Sinal de alimentação rica e diversificada, um prato bem colorido está no receituário dos nutricionistas. Mas o que eles diriam do grande prato do qual a população global se alimenta?
Um estudo publicado no início deste mês na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, dos Estados Unidos, demonstrou cientificamente e de maneira minuciosa o que especialistas já anunciavam: nos últimos 50 anos, o cardápio ficou cada vez mais similar ao redor do mundo, composto basicamente de poucas espécies “globais”: trigo, milho e soja, além de carne e produtos lácteos.
Isso que podemos chamar de “dieta globalizada” permitiu ao mundo produzir mais comida, mas com bem menos diversidade e muito mais riscos associados para a produção agrícola e a nutrição humana.
Esses alimentos são fundamentais para o combate à fome no mundo: a produção em larga escala reduz custos e permite a mais gente acessar fontes de calorias, proteínas e gorduras. Mas isso se dá em detrimento ao consumo de outros grãos nutritivos, de legumes e variedades locais – o que acaba por acelerar o aumento mundial da obesidade, de doenças cardíacas e da diabetes, além de enfraquecer a agricultura familiar.
É o que alerta o autor do estudo Colin Khoury, cientista do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat), que por sua vez é membro do CGIAR, um consórcio global de pesquisa sobre o futuro da segurança alimentar.
O curioso nessa história é que justamente a produção em larga escala, com plantio em monoculturas sob forte aparato tecnológico, foi o que possibilitou à chamada Revolução Verde fazer frente ao crescimento populacional, produzindo comida para saciar o número maior possível de bocas e assim garantir a segurança alimentar. Mas eis que esse velho modelo é posto em cheque justamente pelos riscos que venha trazer à essa segurança.
Colocar os ovos na mesma cesta é outra expressão que cabe nesse cenário. Quanto maior o investimento em poucos “ativos”, maior o risco associado – o que se traduz em perdas devido ao clima, às doenças e ao ataque de pragas.
Esse risco, aponta o relatório, é potencializado em um cenário de mudança climática, que pressupõe maior ocorrência de eventos extremos como escassez hídrica e um lado e excesso de chuvas de outro, picos de temperatura de um lado, e frio intenso de outro. Uma das estratégia de adaptação à mudança climática é justamente reduzir as vulnerabilidades, e quanto mais diversidade, maior a resiliência. Mas não é o caminho que a produção de alimentos está tomando.
O autor destaca que as mudanças na dieta documentadas no estudo resultam de forças econômicas e sociais como as vivenciadas em países em desenvolvimento, onde o aumento da renda proporcionou a um número maior de consumidores incluir em seus cardápios quantidades maiores de produtos de origem animal, além de gorduras e açúcares, passando a sofrer das doenças decorrentes da superabundância – seguindo o exemplo dos emblemáticos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a urbanização e o crescente trabalho fora de casa levou ao maior consumo de alimentos processados e rápidos.
A boa notícia é que no Norte da Europa já são detectadas tendências que apontam para um consumo maior de cereais e vegetais, e menor de carne, açúcar e gordura.
O difícil será generalizar essa tendência. Sal, açúcar e gordura são ingredientes baratos e por isso usados sem dó na produção alimentícia em larga escala, que precisa atender às expectativas de lucros crescentes.
Reeducar o paladar das pessoas não será tarefa fácil enquanto a indústria de alimentos e os investidores que compram as ações dessas empresas não forem levados de alguma forma a rever suas cozinhas – seja por campanhas de saúde que alertem a opinião pública para esses males, seja por medidas regulatórias que enfrentem o lobby das empresas, seja pela crescente rejeição dos consumidores a algo que faz mal a si mesmo e ao meio onde se vive.
*Texto originalmente publicado no Blog da Amália Safatle no Terra Magazine