Para conquistar mais corações e mentes, o movimento da sustentabilidade precisa reaprender a comunicar. Nestes tempos de rápidas transformações culturais, o “comunicador” passa a fazer parte do processo e isso muda tudo
“Você é uma idealista sonhadora.” Cansei de ser surpreendida com frases como essas quando, em discussões sobre o atual estado do mundo, emito alguma sugestão para “resolver” o problema. No geral, os sonhadores são exatamente aqueles que se recusam a aceitar a verdade, não a minha, claro, mas a da ciência – que o aquecimento global é uma realidade e consequência da atividade humana, por exemplo. Então olho ao redor e vemos uma avalanche de informação sobre a questão socioambiental buscando encontrar ressonância no outro, tentando entrar na vida das pessoas pra fazer alguma diferença diante de tantos desafios. Fácil? Se o chamado movimento pela sustentabilidade tem um desafio hoje, este é o de fazer com que a mensagem se dissemine para além do círculo de engajados no qual foi originada – e isso tem tudo a ver com estratégia de comunicação. “Como” comunicar de forma sedutora, convincente e que realmente faça a diferença é a pergunta milionária.
Para Victor Aquino, professor titular de Estética em Publicidade da Escola de Comunicações e Artes da USP, o problema é que a comunicação de questões socioambientais empaca na pouca afinidade entre o conceito de sustentabilidade e as práticas de comunicação existentes no mercado. “As pessoas estão cansadas do bombardeio de imagens angustiantes sobre o futuro do planeta, um urso solitário em uma pequena placa de gelo. Acredito, até, que os próprios produtores das mensagens estão cansados do pouco appealing que a mensagem emana.”
Soluções como “plante uma árvore e ajude a melhorar a qualidade do ar”, repetidas à exaustão, embora continuem tão válidas quanto antes, já não motivam as pessoas e têm se mostrado pouco efetivas para envolver parcelas mais significativas da população.
Para o acadêmico, os melhores argumentos para falar com o outro daquilo que pode não lhe ser agradável – temas duros como pobreza, aquecimento global, consumismo etc. – devem assemelhar-se àqueles que a publicidade utiliza no “business as usual e merecer, por parte do produtor da mensagem, o mesmo tratamento sedutor. “É pouco eficiente, por exemplo, propagandear, de uma forma pouco sedutora, os malefícios do consumismo depois de a publicidade ter criado, por décadas e décadas, belíssimas campanhas sobre roupas, carros, joias e tantas outras coisas que as pessoas desejam.”
Aquino lembra que a estética da publicidade – que está por toda parte, em propagandas e merchandising – constrói valores e entendimentos. Nesse sentido, ele remete ao exemplo da propaganda do cigarro, que por dezenas de anos brilhou com destaque, arrebatando audiências e cooptando novos fumantes. “Hoje a propaganda de cigarros está proibida e a causa virou uma questão de saúde pública, mas não dá para ignorar o peso que a isso teve na formação do hábito nas pessoas”, diz. Para Aquino, as mesmas estratégias de sucesso que são observadas ao longo da história da publicidade podem e devem ser reproduzidas para criar outros hábitos, mas com o discurso inverso. “É preciso usar as mesmas ferramentas para mudar o jogo”, sintetiza.
Na mesma linha, Ricardo Zagallo Camargo, pesquisador do Centro de Altos Estudos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), acredita que trabalhar o conteúdo da mensagem é fundamental para que a comunicação se torne mais crível e real e, consequentemente, mais próxima das pessoas.
Podemos observar esse distanciamento comentado por Camargo – entre o que se tem a dizer e a forma como as coisas estão sendo ditas – no resultado da pesquisa realizada no início de 2011, por uma parceria entre a empresa Market Analysis e a ONG Vitae Civilis, que revelou: apenas 11,5% dos brasileiros tinham alguma informação a respeito da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
A poucas semanas da mais importante reunião sobre desenvolvimento sustentável das últimas duas décadas, a Rio+20 não atrai tantos holofotes quanto a Copa ou as Olimpíadas. Nem mesmo tendo como desdobramento das resoluções que virão efeitos muito mais profundos na vida de cada um de nós. Ficam então as questões no ar: por que tão pouca gente está interessada na Rio+20? Onde estamos errando?
Na opinião de Paulo Itacarambi, vice-presidente do Instituto Ethos, a falta de esclarecimentos que aproximam o cotidiano das pessoas aos temas que serão debatidos na Rio+20 aumenta o desinteresse da população e, em consequência, diminui a relevância da conferência para os diversos segmentos da sociedade. “As discussões ocorridas até agora têm focado apenas nas negociações, sem se preocupar em contar à sociedade sobre as mudanças que o evento poderá trazer ao mercado e à vida delas.”
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, Camargo dedica atenção especial às áreas de educação, cidadania, responsabilidade social e sustentabilidade. Anos de experiência e muitas conversas com empresários e produtores de mensagens reforçaram sua tese de que a pouca eficiência da comunicação praticada em temas nessas áreas gira em torno da falta de afinidade de muitos comunicadores com o conceito da sustentabilidade.
Essa também é a opinião do educador ambiental Mauro Soares, que abandonou o formalismo técnico das palavras “verdes” em voga – como sustentabilidade, manejo sustentável etc. – para motivar as pessoas a aderirem à causa socioambiental. “Algumas palavras são tão cheias de significado que mais confundem que explicam. Muitos não entendem o que significa ‘reduzir o consumo de insumos naturais’, mas compreendem perfeitamente a mensagem ‘fechar a torneira enquanto se escova o dente para gastar menos água.’”
Soares, que é hoje um dos integrantes da escola Ativismo e Mobilização para a Sustentabilidade [1] , também acredita que a informação deve ser trabalhada com mais cuidado pelos formadores de opinião. Segundo ele, há uma quantidade enorme de reportagens e campanhas que, no fundo, não dizem muito e, consequentemente, não tocam o outro. “A informação deve ser robusta, e não rápida e incompleta. Precisamos trabalhar com a comunicação de forma mais responsável.”
[1] A escola é uma trilha de aprendizagem coletiva para o aprimoramento de práticas e troca de experiências com foco na organização de campanhas (conteúdos, métodos, conceitos, ferramentas, estratégias)
Mas existem caminhos que podem promover melhorias na maneira como a mensagem socioambiental é passada hoje. Camargo levanta três pontos fundamentais para um desempenho mais eficiente (e responsável) da comunicação.
Primeiramente, segundo o pesquisador da ESPM, devemos tomar mais cuidado com a representação do outro, evitando os estereótipos ligados à raça, cor, credo etc. “Ainda que se ressalte a importância dos direitos da mulher, por exemplo, a publicidade vai na contramão e ajuda a cristalizar o estereótipo de mulher-objeto, por meio dos comerciais de cerveja e tantos outros,” explica. Um segundo passo é desenvolver mensagens que promovam valores como a cooperação, a solidariedade etc., usando diferentemente as mesmas ferramentas criativas das quais a publicidade e a propaganda já dispõem – como já mencionado por Aquino, da ECA.
Para o especialista, costumeiros letreiros brilhantes que envolvem as impraticáveis tarefas de salvação planetária, como “separe seu lixo, salve a Terra” não convencem e, pior, geram dúvidas em relação à causa. “É muito mais eficaz dizer que existe um problema, que sabemos qual é e que podemos ajudar a resolvê-lo aos poucos e juntos, ou seja, não eleger o cidadão comum como o salvador da pátria. Não ecoa e soa falso”, reforça.
E, em terceiro lugar, Camargo ressalta a importância de transmitir com mais realismo e, até mesmo com mais humildade, a mensagem da sustentabilidade.
Todos por todos
A comunicóloga e estrategista social Tiemi Yamashita viu na força da mobilização das instituições do Terceiro Setor algo intrigante, ao constatar que muitas organizações não têm recursos humanos, financeiros, físicos e, ainda assim, conseguem mobilizar as pessoas em torno de alguma causa. Ao questionar como isso era possível diante de tantas limitações, notou que ali havia um pulo do gato em termos de comunicação: era o simples fato de que o ponto de partida para qualquer ação de mobilização depende de que a comunicação seja feita de igual para igual.
De acordo com a consultora, a mudança de comportamento resulta desse entendimento, proporcionado pelo exercício de se colocar no lugar do outro. “Primeiramente, precisamos conhecer o outro universo, para, então, gerar empatia em relação ao nosso e, enfim, criar um vínculo entre as duas pontas, um objetivo comum.”
Em linha similar, o interesse em criar vínculos entre diferentes públicos levou a Natura a usar linguagens que aproximam o mundo dos negócios do universo das relações pessoais. Usando como ferramenta de linguagem a ideia de entrelaçamento humano por trás das cadeias produtivas, as campanhas da empresa apelam para o emocional. Em uma das peças, por exemplo, apresenta-se um morador de comunidade ribeirinha na Amazônia que diz: “Eu ajudo você a cuidar do seu banho”. Na outra ponta, o consumidor na cidade: “Eu ajudo você a cuidar da sua floresta”. Pronto: a campanha trabalhou com empatia e conseguiu formar vínculos e conexões.
“Não tem nada mais eloquente, na comunicação com o consumidor, do que convidá-lo a ser parte da solução, e não do problema”, ressalta Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura. (mais na reportagem “Táticas de campanha“) Outras formas de sensibilização, que lançam mão de poderosos instrumentos comunicadores, são trabalhadas pela turma do arteativismo, que chegou até mesmo a desenvolver uma linguagem de guerrilha (leia textos no fim da página)
Um passo atrás
Mas não se trata apenas de resolver o “como” comunicar. “O que” comunicar ainda merece atenção. Fátima Toledo, mestre em Administração de Empresas pela Eaesp-FGV e doutoranda em Antropologia Social pela USP, alerta que, se o modelo de negócio não ajuda, claro que o conceito de sustentabilidade apresentado ao público também fica deficitário. Ela se refere às inconsistências que as empresas, por exemplo, apresentam, uma vez que ainda estão ajustando suas práticas a uma mudança cultural que está em pleno processo de construção na sociedade.
As empresas precisam estar cada vez mais atentas para posicionar-se não só perante os anseios da sociedade, mas, principalmente, diante dos seus próprios comportamentos e dos eventuais passivos em sua cadeia de valor ”, diz. Mostrar coerência entre todas as etapas da cadeia de valor desde o primeiro fornecedor – e não apenas na ponta final do consumo – é uma preocupação levantada também por Vinicius Romanini, professor de filosofia e teoria da comunicação na ECA/USP.
O caso da Zara, só para citar um exemplo mais recente, é prova disso. Em 2011, equipes de fiscalização trabalhista flagraram trabalhadores estrangeiros submetidos a condições análogas à escravidão, em plena capital paulista, produzindo roupas para a badalada marca espanhola. O quadro encontrado pelos agentes do poder público incluía contratações completamente ilegais, trabalho infantil, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16 horas diárias e cerceamento de liberdade. “Os comunicadores subestimam o público. Isso é péssimo. A pessoa pode não ser um especialista de análise de mercado, mas percebe quando algo é mentiroso”, afirma Romanini.
A reportagem “Caiu na rede”, não só aborda o que seria o fim do greenwashing [2] como reforça o que a professora Fátima diz: chega o momento em que a questão é apenas comunicar uma mensagem. Nesses novos tempos, o ato de comunicar molda as próprias ações e o “comunicador” passa a fazer parte do processo. É aí que a comunicação mostra o seu grande poder transformador.
[2] Procedimento de marketing usado por organizações (empresas, governo etc.) com o objetivo de se mostrar mais adequadas sob o ponto de vista ambiental do que realmente estão
(colaborou Amália Safatle)
A poderosa ferramenta do arteativismo
Por Thaís Herrero
A arte comunica para sentidos que vão além do visual ou da audição. Quando é plena, alcança sentimentos, ideias e tem o poder de transformá-los. Por isso, a educação ambiental vale-se tanto do chamado arteativismo que une a experiência artística à causa para a qual se quer sensibilizar. “O arteativismo funciona porque a arte toca o intangível”, diz Lilian Amaral, doutora em Arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e diretora do projeto colaborativo “Museu Aberto: a cidade como museu e o museu como prática artística”. “É difícil explicar o que é a tal camada de ozônio se ninguém a toca ou a vê, mas um desenho, uma obra de arte pode comunicar isso”, exemplifica.
Um dos artistas que tratam a questão ambiental, entre outros, é Eduardo Srur. Suas obras são famosas na cidade de São Paulo por intervir no cenário habitual. Uma das mais famosas foi a instalação de garrafas PET gigantes no Rio Tietê, em 2008. Dois anos antes, tinha colocado no Rio Pinheiros manequins remando em caiaques, para chamar atenção sobre a poluição das águas da cidade.
Sua atual intervenção é um labirinto de 15 metros de comprimento e 2,4 metros de altura, formado por 50 toneladas de lixo reciclável. Durante maio, estará no Parque do Ibirapuera. Cercar as pessoas e deixá-las perdidas no meio desse resíduo provoca a reflexão sobre o que descartamos. “Minhas obras têm uma veia crítica e provocativa, para gerar um curto-circuito no cotidiano. Quero tirar o cara da cidade de uma anestesia mental.” Para que o espectador receba a mensagem, Srur explica que a arte ativista também precisa ser acessível. “Penso em quem vai ver a obra e quero atingir o maior número de pessoas possíveis.” Esse curto-circuito, para Srur, só funciona de fato se for, além de tudo, divertido. Aí, sim, transforma e forma um novo olhar. É arte em atividade. (Leia a entrevista na íntegra)
A linguagem da guerrilha: armar-se para “desarmar”
Por Ana Cristina D’Angelo
As ações arteativistas têm inspirado protestos e manifestações desde a segunda metade do século XX. Nelas se mostra como unir engajamento social e proposições artísticas. O objetivo é “desarmar” as pessoas pela sensibilização e, assim, inocular a mensagem.
Para comunicar sua mensagem, os grupos arteativistas se valem da cultura em que estão imersos e privilegiam processos de trabalho e vários campos teóricos, lançando em suas ações vocabulário vindo das “ciências de guerra”. Dois conceitos são bastante usados: táticas e estratégias, em que o primeiro diz respeito aos objetivos e o segundo são os métodos a serem empregados. “Assim, na maioria das vezes, os ativistas agem inesperadamente em contextos em que as ideias circulam livremente e podem ser multiplicáveis, especialmente com as facilidades tecnológicas”, comenta o pesquisador André Mesquita em seu livro Insurgências Poéticas – Arte Ativista e Ação Coletiva.
Os ativistas também utilizam conceitos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, construídos e pensados na obra Mil Platôs, como máquina de guerra nômade, deriva, psicogeografia e desvio. Alguns exemplos de ações nessa linha foram feitos por grupos como o Critical Art Ensemble, que, em exposições na Europa, montaram um laboratório de testes de identificação de transgênicos, desviando a função original daquele espaço. Os ativistas Forkscrew apropriaram-se de imagens publicitárias para produzir em sua estratégia de comunicaçãoguerrilha uma crítica ao confronto militar no Oriente Médio. Espalharam pôsteres nos muros e metrôs nos EUA mudando o slogan da Apple para o iPod de “10.000 músicas no seu bolso” para “10 mil iraquianos assassinados. 773 soldados norte-americanos mortos”.
Uma publicação de referência é o livro-reportagem A Guerrilha Surreal, do jornalista José Chrispiniano (Editora Conrad), que mostra as formas e meios de uma das maiores manifestações contra as instituições do poder global e um marco inspirador para ações posteriores: o protesto contra o FMI e o Banco Mundial ocorrido em Praga em 2000. O recente movimento Occupy, que começou nos Estados Unidos e rapidamente se alastrou pelo globo, é outro exemplo da lógica do ativismo contemporâneo. “O Anonymous não é um grupo fechado, mas uma ideia, e todos que compartilham dessa ideia são Anonymous, e não do Anonymous”, diz uma ativista entrevistada pela revista Fórum. (Acesse a íntegra da entrevista).
[:en]Para conquistar mais corações e mentes, o movimento da sustentabilidade precisa reaprender a comunicar. Nestes tempos de rápidas transformações culturais, o “comunicador” passa a fazer parte do processo e isso muda tudo
“Você é uma idealista sonhadora.” Cansei de ser surpreendida com frases como essas quando, em discussões sobre o atual estado do mundo, emito alguma sugestão para “resolver” o problema. No geral, os sonhadores são exatamente aqueles que se recusam a aceitar a verdade, não a minha, claro, mas a da ciência – que o aquecimento global é uma realidade e consequência da atividade humana, por exemplo. Então olho ao redor e vemos uma avalanche de informação sobre a questão socioambiental buscando encontrar ressonância no outro, tentando entrar na vida das pessoas pra fazer alguma diferença diante de tantos desafios. Fácil? Se o chamado movimento pela sustentabilidade tem um desafio hoje, este é o de fazer com que a mensagem se dissemine para além do círculo de engajados no qual foi originada – e isso tem tudo a ver com estratégia de comunicação. “Como” comunicar de forma sedutora, convincente e que realmente faça a diferença é a pergunta milionária.
Para Victor Aquino, professor titular de Estética em Publicidade da Escola de Comunicações e Artes da USP, o problema é que a comunicação de questões socioambientais empaca na pouca afinidade entre o conceito de sustentabilidade e as práticas de comunicação existentes no mercado. “As pessoas estão cansadas do bombardeio de imagens angustiantes sobre o futuro do planeta, um urso solitário em uma pequena placa de gelo. Acredito, até, que os próprios produtores das mensagens estão cansados do pouco appealing que a mensagem emana.”
Soluções como “plante uma árvore e ajude a melhorar a qualidade do ar”, repetidas à exaustão, embora continuem tão válidas quanto antes, já não motivam as pessoas e têm se mostrado pouco efetivas para envolver parcelas mais significativas da população.
Para o acadêmico, os melhores argumentos para falar com o outro daquilo que pode não lhe ser agradável – temas duros como pobreza, aquecimento global, consumismo etc. – devem assemelhar-se àqueles que a publicidade utiliza no “business as usual e merecer, por parte do produtor da mensagem, o mesmo tratamento sedutor. “É pouco eficiente, por exemplo, propagandear, de uma forma pouco sedutora, os malefícios do consumismo depois de a publicidade ter criado, por décadas e décadas, belíssimas campanhas sobre roupas, carros, joias e tantas outras coisas que as pessoas desejam.”
Aquino lembra que a estética da publicidade – que está por toda parte, em propagandas e merchandising – constrói valores e entendimentos. Nesse sentido, ele remete ao exemplo da propaganda do cigarro, que por dezenas de anos brilhou com destaque, arrebatando audiências e cooptando novos fumantes. “Hoje a propaganda de cigarros está proibida e a causa virou uma questão de saúde pública, mas não dá para ignorar o peso que a isso teve na formação do hábito nas pessoas”, diz. Para Aquino, as mesmas estratégias de sucesso que são observadas ao longo da história da publicidade podem e devem ser reproduzidas para criar outros hábitos, mas com o discurso inverso. “É preciso usar as mesmas ferramentas para mudar o jogo”, sintetiza.
Na mesma linha, Ricardo Zagallo Camargo, pesquisador do Centro de Altos Estudos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), acredita que trabalhar o conteúdo da mensagem é fundamental para que a comunicação se torne mais crível e real e, consequentemente, mais próxima das pessoas.
Podemos observar esse distanciamento comentado por Camargo – entre o que se tem a dizer e a forma como as coisas estão sendo ditas – no resultado da pesquisa realizada no início de 2011, por uma parceria entre a empresa Market Analysis e a ONG Vitae Civilis, que revelou: apenas 11,5% dos brasileiros tinham alguma informação a respeito da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
A poucas semanas da mais importante reunião sobre desenvolvimento sustentável das últimas duas décadas, a Rio+20 não atrai tantos holofotes quanto a Copa ou as Olimpíadas. Nem mesmo tendo como desdobramento das resoluções que virão efeitos muito mais profundos na vida de cada um de nós. Ficam então as questões no ar: por que tão pouca gente está interessada na Rio+20? Onde estamos errando?
Na opinião de Paulo Itacarambi, vice-presidente do Instituto Ethos, a falta de esclarecimentos que aproximam o cotidiano das pessoas aos temas que serão debatidos na Rio+20 aumenta o desinteresse da população e, em consequência, diminui a relevância da conferência para os diversos segmentos da sociedade. “As discussões ocorridas até agora têm focado apenas nas negociações, sem se preocupar em contar à sociedade sobre as mudanças que o evento poderá trazer ao mercado e à vida delas.”
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, Camargo dedica atenção especial às áreas de educação, cidadania, responsabilidade social e sustentabilidade. Anos de experiência e muitas conversas com empresários e produtores de mensagens reforçaram sua tese de que a pouca eficiência da comunicação praticada em temas nessas áreas gira em torno da falta de afinidade de muitos comunicadores com o conceito da sustentabilidade.
Essa também é a opinião do educador ambiental Mauro Soares, que abandonou o formalismo técnico das palavras “verdes” em voga – como sustentabilidade, manejo sustentável etc. – para motivar as pessoas a aderirem à causa socioambiental. “Algumas palavras são tão cheias de significado que mais confundem que explicam. Muitos não entendem o que significa ‘reduzir o consumo de insumos naturais’, mas compreendem perfeitamente a mensagem ‘fechar a torneira enquanto se escova o dente para gastar menos água.’”
Soares, que é hoje um dos integrantes da escola Ativismo e Mobilização para a Sustentabilidade [1] , também acredita que a informação deve ser trabalhada com mais cuidado pelos formadores de opinião. Segundo ele, há uma quantidade enorme de reportagens e campanhas que, no fundo, não dizem muito e, consequentemente, não tocam o outro. “A informação deve ser robusta, e não rápida e incompleta. Precisamos trabalhar com a comunicação de forma mais responsável.”
[1] A escola é uma trilha de aprendizagem coletiva para o aprimoramento de práticas e troca de experiências com foco na organização de campanhas (conteúdos, métodos, conceitos, ferramentas, estratégias)
Mas existem caminhos que podem promover melhorias na maneira como a mensagem socioambiental é passada hoje. Camargo levanta três pontos fundamentais para um desempenho mais eficiente (e responsável) da comunicação.
Primeiramente, segundo o pesquisador da ESPM, devemos tomar mais cuidado com a representação do outro, evitando os estereótipos ligados à raça, cor, credo etc. “Ainda que se ressalte a importância dos direitos da mulher, por exemplo, a publicidade vai na contramão e ajuda a cristalizar o estereótipo de mulher-objeto, por meio dos comerciais de cerveja e tantos outros,” explica. Um segundo passo é desenvolver mensagens que promovam valores como a cooperação, a solidariedade etc., usando diferentemente as mesmas ferramentas criativas das quais a publicidade e a propaganda já dispõem – como já mencionado por Aquino, da ECA.
Para o especialista, costumeiros letreiros brilhantes que envolvem as impraticáveis tarefas de salvação planetária, como “separe seu lixo, salve a Terra” não convencem e, pior, geram dúvidas em relação à causa. “É muito mais eficaz dizer que existe um problema, que sabemos qual é e que podemos ajudar a resolvê-lo aos poucos e juntos, ou seja, não eleger o cidadão comum como o salvador da pátria. Não ecoa e soa falso”, reforça.
E, em terceiro lugar, Camargo ressalta a importância de transmitir com mais realismo e, até mesmo com mais humildade, a mensagem da sustentabilidade.
Todos por todos
A comunicóloga e estrategista social Tiemi Yamashita viu na força da mobilização das instituições do Terceiro Setor algo intrigante, ao constatar que muitas organizações não têm recursos humanos, financeiros, físicos e, ainda assim, conseguem mobilizar as pessoas em torno de alguma causa. Ao questionar como isso era possível diante de tantas limitações, notou que ali havia um pulo do gato em termos de comunicação: era o simples fato de que o ponto de partida para qualquer ação de mobilização depende de que a comunicação seja feita de igual para igual.
De acordo com a consultora, a mudança de comportamento resulta desse entendimento, proporcionado pelo exercício de se colocar no lugar do outro. “Primeiramente, precisamos conhecer o outro universo, para, então, gerar empatia em relação ao nosso e, enfim, criar um vínculo entre as duas pontas, um objetivo comum.”
Em linha similar, o interesse em criar vínculos entre diferentes públicos levou a Natura a usar linguagens que aproximam o mundo dos negócios do universo das relações pessoais. Usando como ferramenta de linguagem a ideia de entrelaçamento humano por trás das cadeias produtivas, as campanhas da empresa apelam para o emocional. Em uma das peças, por exemplo, apresenta-se um morador de comunidade ribeirinha na Amazônia que diz: “Eu ajudo você a cuidar do seu banho”. Na outra ponta, o consumidor na cidade: “Eu ajudo você a cuidar da sua floresta”. Pronto: a campanha trabalhou com empatia e conseguiu formar vínculos e conexões.
“Não tem nada mais eloquente, na comunicação com o consumidor, do que convidá-lo a ser parte da solução, e não do problema”, ressalta Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura. (mais na reportagem “Táticas de campanha“) Outras formas de sensibilização, que lançam mão de poderosos instrumentos comunicadores, são trabalhadas pela turma do arteativismo, que chegou até mesmo a desenvolver uma linguagem de guerrilha (leia textos no fim da página)
Um passo atrás
Mas não se trata apenas de resolver o “como” comunicar. “O que” comunicar ainda merece atenção. Fátima Toledo, mestre em Administração de Empresas pela Eaesp-FGV e doutoranda em Antropologia Social pela USP, alerta que, se o modelo de negócio não ajuda, claro que o conceito de sustentabilidade apresentado ao público também fica deficitário. Ela se refere às inconsistências que as empresas, por exemplo, apresentam, uma vez que ainda estão ajustando suas práticas a uma mudança cultural que está em pleno processo de construção na sociedade.
As empresas precisam estar cada vez mais atentas para posicionar-se não só perante os anseios da sociedade, mas, principalmente, diante dos seus próprios comportamentos e dos eventuais passivos em sua cadeia de valor ”, diz. Mostrar coerência entre todas as etapas da cadeia de valor desde o primeiro fornecedor – e não apenas na ponta final do consumo – é uma preocupação levantada também por Vinicius Romanini, professor de filosofia e teoria da comunicação na ECA/USP.
O caso da Zara, só para citar um exemplo mais recente, é prova disso. Em 2011, equipes de fiscalização trabalhista flagraram trabalhadores estrangeiros submetidos a condições análogas à escravidão, em plena capital paulista, produzindo roupas para a badalada marca espanhola. O quadro encontrado pelos agentes do poder público incluía contratações completamente ilegais, trabalho infantil, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16 horas diárias e cerceamento de liberdade. “Os comunicadores subestimam o público. Isso é péssimo. A pessoa pode não ser um especialista de análise de mercado, mas percebe quando algo é mentiroso”, afirma Romanini.
A reportagem “Caiu na rede”, não só aborda o que seria o fim do greenwashing [2] como reforça o que a professora Fátima diz: chega o momento em que a questão é apenas comunicar uma mensagem. Nesses novos tempos, o ato de comunicar molda as próprias ações e o “comunicador” passa a fazer parte do processo. É aí que a comunicação mostra o seu grande poder transformador.
[2] Procedimento de marketing usado por organizações (empresas, governo etc.) com o objetivo de se mostrar mais adequadas sob o ponto de vista ambiental do que realmente estão
(colaborou Amália Safatle)
A poderosa ferramenta do arteativismo
Por Thaís Herrero
A arte comunica para sentidos que vão além do visual ou da audição. Quando é plena, alcança sentimentos, ideias e tem o poder de transformá-los. Por isso, a educação ambiental vale-se tanto do chamado arteativismo que une a experiência artística à causa para a qual se quer sensibilizar. “O arteativismo funciona porque a arte toca o intangível”, diz Lilian Amaral, doutora em Arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e diretora do projeto colaborativo “Museu Aberto: a cidade como museu e o museu como prática artística”. “É difícil explicar o que é a tal camada de ozônio se ninguém a toca ou a vê, mas um desenho, uma obra de arte pode comunicar isso”, exemplifica.
Um dos artistas que tratam a questão ambiental, entre outros, é Eduardo Srur. Suas obras são famosas na cidade de São Paulo por intervir no cenário habitual. Uma das mais famosas foi a instalação de garrafas PET gigantes no Rio Tietê, em 2008. Dois anos antes, tinha colocado no Rio Pinheiros manequins remando em caiaques, para chamar atenção sobre a poluição das águas da cidade.
Sua atual intervenção é um labirinto de 15 metros de comprimento e 2,4 metros de altura, formado por 50 toneladas de lixo reciclável. Durante maio, estará no Parque do Ibirapuera. Cercar as pessoas e deixá-las perdidas no meio desse resíduo provoca a reflexão sobre o que descartamos. “Minhas obras têm uma veia crítica e provocativa, para gerar um curto-circuito no cotidiano. Quero tirar o cara da cidade de uma anestesia mental.” Para que o espectador receba a mensagem, Srur explica que a arte ativista também precisa ser acessível. “Penso em quem vai ver a obra e quero atingir o maior número de pessoas possíveis.” Esse curto-circuito, para Srur, só funciona de fato se for, além de tudo, divertido. Aí, sim, transforma e forma um novo olhar. É arte em atividade. (Leia a entrevista na íntegra)
A linguagem da guerrilha: armar-se para “desarmar”
Por Ana Cristina D’Angelo
As ações arteativistas têm inspirado protestos e manifestações desde a segunda metade do século XX. Nelas se mostra como unir engajamento social e proposições artísticas. O objetivo é “desarmar” as pessoas pela sensibilização e, assim, inocular a mensagem.
Para comunicar sua mensagem, os grupos arteativistas se valem da cultura em que estão imersos e privilegiam processos de trabalho e vários campos teóricos, lançando em suas ações vocabulário vindo das “ciências de guerra”. Dois conceitos são bastante usados: táticas e estratégias, em que o primeiro diz respeito aos objetivos e o segundo são os métodos a serem empregados. “Assim, na maioria das vezes, os ativistas agem inesperadamente em contextos em que as ideias circulam livremente e podem ser multiplicáveis, especialmente com as facilidades tecnológicas”, comenta o pesquisador André Mesquita em seu livro Insurgências Poéticas – Arte Ativista e Ação Coletiva.
Os ativistas também utilizam conceitos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, construídos e pensados na obra Mil Platôs, como máquina de guerra nômade, deriva, psicogeografia e desvio. Alguns exemplos de ações nessa linha foram feitos por grupos como o Critical Art Ensemble, que, em exposições na Europa, montaram um laboratório de testes de identificação de transgênicos, desviando a função original daquele espaço. Os ativistas Forkscrew apropriaram-se de imagens publicitárias para produzir em sua estratégia de comunicaçãoguerrilha uma crítica ao confronto militar no Oriente Médio. Espalharam pôsteres nos muros e metrôs nos EUA mudando o slogan da Apple para o iPod de “10.000 músicas no seu bolso” para “10 mil iraquianos assassinados. 773 soldados norte-americanos mortos”.
Uma publicação de referência é o livro-reportagem A Guerrilha Surreal, do jornalista José Chrispiniano (Editora Conrad), que mostra as formas e meios de uma das maiores manifestações contra as instituições do poder global e um marco inspirador para ações posteriores: o protesto contra o FMI e o Banco Mundial ocorrido em Praga em 2000. O recente movimento Occupy, que começou nos Estados Unidos e rapidamente se alastrou pelo globo, é outro exemplo da lógica do ativismo contemporâneo. “O Anonymous não é um grupo fechado, mas uma ideia, e todos que compartilham dessa ideia são Anonymous, e não do Anonymous”, diz uma ativista entrevistada pela revista Fórum. (Acesse a íntegra da entrevista).