Olha isso!
Imagine um animal que realiza rituais fúnebres, chorando a morte de um parente próximo; reconhece-se no espelho; brinca e entretém seus colegas; automedica-se; imita sons e gestos; identifica melodias e toca instrumentos musicais; tem habilidade no uso de ferramentas etc. Falo dos elefantes, claro.
Entre os elementos comuns às grandes religiões monoteístas nascidas no Oriente Médio, está a noção de excepcionalidade da espécie humana diante das demais. Para o especialista em primatologia e etologia da Universidade Emory (EUA) Frans de Waal, o equívoco é compreensível: rodeados de camelos, cobras e escorpiões, as antigas tribos nômades deviam mesmo se considerar a última Coca-Cola do Deserto da Judeia. Já religiões com origem na Ásia, cujos povos conviveram com outros primatas, a relação homem-animal tende a ser bastante distinta (incluindo divindades animais).
Pesquisadores de comportamento animal (etologistas) desafiam a noção de que alguns comportamentos atribuídos a nós sejam de fato uma exclusividade da espécie humana. Para De Waal, o que chamamos de “moral” – incluindo noções de reciprocidade, empatia e justiça – também está presente em outras espécies de primatas (leia mais sobre Etologia em “Senhores das causas impossíveis”).
Em sua palestra TED, De Waal cita um clássico experimento de reciprocidade, no qual dois chimpanzés precisam puxar juntos cordas ligadas a um pesado cesto de comida. Mesmo quando um dos chimpanzés havia sido alimentado antes (e, portanto, não tinha interesse na tarefa), ele atendia aos pedidos do outro e ajudava seu companheiro a resgatar o cesto. A retribuição do favor poderia vir posteriormente.
Outro experimento demonstrou empatia por “contágio do bocejo”: um chimpanzé observa uma animação computadorizada de outro chimpanzé bocejando e começa a bocejar em seguida. Além do bocejo, outros mecanismos de “sincronização” social e demonstração de empatia foram observados também em primatas não humanos, como o riso.
Outros experimentos testam seu senso de justiça: em um deles, ao final da realização de uma simples tarefa, dois chimpanzés em jaulas vizinhas podiam dar ao pesquisador fichas “egoísticas”, pelas quais só ele recebia comida, ou “pró-sociais”, pelas quais ambos recebiam comida. Chimpanzés preferiram claramente as fichas “pró-sociais” (um pouco menos quando eram pressionados ou ameaçados por seus vizinhos). Experimentos similares realizados com outros primatas (ex.: macacos-prego) e até mesmo cachorros e pássaros tiveram resultados similares.Empatia e comportamento pró-social já foram identificados em ratos.
Mas, antes que nos empolguemos muito com nossos companheiros morais, uma ressalva: esse comportamento costuma se mostrar enviesado em favor de membros da mesma espécie. Mais ainda, do mesmo grupo: como mostrei na coluna da edição 75, nossa disposição em ajudar um torcedor ferido diminui pelo simples fato de ele estar vestindo a camisa de um time adversário. Nossa moralidade (a de todos os animais) ainda tem muito o que evoluir.
*Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP