa analisar qual a vantagem econômica de ser sustentável, esse é o mind set, e como mitiga riscos se não for.
E quanto às pequenas empresas, isso nem chegou nelas, não é? Imagina, está longe. A gente tem feito um teste aqui de usar essa mesma lógica para as pequenas. Exemplo. A Natura tem uma outorga de 140 mil metros cúbicos de água por ano. O Santander consome 90 mil metros cúbicos, o Itaú, 170 mil, a Companhia Suzano, 600 mil – isso em ordem de grandeza –, e começamos a pensar como trazer a pequena empresa. A gente foi estudar o Projeto Tear, que o Ethos fez, o que aconteceu e… não aconteceu.
E por que não? Uma pequena empresa é apertada pelos grandes fornecedores o tempo inteiro, tem uma carga tributária violenta, está sempre correndo atrás de tentar se manter e fazer o caixa fechar. Se precisa de banco, é uma burocracia enorme e, quando consegue, são taxas de juro absurdas, pedem garantias que ela não tem. A pequena empresa, que fatura até R$ 50 milhões por ano, é uma sobrevivente. Não adianta chegar para uma sobrevivente e apresentar uma agenda que tem valores de transparência, ética, fornecedores, clientes, meio ambiente, relação com a comunidade, com o governo. Não dá. Vamos trabalhar com elas o que é concreto, simples, rápido e traz retorno econômico.
Capítulo 1: água, energia e resíduos. Água: fomos até a Sabesp, que tem o programa Pura, de uso racional da água. Em mais de 100 aplicações que foram feitas, a redução mínima do Pura foi de 10%. Começamos a fazer conta. Pegamos os dados da Agência Nacional de Águas, segundo a qual cada empresa em média consome 5 metros cúbicos por funcionário dia. Se ligar o Pura nessa empresa, consegue-se redução mínima de 10% – sabe fazendo o quê? Regulando válvulas e caçando vazamento. Não é nada de mega-ultra-poli-penta-hipercomplexo. Quanto isso custa para a empresa? R$ 3 mil. O investimento se paga em dois meses.
Aí ligamos lé com cré. Pega uma empresa âncora, tipo Natura, 140 mil metros cúbicos. O que ela podia fazer com água, já fez. O que tem para fazer está na cadeia de produção, que é agrícola, é supercomplicado. Então fizemos assim: de quantos fornecedores pequenos a Natura precisa para que, com a redução de 10%, zere a pegada hídrica dela? Apenas 200. Fomos apresentar para o Pedro Passos: “Faz sentido?” “Faz.” Apresentei para o Roberto Klabin, para AmBev, para Unilever. “Faz sentido?” “Faz.” Voltei para a Sabesp e estamos fechando um termo. Feito isso, parte-se para o segundo capítulo, que tem menos tangibilidade: gases de efeito estufa, relação com funcionários (produtividade) e relação com clientes. É mais difícil, mas esse empresário já está mais aberto para conversar.
E depois, no terceiro e último nível, é que você fala de ética, de diversidade. Mas como temos apresentado sustentabilidade para esses caras? De cima para baixo, no caminho contrário. As empresas, fazendo seus encontros com fornecedores, ano após ano, estão fazendo uma estratégia “Forest Gump”, de contação de histórias. “Olha, nossa empresa está querendo trabalhar com sustentabilidade, olha aqui nosso código de conduta, por favor, assinem nosso novo contrato que fala que vocês não matam criancinha etc.” Sem querer, criamos um bando de burocratas da sustentabilidade, do grupo de trabalho X que vai criar um programa XPTO, que vai gerar um compromisso, voluntário, de adesão! Então, as premissas continuam válidas, sabemos onde queremos chegar, o que muda são as táticas de como chegar lá.
Uma colega minha comentava que sustentabilidade tinha virado sabão em pó, em referência à banalização da expressão e ao fato de que todo mundo usa conforme a conveniência. O Bombril agora diz na tevê que sempre foi ecológico. Considerando-se que a massificação e disseminação da mensagem e das práticas é o que a gente queria, isso é ruim ou bom? Acho que é ótimo, porque quem vai julgar se é ou não ecológico é a sociedade, de acordo com a maturidade do julgamento que ela tem. Deixa as empresas fazer greenwashing, mas elas que arquem com conseqüências e questionamentos. Não muito tempo atrás, a Uniban veio com uma campanha de que responsabilidade social era 25% de desconto na matrícula. E agora a gente está questionando se o Bombril é ou não mais ecológico que a esponja sintética. Olha como nosso senso crítico apurou. A Associação Brasileira de Anunciantes vem discutindo um código de autorregulação sobre campanhas de sustentabilidade, é o Percival Caropreso quem vem conduzindo. A Aberje, com o Cebds, lançou a cartilha para os profissionais de comunicação. São perfeitas? Não. São passíveis de manipulação e greenwashing? Claro que sim.
Uma comunicação imprecisa e distorcida sobre sustentabilidade é melhor que nada? Sim, faz parte do aprendizado e do ajustamento ético das empresas. Outros atores estão evoluindo também, as ONGs, o consumidor. Eu diria mais. Não sei se a gente vai precisar continuar usando o termo sustentabilidade. Porque todo termo traz com ele uma série de coisas penduradas, interpretações, e toma tempo para dizer o que não é.
Esta edição justamente traz esses questionamentos, qual a definição, se é preciso definir. Acho que não. Um cliente me disse uma coisa superlegal: agora o que a gente precisa trabalhar é a sintonia com a sociedade. Esta sociedade não é mais a mesma, ela está alerta. Esses últimos cinco anos foram da evolução dos instrumentos, expansão, foi um momento de separar o joio do trigo, e agora a gente está na hora de saber como usar o trigo.
O discurso do Obama teve 17 minutos, mas não tem prova maior quando você vê um presidente negro, eleito democraticamente, fazendo um discurso para o mundo, no Salão Oval – o que é simbólico, o último discurso lá foi por conta do 11 de setembro –, e ouve a fala dele. Momento 1: caracterizou o desastre como o maior da história e mostrou com precisão todos os impactos de curto, médio e longo prazo. Momento 2: disse o que nós, sociedade, estamos fazendo, quanto isso vai custar e quem vai pagar a conta – a BP, e como a BP vai pagá-la. Um dia depois, o CEO da BP vai ao Senado e diz que vai pagar a conta, US$ 20 bilhões ao longo dos anos. Momento 3: disse que não faz sentido ser um país que só produz 2% de todo o óleo que consome, manda para fora US$ 1 bilhão por dia para comprar o resto, e tem como resultado emissão de gases de efeito estufa e acidentes como esse. A China está investindo bilhões em energia renovável. “Nós temos que trazer para cá essa tecnologia, esses empregos.”
Mas Obama foi muito questionado pela mídia nos EUA por ter demorado a fazer isso que fez anteontem (mais em Coluna). Sempre terá críticas. Antes de se posicionarem, o que fizeram foi entender as causas, montar um plano de ação e fazer. Tem outro fato, que é o que já está respingando aqui na Petrobras. A estimativa é que tenha incremento significativo no custo de exploração a 6 mil metros por conta dos novos investimentos em segurança. Resumo da ópera: dizer que nada está acontecendo é não ver o que está acontecendo. Está na velocidade que precisa? Não. Mas essa evolução não é linear, é exponencial.
As discussões estão se tornando muito mais densas, mais técnicas. Hoje tivemos uma reunião em um dos principais bancos privados brasileiros com a área de renda variável. Começamos um trabalho que, se der certo, vai preparar os analistas de empresas a questionar sobre as questões de sustentabilidade que podem impactar os negócios para o bem ou para o mal. Só o fato de ter tido essa reunião, e ter se encerrado com as pessoas concordando que este é o caminho a se seguir, nem que não façam, eu já considero um avanço. Um ou dois anos atrás nem recebido por esse público a gente seria.
Mas o senhor está falando com base em uma experiência com empresas que chegam até a Origami, que já estão interessadas em sustentabilidade, senão não iam procurá-lo, certo? Nem sempre. A gente não atende empresas apenas no campo da sustentabilidade. Hoje, na minha frente, na fila do aeroporto, tinha três pessoas num debate acalorado, falando sobre o quê? Sustentabilidade. E não era ninguém de nível muito sênior. Nas escolas, várias do setor privado e público estão trazendo a temática. Você pega o Discovery Kids, que não é pra todo mundo, mas mostra que alguém já descobriu uma fórmula de traduzir isso pras crianças.
É que a necessidade de mudança é tão radical – a gente está falando em redução brutal de carbono, só para pegar um aspecto – que não dará tempo. Não vai dar tempo mesmo, isso são favas contadas, o bonde já passou. Nós vamos conviver com os impactos. Sabemos que, a partir dos impactos, os atores se reorganizam. Aquele livro A Lógica do Cisne Negro é muito interessante, mostra as grandes invertidas na lógica que o mundo teve e que os prognósticos nunca conseguem ser fortes o suficiente para conseguir prever guinadas. A gente esquece que tem muita gente trabalhando em pesquisa e desenvolvimento, é na área de polímeros, de energias, é nas estratégias de tratamento de resíduos, de novas bactérias.
E, na minha opinião, a sustentabilidade vai ter um momento pré-BP e pós-BP. Mais que a crise financeira. Principalmente em energia. Agora pegou mais no econômico, não é mais uma questão ideológica. Agora é o bolso. É a primeira vez – veja, a primeira vez – que uma empresa está sendo financeiramente e integralmente responsabilizada. Todo acidente é ruim, mas não podia ter lugar melhor para acontecer e com uma empresa dessas, pois uma petrolífera puxa diversos temas, como meio ambiente, comunidades pequenas, pescadores, ecossistemas, energias renováveis. Se tivesse acontecido no Brasil, a gente estaria sendo malhado pelo mundo, mas foi acontecer lá nos EUA, no momento em que o Obama já tinha colocado como plataforma a questão das renováveis.
Nós podemos continuar o tempo inteiro falando que, se todos consumissem a mesma coisa que os ricos, precisaríamos de dez planetas. Há quantos anos estamos falando isso e o consumo só faz crescer? Temos de ser mais inteligentes, mais criativos, e não ser chatos. É só má notícia, você é culpado de tudo, porque a humanidade vai extinguir, tem que mudar uma série de coisas que não sabe direito por que, tenta mudar, não encontra informação e aí falam: “É, a sustentabilidade não está andando, né?”
O dia que fizer de sustentabilidade um troço gostoso, lúdico, que dê tesão, tenha sentido econômico, vai andar. Tá faltando criatividade. Adorei a última campanha da Diesel: Be stupid. Eles querem dizer que o mundo tá muito chato, porque só temos smart guys, que pensam em tudo, só tomam decisões inteligentes. Mas o que fez o mundo evoluir foram os estúpidos, estupidez no sentido de romper com os esquemas vigentes, os caras que tinham bolas e não cérebros. O slogan é: “Smart guys have brains, stupid guys have balls.”
Aquela série de vídeos que a Volkswagen fez é fantástica. Para estimular as pessoas a usarem as escadas, não falou que é bom pra saúde, e, sim, fez cada degrau como se fosse uma tecla de piano. Como faz para as pessoas jogarem lixo na lixeira? Colocaram um som como se o lixo estivesse caindo num penhasco. Pimmmmmmmmmm. Um ouve, acha engraçado, outro procura um lixo no chão para jogar (assista aqui aos vídeos). Então, precisa buscar o racional do econômico, mas com uma dose de leveza e criatividade. “Economicizar” o mundo da sustentabilidade das empresas, simplificar para o que realmente importa e trazer as pessoas pro jogo não pela culpa, mas pelo prazer.
Vamos parar de fazer pesquisa do Akatu para saber todo ano que os consumidores conscientes são 5%. Vamos usar essa energia do Akatu, do Ethos, da FGV, de todo mundo, para saber como melhorar o consumo. Aí, quem sabe, a gente comece uma nova história, porque o mundo já é outro. Já sacou o que tem que fazer e agora está perguntando: como é que eu faço?[:en]Há mais de 20 anos o consultor Aerton Paiva alia a formação de administrador à de antropólogo ao perscrutar o comportamento das empresas. Nos últimos tempos, dedica-se a colocar a sustentabilidade na agenda estratégica das grandes corporações. E para essa tarefa, só mesmo entendendo o jeito das empresas de operar e enxergar o mundo. Uma historinha passada no playground de seu prédio o ajuda a argumentar que é a língua do mercado, e não a da ética, aquela capaz de abrir as portas das empresas para uma nova visão.
Um empurrão veio na forma terrível do acidente histórico no Golfo do México. Para Paiva, a sustentabilidade terá uma fase pré e outra pós-British Petroleum, em que a questão ambiental pegou de fato a companhia pelo bolso, servindo de exemplo ao mundo.
Além de “economicizar” a sustentabilidade empresarial, ele defende trazer as pessoas para o jogo não pela culpa, mas pelo prazer e pela criatividade – assim como uma lixeira que emite um som engraçado educa mais as pessoas a jogarem o lixo no lugar certo do que qualquer campanha politicamente correta.
Um dos sócios da Gestão Origami, que reúne consultores de diversas áreas do conhecimento, Paiva procura responder a um mundo que, em sua opinião, já é outro. “Este já sacou o que tem que fazer e agora está perguntando: como é que eu faço?”
O triple bottom line é um dos mantras da sustentabilidade empresarial. O senhor já disse em seu blog que isso não passa de single bottom line, pois impactos nas dimensões sociais e ambientais de hoje se converterão em impactos econômicos do amanhã. Desse modo, em perspectiva de longo prazo, tudo se traduz (ou deveria se traduzir) no econômico. Essa afirmação é uma tentativa de afastar qualquer hipocrisia e de objetivar a discussão e a prática entre as empresas?
É para objetivar e para entrar na agenda da empresa. Ela tem uma agenda clássica que é o resultado. Sempre que a gente tenta falar do ambiental e social, é custo. É uma agenda negativa.
Mas também é da oportunidade.
Ninguém prova isso, e este é um grande mito que começa a cair. É o que falo (no blog Reação em Cadeia) sobre o playground do meu prédio, isso aconteceu de verdade. Dois terços dos moradores não têm crianças no prédio e eu faço parte do um terço que tem. Nosso playground estava sucateado, as crianças não queriam descer para brincar, porque estava muito ruim. Chamamos a reunião do condomínio, apresentamos o projeto e ninguém queria aprovar. Falar que tem criança no prédio e que ela precisa de um espaço lúdico não é problema dessa maioria. Então mudamos de estratégia: chamamos os corretores de imóveis, pedimos para fazer avaliação e aí apresentamos o projeto e mostramos qual seria o upside no valor do prédio com a reforma. Seria maior que o valor investido, e aí, então, foi aprovado.
O mundo é assim, então, é assim que vamos operar neste mundo, com esta geração. A Física mostra que, quando se vai contra determinada força na mesma intensidade e em direção oposta, as forças se anulam. Como pegar a força que está vindo e redirecioná-la para outro lado? Preciso considerar uma parte dessa força que vem e isso é começar a falar a língua do econômico.
Sem que isso signifique uma cooptação? Não existe cooptado nessa história. Em uma empresa, parte do lucro se obtém por conta de passivos ambientais que ela deixa pelo caminho e a sociedade paga – são as externalidades. O exemplo mais concreto disso é o caso da BP. Ela já gastou US$ 1,5 bilhão, ontem (16 de junho) se comprometeu com mais US$ 20 bilhões para ressarcir as famílias, e essa conta ainda não acabou. No passado não muito distante, isso não estaria acontecendo. O que o Obama fez, de entregar a conta para o CEO da BP, é um exemplo de que estamos evoluindo, sim. No passado, esses US$ 21,5 bilhões estariam no lucro dela remunerando o acionista, e não externalizado.
Hoje, para não gerar esse passivo, as empresas terão de fazer um investimento em mudanças de modelo, de processo de produção, de logística, distribuição. Outra parte do lucro são os aspectos sociais. Cito o exemplo do presidente da Renault dizendo que os carros na Índia são mais baratos que no Brasil, porque lá a legislação exige menos segurança para o trabalhador. Aos olhos globais, principalmente em países onde a legislação é mais rigorosa, as pessoas chamam isso de dilema ético.
Eu não vejo dilema nenhum nisso, é uma decisão. Esses direitos sociais representam custos, quando a empresa tira do trabalhador o que ele tem e o que ele não tem, é para ganhar mais. E tudo isso está traduzido do ponto de vista econômico-financeiro, por isso não existe triple bottom line. Agora, por que isso é insustentável? Porque, se ignoro esses passivos ambientais e sociais, se os EUA ignorarem o caso da BP, isso vira custo-país.
O conceito do triple bottom line não foi criado para tentar organizar tudo isso e identificar para as empresas do que o lucro é feito? Ele cumpriu a função, que era chamar a atenção para isso. Mas precisamos dar um passo adiante. Já que reconhecemos que existem essas coisas, como vamos traduzi-las de volta para o mundo econômico, porque essa é a linguagem que a gente trabalha com as organizações. Imaginar que elas vão se tornar altruístas e solidárias é partir de uma premissa equivocada, porque não são e não foram construídas para isso.
Quando você tem uma sobrinha de recurso, o que pergunta ao gerente do banco? Qual a melhor aplicação a fazer. Aplicação só tem dois caminhos, ou título público, ou renda variável, que são renda de ação de empresa. Então, não se consegue separar hoje quem é o agente e quem é o afetado. Todos nós somos agentes e afetados. Existe um racional predominante nas empresas. Ele vai me oferecer uma série de limitações.
Mas a estratégia que a gente tem usado e que tem dado relativamente certo é: Qual é a lógica da empresa hoje? Quais são os passivos ambientais que essa empresa está gerando? Quais são as questões sociais que a empresa tem? A primeira coisa é eleger tudo que eu posso fazer que exija pouco investimento, que traga resultado, que reduza o passivo. E, ao trabalhar ponto a ponto, os seus interlocutores começam a entender as relações sistêmicas, porque no começo não entendem. Quando passam a entender, se preparam para outro estágio da discussão, que é a ética.
Só que estamos fazendo tudo errado. A gente vem discutindo sustentabilidade a partir da ética, como a nossa bandeira, apresentando uma agenda que está no GRI (Global Reporting Initiative), no ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), no Dow Jones Sustainability, com tudo isso misturado.
Estive na conferência do GRI agora e achei incríveis as conclusões a que chegaram aquelas 1.700 pessoas que contribuíram lendo os relatórios (das empresas). Primeira: as empresas não são transparentes, porque as questões críticas não aparecem nos relatórios. Segunda: são pouco inclusivas, porque não trazem os temas importantes dos stakeholders para debater. Terceira: são muito pouco criativas, porque os relatórios são um a cópia do outro.
Conclusão, depois de todo esse esforço, todo esse trabalho, as empresas que fizeram alguma coisa são consideradas mentirosas (não transparentes), pouco includentes e não criativas! Ou seja, é exatamente o oposto do que elas pensavam que eram quando começaram a trabalhar o relatório. E estão começando a se dar conta disso. Tanto que o relatório do HSBC deste ano tem 25 páginas. Abandonou o modelo do GRI. Então, para mim, assim como o triple botton line, esses instrumentos – o GRI, o ISE, os Indicadores Ethos, o Dow Jones – chamaram atenção para algo superimportante, de que, para ser sustentável, é preciso ter um modelo de gestão desenhado com foco na sustentabilidade. Agora, tem que olhar de novo para isso e ver qual o próximo salto.
Quando uma das pessoas lá falou que o twitter movimenta muito mais a organização dela do que o relatório, na verdade não está dizendo que o twitter movimenta, e sim que o relatório não movimenta, não leva a lugar nenhum. Eu venho defendendo muito a lógica do one page report (relatório de uma página), tenho certeza que neste espaço dá para colocar todas as questões principais, quantitativas e comparáveis.
Quando as empresas recebem esse diagnóstico de que são pouco inclusivas, mentirosas e pouco criativas, a consequência é se retraírem? Não. A começar que a Conferência era uma feira de GRI, só faltou ter boné e camiseta. Vendia-se de tudo. Sistema, consultoria, até a Tata, aquela empresa indiana, estava vendendo consultoria lá dentro. Olhei para aquele negócio e pensei: engraçado que sou um daqueles feirantes, só não estou com a minha barraca montada aqui. Então, qual a nossa responsabilidade diante disso? Se tiver que colocar pessimismo nessa história, ele está também em nossa incapacidade como agentes de mudança. Nós estamos estudando, nos aprofundando, vendo alternativas. Os outros estão procurando vender, entregar, comprar. Se nós não estamos conseguindo atuar como agentes de mudança, o problema não está só nas empresas, mas também em nossa capacidade de conseguir convencê-las.
É um problema de comunicação? É um problema de abordagem.
Qual seria a abordagem estratégica? Além do movimento dentro da empresa, tem um movimento fora das empresas que é importante. Analistas de crédito e de renda variável, por exemplo, são duas figuras-chave nesse processo. Fizemos um estudo para a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), sobre qual é o potencial da indústria de fundos para o desenvolvimento sustentável. E ele é enorme. E não por conta dos fundos éticos ou responsáveis. A enorme contribuição do analista é de avaliar a empresa sob a ótica da sustentabilidade na perspectiva econômica.
E recomendar ou não a empresa levando em conta esse atributo de sustentabilidade? Também não é isso. É assim que eles estão fazendo hoje e não leva a nada. Para o analista não interessa se o modelo da empresa é mais sustentável ou menos. Pega o setor de aviação civil. Em 2015, entra o cap de emissões da Comunidade Europeia para aviação civil. As empresas do setor terão um limite para voar. Acima de um limite terão de pagar caro para poder voar. Aí pega uma empresa em que 40% das receitas vêm da comunidade europeia. A frota é antiga e ela não tem capacidade de renová-la para reduzir emissões. Isso vai afetar custo.
Ou seja, falar em single bottom line traduz tudo isso para o analista. Exatamente. Eu não vou dizer para esse analista que o mundo está se aquecendo, que esse aquecimento provoca uma desestabilização dos ecossistemas, porque isso não o sensibiliza. É a história do playground. Puxa, que horror, como tem ser humano que não se sensibiliza com criança! Pois é, tem pior: tem ser humano que enfia agulha em criança. O ser humano é uma praga. Então, não dá tempo para reformar a alma do homem. Não é questão de concordar ou não, a questão é que essa abordagem ética vem se comprovando pouco eficiente para isso. A estratégia é fazer com que as mesmas questões que estamos colocando hoje sejam reinterpretadas e reexplicitadas pela perspectiva econômica.
Mas isso não reforça o atual modelo econômico em vez de provocar uma mudança de modelo? Não, porque tem outros atores sociais, com outros papéis sociais. Pega o caso do Greenpeace, que para mim é um modelo – o terceiro setor em geral devia se inspirar nele. O Greenpeace tem a premissa de que não aceita recurso de empresa. Isso já faz toda a diferença, ele pode bater de frente o quanto ele quiser. Pega o que ele fez com a pecuária e a história da Nestlé e o óleo-de-dendê da Malásia. Então precisa ter um conjunto de atores que trabalham no enfrentamento dessas questões, que criam essa pressão. Tem que ter os atores que lidam com os consumidores. Os que lidam com os investidores. E os que lidam com as empresas.
Eu jamais diria isso que estou te dizendo se eu estivesse falando com o Greenpeace. Eu diria: “Greenpeace, continua a fazer tudo isso que você está fazendo, porque está me dando argumentos de mercado, porque a Nestlé teve de se retratar e mudar os processos de compra de óleo-dedendê da Malásia”. Ao fazer isso, entro na empresa falando qual o impacto econômico, como tudo se liga com tudo. Não podemos ter um discurso uníssono, ao contrário, temos de ter discursos antagônicos, porque o antagonismo vai criar as pressões externas aqui para colocar lá dentro o que é importante. Pega o papel das redes sociais – é fantástico, você não controla. Elas têm sido usadas por nós como um argumento muito forte para as empresas tomarem muito cuidado com a ética, porque a chance de virar um trending topic (no twitter) é incontrolável.
A gente vê muitos sucessos de convencimento no nível de alta diretoria, mas isso fica no topo e não é internalizado. Todo o restante dos funcionários é valorizado, por exemplo, por tonelada de minério exportado e, assim, a empresa continua operando como antes. Traduz agora tudo o que você está falando para o econômico, que você vai entrar no orçamento, Capex, metas. Não precisa criar novas metas, elas já existem. O paralelo acontece na rede de catadores. Por que funcionou para o alumínio, e não para o PET? Porque não se deu sentido econômico para o PET. Então, a empresa precisa analisar qual a vantagem econômica de ser sustentável, esse é o mind set, e como mitiga riscos se não for.
E quanto às pequenas empresas, isso nem chegou nelas, não é? Imagina, está longe. A gente tem feito um teste aqui de usar essa mesma lógica para as pequenas. Exemplo. A Natura tem uma outorga de 140 mil metros cúbicos de água por ano. O Santander consome 90 mil metros cúbicos, o Itaú, 170 mil, a Companhia Suzano, 600 mil – isso em ordem de grandeza –, e começamos a pensar como trazer a pequena empresa. A gente foi estudar o Projeto Tear, que o Ethos fez, o que aconteceu e… não aconteceu.
E por que não? Uma pequena empresa é apertada pelos grandes fornecedores o tempo inteiro, tem uma carga tributária violenta, está sempre correndo atrás de tentar se manter e fazer o caixa fechar. Se precisa de banco, é uma burocracia enorme e, quando consegue, são taxas de juro absurdas, pedem garantias que ela não tem. A pequena empresa, que fatura até R$ 50 milhões por ano, é uma sobrevivente. Não adianta chegar para uma sobrevivente e apresentar uma agenda que tem valores de transparência, ética, fornecedores, clientes, meio ambiente, relação com a comunidade, com o governo. Não dá. Vamos trabalhar com elas o que é concreto, simples, rápido e traz retorno econômico.
Capítulo 1: água, energia e resíduos. Água: fomos até a Sabesp, que tem o programa Pura, de uso racional da água. Em mais de 100 aplicações que foram feitas, a redução mínima do Pura foi de 10%. Começamos a fazer conta. Pegamos os dados da Agência Nacional de Águas, segundo a qual cada empresa em média consome 5 metros cúbicos por funcionário dia. Se ligar o Pura nessa empresa, consegue-se redução mínima de 10% – sabe fazendo o quê? Regulando válvulas e caçando vazamento. Não é nada de mega-ultra-poli-penta-hipercomplexo. Quanto isso custa para a empresa? R$ 3 mil. O investimento se paga em dois meses.
Aí ligamos lé com cré. Pega uma empresa âncora, tipo Natura, 140 mil metros cúbicos. O que ela podia fazer com água, já fez. O que tem para fazer está na cadeia de produção, que é agrícola, é supercomplicado. Então fizemos assim: de quantos fornecedores pequenos a Natura precisa para que, com a redução de 10%, zere a pegada hídrica dela? Apenas 200. Fomos apresentar para o Pedro Passos: “Faz sentido?” “Faz.” Apresentei para o Roberto Klabin, para AmBev, para Unilever. “Faz sentido?” “Faz.” Voltei para a Sabesp e estamos fechando um termo. Feito isso, parte-se para o segundo capítulo, que tem menos tangibilidade: gases de efeito estufa, relação com funcionários (produtividade) e relação com clientes. É mais difícil, mas esse empresário já está mais aberto para conversar.
E depois, no terceiro e último nível, é que você fala de ética, de diversidade. Mas como temos apresentado sustentabilidade para esses caras? De cima para baixo, no caminho contrário. As empresas, fazendo seus encontros com fornecedores, ano após ano, estão fazendo uma estratégia “Forest Gump”, de contação de histórias. “Olha, nossa empresa está querendo trabalhar com sustentabilidade, olha aqui nosso código de conduta, por favor, assinem nosso novo contrato que fala que vocês não matam criancinha etc.” Sem querer, criamos um bando de burocratas da sustentabilidade, do grupo de trabalho X que vai criar um programa XPTO, que vai gerar um compromisso, voluntário, de adesão! Então, as premissas continuam válidas, sabemos onde queremos chegar, o que muda são as táticas de como chegar lá.
Uma colega minha comentava que sustentabilidade tinha virado sabão em pó, em referência à banalização da expressão e ao fato de que todo mundo usa conforme a conveniência. O Bombril agora diz na tevê que sempre foi ecológico. Considerando-se que a massificação e disseminação da mensagem e das práticas é o que a gente queria, isso é ruim ou bom? Acho que é ótimo, porque quem vai julgar se é ou não ecológico é a sociedade, de acordo com a maturidade do julgamento que ela tem. Deixa as empresas fazer greenwashing, mas elas que arquem com conseqüências e questionamentos. Não muito tempo atrás, a Uniban veio com uma campanha de que responsabilidade social era 25% de desconto na matrícula. E agora a gente está questionando se o Bombril é ou não mais ecológico que a esponja sintética. Olha como nosso senso crítico apurou. A Associação Brasileira de Anunciantes vem discutindo um código de autorregulação sobre campanhas de sustentabilidade, é o Percival Caropreso quem vem conduzindo. A Aberje, com o Cebds, lançou a cartilha para os profissionais de comunicação. São perfeitas? Não. São passíveis de manipulação e greenwashing? Claro que sim.
Uma comunicação imprecisa e distorcida sobre sustentabilidade é melhor que nada? Sim, faz parte do aprendizado e do ajustamento ético das empresas. Outros atores estão evoluindo também, as ONGs, o consumidor. Eu diria mais. Não sei se a gente vai precisar continuar usando o termo sustentabilidade. Porque todo termo traz com ele uma série de coisas penduradas, interpretações, e toma tempo para dizer o que não é.
Esta edição justamente traz esses questionamentos, qual a definição, se é preciso definir. Acho que não. Um cliente me disse uma coisa superlegal: agora o que a gente precisa trabalhar é a sintonia com a sociedade. Esta sociedade não é mais a mesma, ela está alerta. Esses últimos cinco anos foram da evolução dos instrumentos, expansão, foi um momento de separar o joio do trigo, e agora a gente está na hora de saber como usar o trigo.
O discurso do Obama teve 17 minutos, mas não tem prova maior quando você vê um presidente negro, eleito democraticamente, fazendo um discurso para o mundo, no Salão Oval – o que é simbólico, o último discurso lá foi por conta do 11 de setembro –, e ouve a fala dele. Momento 1: caracterizou o desastre como o maior da história e mostrou com precisão todos os impactos de curto, médio e longo prazo. Momento 2: disse o que nós, sociedade, estamos fazendo, quanto isso vai custar e quem vai pagar a conta – a BP, e como a BP vai pagá-la. Um dia depois, o CEO da BP vai ao Senado e diz que vai pagar a conta, US$ 20 bilhões ao longo dos anos. Momento 3: disse que não faz sentido ser um país que só produz 2% de todo o óleo que consome, manda para fora US$ 1 bilhão por dia para comprar o resto, e tem como resultado emissão de gases de efeito estufa e acidentes como esse. A China está investindo bilhões em energia renovável. “Nós temos que trazer para cá essa tecnologia, esses empregos.”
Mas Obama foi muito questionado pela mídia nos EUA por ter demorado a fazer isso que fez anteontem (mais em Coluna). Sempre terá críticas. Antes de se posicionarem, o que fizeram foi entender as causas, montar um plano de ação e fazer. Tem outro fato, que é o que já está respingando aqui na Petrobras. A estimativa é que tenha incremento significativo no custo de exploração a 6 mil metros por conta dos novos investimentos em segurança. Resumo da ópera: dizer que nada está acontecendo é não ver o que está acontecendo. Está na velocidade que precisa? Não. Mas essa evolução não é linear, é exponencial.
As discussões estão se tornando muito mais densas, mais técnicas. Hoje tivemos uma reunião em um dos principais bancos privados brasileiros com a área de renda variável. Começamos um trabalho que, se der certo, vai preparar os analistas de empresas a questionar sobre as questões de sustentabilidade que podem impactar os negócios para o bem ou para o mal. Só o fato de ter tido essa reunião, e ter se encerrado com as pessoas concordando que este é o caminho a se seguir, nem que não façam, eu já considero um avanço. Um ou dois anos atrás nem recebido por esse público a gente seria.
Mas o senhor está falando com base em uma experiência com empresas que chegam até a Origami, que já estão interessadas em sustentabilidade, senão não iam procurá-lo, certo? Nem sempre. A gente não atende empresas apenas no campo da sustentabilidade. Hoje, na minha frente, na fila do aeroporto, tinha três pessoas num debate acalorado, falando sobre o quê? Sustentabilidade. E não era ninguém de nível muito sênior. Nas escolas, várias do setor privado e público estão trazendo a temática. Você pega o Discovery Kids, que não é pra todo mundo, mas mostra que alguém já descobriu uma fórmula de traduzir isso pras crianças.
É que a necessidade de mudança é tão radical – a gente está falando em redução brutal de carbono, só para pegar um aspecto – que não dará tempo. Não vai dar tempo mesmo, isso são favas contadas, o bonde já passou. Nós vamos conviver com os impactos. Sabemos que, a partir dos impactos, os atores se reorganizam. Aquele livro A Lógica do Cisne Negro é muito interessante, mostra as grandes invertidas na lógica que o mundo teve e que os prognósticos nunca conseguem ser fortes o suficiente para conseguir prever guinadas. A gente esquece que tem muita gente trabalhando em pesquisa e desenvolvimento, é na área de polímeros, de energias, é nas estratégias de tratamento de resíduos, de novas bactérias.
E, na minha opinião, a sustentabilidade vai ter um momento pré-BP e pós-BP. Mais que a crise financeira. Principalmente em energia. Agora pegou mais no econômico, não é mais uma questão ideológica. Agora é o bolso. É a primeira vez – veja, a primeira vez – que uma empresa está sendo financeiramente e integralmente responsabilizada. Todo acidente é ruim, mas não podia ter lugar melhor para acontecer e com uma empresa dessas, pois uma petrolífera puxa diversos temas, como meio ambiente, comunidades pequenas, pescadores, ecossistemas, energias renováveis. Se tivesse acontecido no Brasil, a gente estaria sendo malhado pelo mundo, mas foi acontecer lá nos EUA, no momento em que o Obama já tinha colocado como plataforma a questão das renováveis.
Nós podemos continuar o tempo inteiro falando que, se todos consumissem a mesma coisa que os ricos, precisaríamos de dez planetas. Há quantos anos estamos falando isso e o consumo só faz crescer? Temos de ser mais inteligentes, mais criativos, e não ser chatos. É só má notícia, você é culpado de tudo, porque a humanidade vai extinguir, tem que mudar uma série de coisas que não sabe direito por que, tenta mudar, não encontra informação e aí falam: “É, a sustentabilidade não está andando, né?”
O dia que fizer de sustentabilidade um troço gostoso, lúdico, que dê tesão, tenha sentido econômico, vai andar. Tá faltando criatividade. Adorei a última campanha da Diesel: Be stupid. Eles querem dizer que o mundo tá muito chato, porque só temos smart guys, que pensam em tudo, só tomam decisões inteligentes. Mas o que fez o mundo evoluir foram os estúpidos, estupidez no sentido de romper com os esquemas vigentes, os caras que tinham bolas e não cérebros. O slogan é: “Smart guys have brains, stupid guys have balls.”
Aquela série de vídeos que a Volkswagen fez é fantástica. Para estimular as pessoas a usarem as escadas, não falou que é bom pra saúde, e, sim, fez cada degrau como se fosse uma tecla de piano. Como faz para as pessoas jogarem lixo na lixeira? Colocaram um som como se o lixo estivesse caindo num penhasco. Pimmmmmmmmmm. Um ouve, acha engraçado, outro procura um lixo no chão para jogar (assista aqui aos vídeos). Então, precisa buscar o racional do econômico, mas com uma dose de leveza e criatividade. “Economicizar” o mundo da sustentabilidade das empresas, simplificar para o que realmente importa e trazer as pessoas pro jogo não pela culpa, mas pelo prazer.
Vamos parar de fazer pesquisa do Akatu para saber todo ano que os consumidores conscientes são 5%. Vamos usar essa energia do Akatu, do Ethos, da FGV, de todo mundo, para saber como melhorar o consumo. Aí, quem sabe, a gente comece uma nova história, porque o mundo já é outro. Já sacou o que tem que fazer e agora está perguntando: como é que eu faço?