Ao se reportar impactos socioambientais negativos e positivos da atividade produtiva nos balanços corporativos, os instrumentos financeiros e econômicos passam a jogar a favor da sustentabilidade
Por Roberto Waack*
Externalidades: “sustentáticos” são profícuos criadores de vocábulos e conceitos. Mas, desta vez, vale a pena explorar com atenção essa onda. Parece ter se firmado o reconhecimento, óbvio, de que atividades produtivas causam externalidades. Positivas e negativas, das mais diversas naturezas. Entre elas, impactos na utilização de recursos naturais, benefícios e prejuízos sociais, que cada vez mais passam a ser contabilizados nos balanços corporativos.
O tema foi amplamente discutido na última reunião da Global Reporting Initiative (GRI), em Amsterdã, com o lançamento dos relatórios G4 – a quarta versão do guia que indica como relatar questões relativas à sustentabilidade. Enquanto isso, o Relatório Integrado, que reúne informações financeiras, ambientais e sociais em um só documento, consolida-se (ver reportagem “A vida (mais próxima de) como ela é”, edição 55). Há poucos meses, a revista The Economist organizou um evento em Estocolmo para tratar do valor de florestas, buscando ir além dos tradicionais componentes monetizáveis como a madeira. Grosso modo, monetizável é o que pode ser traduzido em dinheiro.
Os avanços vêm do mundo financeiro e da contabilidade. A relação de externalidades com o valor das empresas parece ser o nome do jogo. A onda da monetização de externalidades ainda se depara com frustrantes iniciativas da criação de um mercado associado a emissões de gases de efeito estufa, passando pela interessante abordagem da The Economics of Ecosystems and Biodiversity (Teeb), até os recentes esforços no mundo dos recursos hídricos. O desafio é considerar externalidades não monetizáveis como elementos que afetam o valor econômico.
Ao mesmo tempo, práticas inaceitáveis no campo socioambiental causam danos reputacionais e de marca absolutamente tangíveis e de grande monta a organizações bastante conhecidas. Como externalidades afetam o valor das organizações (para cima ou para baixo), é objeto de esforços dos principais players do mundo financeiro. Sim, ganha força a hipótese de que serão os contadores que salvarão o mundo.
Passivos morais transformam-se em legais e consequentemente passam a ser mensuráveis e contabilizáveis nos balanços e valorizações de empresas. A incorporação de danos socioambientais, diretos ou indiretos, incluindo a cadeia de suprimentos e o ciclo de vida de produtos, mudam as equações formadoras de custos. Os conceitos de true cost e true price tomam corpo. Seguradoras, empresas de consultoria, agências de rating (que avaliam a capacidade de pagamento de organizações e países), investidores e gestores de capital financeiro estão cada vez mais envolvidos com o tema. O horizonte de análises financeiras se alonga e novas abordagens são discutidas.
Vale a pena visitar iniciativas como a do E-Risc, conduzidas pela Unep Finance Initiative (iniciativa financeira ligada ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), em conjunto com o Global Footprint Network (que mede a pegada ecológica), para análise de risco de crédito soberano, com desenvolvimento de equações inovadoras. A palavra chave aqui é materialidade, ou seja, aquilo que é tangível, substancial – um passo intermediário entre o reconhecimento de externalidades e monetizações.
Para citar uma de várias evidências, a Goldman Sachs elevou de 7 para 400 o número de analistas dedicados a análises ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês), ou um terço do esforço analítico dessa tradicional companhia financeira. Entre outros fatores, o motivo desse processo associa-se ao aumento do tempo do prazo de permanência de investidores em negócios, com maior exposição a riscos e benefícios não normalmente considerados em análises de curto prazo. Os chamados long term fundamentals, ou fundamentos de análise de longo prazo, crescem em importância no mundo dos investimentos tradicionais.
Uma interessante discussão da reunião da GRI abordou aspectos como a heterogeneidade de agentes do setor financeiro, destacando as diferenças entre empreendedores detentores de ações (que assumem mais risco), investidores de longo prazo (mais pacientes com flutuações circunstanciais de mercado), e gestores transitórios de capital (que entram no negócio e saem logo que há oportunidade de realizar lucros). O mesmo tema foi tangenciado em recente evento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) sobre governança e sustentabilidade.
Externalidades entram cada vez mais nesse jogo. O espectro de criação e degradação de valores econômicos assenta-se em uma mistura de elementos tangíveis, monetizáveis, com componentes intangíveis, em grande parte associados à capacidade de identificação e leitura de sinais emanados por stakeholders e ao alinhamento de visões e estratégias com estes diversos grupos da sociedade.
* ROBERTO WAACK É PRESIDENTE DA AMATA, EMPRESA DO SETOR FLORESTAL, E MEMBRO DO CONSELHO INTERNACIONAL DA GRI
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Eduardo Shor em “As muitas bandeiras deste país”
Ignacy Sachs em “Rumo à agricultura plurifuncional”