A futura geração lá de casa, a Luisa, já participou de mutirão para catar lixo em leito seco do rio, de maratona ciclística, de plantio de horta. Aprendeu a seguir pegadas numa reserva de observação de pássaros, perto de casa, e leva os restos orgânicos para compostar no quintal. Dá bronca no pai quando deixa de apagar a luz do banheiro ao sair. No outro dia reclamou que não queria mandar para a reciclagem os potes king-size de iogurte – “mãe, o certo é reaproveitar!” Numa rara exposição à propaganda televisiva, encantou-se com uma boneca: “mãe, se você encontrar uma destas para vender de segunda mão, compra para mim?”
Parece delírio de mãe coruja, certo? Pois não é. Sempre achei que seria problemático criar uma filha na pátria-mor do consumismo, com um fast-food em cada esquina e uma abundância surreal de bugigangas plásticas Made in China. Mas a verdade é que aqui, em se querendo e buscando, não faltam instrumentos para incutir uma noção sólida de cidadania nos pequenos.
A começar pela exposição ao mundo natural. Moro a uma distância caminhável de cinco parques e reservas naturais – sim, cinco, você leu direito. Meu favorito é uma grande reserva de observação de aves, que inclui um banhado e muitas flores silvestres. O contato com animais silvestres é constante. Tenho esquilos no meu quintal. Dias atrás, visitando a família do meu marido em Ohio, perto do Canadá, vi uma família de veados pastando numa boa. E o que dizer de um amigo de Santa Fe, no estado de New Mexico, onde morei até dois anos atrás, que se deparou com um urso no quintal de casa? Tudo em pleno perímetro urbano.
Eu sou provavelmente da última geração de paulistanos que conseguiram brincar de taco e futebol na rua. Sou do tempo em que você ainda via carroças de traçã0 animal em bairros relativamente centrais. Mesmo assim, nunca vi galinha, bode ou animal selvagem perto de casa. Nem rio limpo. Nem piquenique em beira de rio. Pois estas são experiências quase cotidianas para a Luisa.
A ideologia não passa apenas pelo contato direto com a natureza. As escolas que ela frequentou são tão engajadas no debate ambiental que até cansam. Na pré-escola, as crianças faziam sua própria massa de modelar (biodegradável), que reutilizavam por meses. Agora, numa escola pública, ela sai periodicamente com a classe para acompanhar a evolução das árvores no bairro ao longo das quatro estações.
Nesse processo, eu também me eduquei. Com a Luisa, aprendi ou confirmei conceitos que me parecem essenciais para quem lida com educação ambiental:
1) Mimetizar para seduzir – Para tocar seu interlocutor, não tem jeito: você tem que usar a sua linguagem. Meus 7 anos na finada Gazeta Mercantil já tinham me ensinado que não adianta falar de panda, mico-leão e outros bichos fofinhos para um empresário. Se você quer que ele invista em sustentabilidade, vai ter de mostrar que o seu concorrente está ganhando dinheiro ou diminuindo os seus riscos graças a seus investimentos em controle da poluição, ou que os riscos de imagem e perda de mercado serão grandes se ele não tratar seus funcionários com decência. No caso da Luísa, eu dou uma de Walt Disney. Conto como é a vida das plantas e dos bichos, como são suas famílias, o que eles comem, que passam fome quando não tem folhas nas árvores. Também vamos para o mato e procuramos coisas bonitas para cheirar e observar. Ela adora pegar folhas caídas e pedras para a sua coleção.
2) Vá com o fluxo – Livros de educação infantil costumam sugerir que você fale de sexo com seus filhos de acordo com a evolução da sua curiosidade. Se perguntar, responda a verdade. Se não perguntar, é por que não está pronto. Com sustentabilidade e os outros temas complexos da vida – diversidade humana, pobreza, mortalidade -, acontece o mesmo. Tem que esperar a criança chegar no ponto para as conversas mais difíceis, aquecimento global, desmatamento e quetais. Mas os pais têm, também, que estar atentos para não perder as oportunidades que se apresentam.
3) Qualquer hora é hora – Educação se faz com a sobreposição de oportunidades para pensar e debater temas recorrentes. Como a Luisa está sempre rodeada pela natureza e imersa no debate ambiental, a conversa evolui naturalmente. Mas quem vive num ambiente urbano mais inclemente também tem muitas oportunidades de educar as crianças. Se você reservar as conversas sobre sustentabilidade para aquela visita anual ao Jardim Botânico, perderá oportunidades de ouro no cotidiano. Engajamento tem que ser feito aqui e agora, na hora de jogar as cascas de ovo no lixo ou de comprar comida no supermercado.
4) Efeito multiplicador – Qualquer um que acompanhou o efeito viral que tornou o longa de animação “Frozen”, um fenômeno de bilheteria, entende o poder multiplicador que as crianças têm. Para o bem e para o mal. Eu percebo como a Luisa, que é um ser muito sociável, ajuda a engajar outras crianças. Também vejo como ela pode ser influenciada por crianças mega-consumistas. Tempos atrás, saí para tomar um sorvete com ela e uma amiga dela. No caminho, entramos numa loja de souvenirs e porcariazinhas charmosas. A Luisa já sabe como isso funciona: entramos, olhamos, nos divertimos com as ideias e saímos. Já a amiga dela ficou injuriada: “como assim? Vamos sair sem comprar nada?” Daí que você tem que ficar esperto e explicar para o seu filho que cada família tem seu modelo e que o da sua não é por aí.
5) Não há batalha ganha – Educação é como irrigação por gotejamento. Tem que estar sempre lá, martelando um pouquinho todos os dias. Com a Luisa, foco mais na lógica do que na informação. Em vez de jogar a informação, gosto de pedir para que ela saque como os ciclos biológicos funcionam, como os animais interagem. Quando não estiver por perto, é isso que quero que ela leve consigo. Funcionamento de estômato e papila gustativa eu deixo para a escola, que tem capacidade de ensinar essas coisas melhor do que eu.
Essa é a minha história. E você, o que aprendeu com as crianças da sua vida?[:en]
A futura geração lá de casa, a Luisa, já participou de mutirão para catar lixo em leito seco do rio, de maratona ciclística, de plantio de horta. Aprendeu a seguir pegadas numa reserva de observação de pássaros, perto de casa, e leva os restos orgânicos para compostar no quintal. Dá bronca no pai quando deixa de apagar a luz do banheiro ao sair. No outro dia reclamou que não queria mandar para a reciclagem os potes king-size de iogurte – “mãe, o certo é reaproveitar!” Numa rara exposição à propaganda televisiva, encantou-se com uma boneca: “mãe, se você encontrar uma destas para vender de segunda mão, compra para mim?”
Parece delírio de mãe coruja, certo? Pois não é. Sempre achei que seria problemático criar uma filha na pátria-mor do consumismo, com um fast-food em cada esquina e uma abundância surreal de bugigangas plásticas Made in China. Mas a verdade é que aqui, em se querendo e buscando, não faltam instrumentos para incutir uma noção sólida de cidadania nos pequenos.
A começar pela exposição ao mundo natural. Moro a uma distância caminhável de cinco parques e reservas naturais – sim, cinco, você leu direito. Meu favorito é uma grande reserva de observação de aves, que inclui um banhado e muitas flores silvestres. O contato com animais silvestres é constante. Tenho esquilos no meu quintal. Dias atrás, visitando a família do meu marido em Ohio, perto do Canadá, vi uma família de veados pastando numa boa. E o que dizer de um amigo de Santa Fe, no estado de New Mexico, onde morei até dois anos atrás, que se deparou com um urso no quintal de casa? Tudo em pleno perímetro urbano.
Eu sou provavelmente da última geração de paulistanos que conseguiram brincar de taco e futebol na rua. Sou do tempo em que você ainda via carroças de traçã0 animal em bairros relativamente centrais. Mesmo assim, nunca vi galinha, bode ou animal selvagem perto de casa. Nem rio limpo. Nem piquenique em beira de rio. Pois estas são experiências quase cotidianas para a Luisa.
A ideologia não passa apenas pelo contato direto com a natureza. As escolas que ela frequentou são tão engajadas no debate ambiental que até cansam. Na pré-escola, as crianças faziam sua própria massa de modelar (biodegradável), que reutilizavam por meses. Agora, numa escola pública, ela sai periodicamente com a classe para acompanhar a evolução das árvores no bairro ao longo das quatro estações.
Nesse processo, eu também me eduquei. Com a Luisa, aprendi ou confirmei conceitos que me parecem essenciais para quem lida com educação ambiental:
1) Mimetizar para seduzir – Para tocar seu interlocutor, não tem jeito: você tem que usar a sua linguagem. Meus 7 anos na finada Gazeta Mercantil já tinham me ensinado que não adianta falar de panda, mico-leão e outros bichos fofinhos para um empresário. Se você quer que ele invista em sustentabilidade, vai ter de mostrar que o seu concorrente está ganhando dinheiro ou diminuindo os seus riscos graças a seus investimentos em controle da poluição, ou que os riscos de imagem e perda de mercado serão grandes se ele não tratar seus funcionários com decência. No caso da Luísa, eu dou uma de Walt Disney. Conto como é a vida das plantas e dos bichos, como são suas famílias, o que eles comem, que passam fome quando não tem folhas nas árvores. Também vamos para o mato e procuramos coisas bonitas para cheirar e observar. Ela adora pegar folhas caídas e pedras para a sua coleção.
2) Vá com o fluxo – Livros de educação infantil costumam sugerir que você fale de sexo com seus filhos de acordo com a evolução da sua curiosidade. Se perguntar, responda a verdade. Se não perguntar, é por que não está pronto. Com sustentabilidade e os outros temas complexos da vida – diversidade humana, pobreza, mortalidade -, acontece o mesmo. Tem que esperar a criança chegar no ponto para as conversas mais difíceis, aquecimento global, desmatamento e quetais. Mas os pais têm, também, que estar atentos para não perder as oportunidades que se apresentam.
3) Qualquer hora é hora – Educação se faz com a sobreposição de oportunidades para pensar e debater temas recorrentes. Como a Luisa está sempre rodeada pela natureza e imersa no debate ambiental, a conversa evolui naturalmente. Mas quem vive num ambiente urbano mais inclemente também tem muitas oportunidades de educar as crianças. Se você reservar as conversas sobre sustentabilidade para aquela visita anual ao Jardim Botânico, perderá oportunidades de ouro no cotidiano. Engajamento tem que ser feito aqui e agora, na hora de jogar as cascas de ovo no lixo ou de comprar comida no supermercado.
4) Efeito multiplicador – Qualquer um que acompanhou o efeito viral que tornou o longa de animação “Frozen”, um fenômeno de bilheteria, entende o poder multiplicador que as crianças têm. Para o bem e para o mal. Eu percebo como a Luisa, que é um ser muito sociável, ajuda a engajar outras crianças. Também vejo como ela pode ser influenciada por crianças mega-consumistas. Tempos atrás, saí para tomar um sorvete com ela e uma amiga dela. No caminho, entramos numa loja de souvenirs e porcariazinhas charmosas. A Luisa já sabe como isso funciona: entramos, olhamos, nos divertimos com as ideias e saímos. Já a amiga dela ficou injuriada: “como assim? Vamos sair sem comprar nada?” Daí que você tem que ficar esperto e explicar para o seu filho que cada família tem seu modelo e que o da sua não é por aí.
5) Não há batalha ganha – Educação é como irrigação por gotejamento. Tem que estar sempre lá, martelando um pouquinho todos os dias. Com a Luisa, foco mais na lógica do que na informação. Em vez de jogar a informação, gosto de pedir para que ela saque como os ciclos biológicos funcionam, como os animais interagem. Quando não estiver por perto, é isso que quero que ela leve consigo. Funcionamento de estômato e papila gustativa eu deixo para a escola, que tem capacidade de ensinar essas coisas melhor do que eu.
Essa é a minha história. E você, o que aprendeu com as crianças da sua vida?