O economista John Maynard Keynes uma vez escreveu que a produção de riqueza serviria para reduzir o tempo que precisamos dedicar ao trabalho. Mas, de pobres a ricos, de assalariados a profissionais liberais, empreendedores a executivos, o que se vê, de forma generalizada, é que nunca reduzimos essa carga de forma significativa nem mesmo nos países desenvolvidos. Também não a reduzimos apesar da multiplicação do PIB no mundo, dos enormes avanços tecnológicos e dos crescentes ganhos de produtividade.
Como pôde Keynes errar tanto a sua previsão, indagou André Lara Resende em artigo publicado no jornal Valor, intitulado “Além da Conjuntura”. Ao contrário do que se previa, o trabalho na sociedade contemporânea ganhou lugar de peso na vida das pessoas, que buscam nele até mesmo algum sentido para sua existência. E esta seria uma das razões pelas quais trabalhamos tanto. Como escreve Resende, o próprio Keynes antecipou que, quando o homem precisasse trabalhar menos, se confrontaria com um problema: o que fazer com a liberdade, o que fazer com o tempo livre.
O próprio sistema capitalista vale-se deste questionamento para se manter: o capitalismo se alimenta de inventar falsas necessidades, itens desnecessários sem os quais as pessoas não suportam viver e em torno dos quais constroem seus projetos e preenchem suas vidas e salas de jantar – ocupadas em nascer, morrer… e consumir. E, assim, trabalhamos muito para comprar muito, mesmo aquilo que no fundo não precisamos. Esta é uma sociedade de excessos, e por isso cabe cada vez menos neste pequeno mundo finito.
Vejam a inversão: em vez de a geração de riqueza servir para trabalharmos menos, trabalhamos muito para gerar riqueza. Como escreve Gisele Neuls na edição de fevereiro de Página22, a cultura de acumulação do capitalismo é apontada como maior das razões para o excesso de trabalho.
No Brasil ainda há outras causas, como os 300 anos de escravidão e a cultura da imigração, que encontrou no trabalho a forma de se constituírem dignamente em outro país. Some-se a isso o desequilíbrio nas jornadas de trabalho, com pessoas trabalhando muitas horas por dia, em plena mais-valia, cumprindo tarefas de duas ou mais pessoas, enquanto outras se acumulam em filas à busca de emprego.
Uma reorganização desse tempo, com jornadas menores, criaria oportunidades de trabalho para mais gente, reduzindo o desemprego. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a redução da jornada legal em quatro horas poderia gerar mais de 2 milhões de novos postos de trabalho – desde que acompanhada de regras mais rígidas acerca das horas extras e dos bancos de horas.
Mas quem está disposto a trabalhar menos – e consequentemente a ganhar menos? Sem falar na cultura competitiva, segundo a qual o colega ao lado não perderia uma oportunidade de ocupar o seu espaço. Gerir melhor esse tempo é mais complexo do que parece: implica em encontrar novos sentidos para a vida, e resignificar aspectos além do consumo e do trabalho, como o tempo livre, o relacionamento com os amigos e a família, o lazer, as atividades compartilhadas, a voluntariedade.
Enquanto isso, o mundo se esfalfa em trabalhar para manter um sistema desigual. Mantido o atual ritmo, levará apenas duas décadas para a economia dobrar de tamanho, escreve Thaís Herrero também em Página22 . Apesar do crescimento econômico robusto, observado especialmente a partir da década de 1950, 45% da população mundial (sobre)vive com menos de US$ 2 por dia. Segundo o relatório Growth Isn’t Working, a cada US$ 100 de crescimento global, apenas US$ 0,60 chegou aos pobres, entre 1990 e 2001.
Se trabalhamos tanto para gerar riqueza, de nada adianta o esforço se esta não for melhor distribuída. Na medida que as distorções forem sanadas, ganharemos tempo e espaço para cultivar na vida o que nos é mais caro e essencial. Mas isso só se nós quisermos.
*Texto publicado originalmente no Terra Magazine