
A Nicarágua será cortada ao meio por um gigantesco canal, uma passagem para cargueiros do Caribe para o Pacífico, similar ao Canal do Panamá. O projeto, que inclui dezenas de obras acessórias – dois portos em águas profundas, um oleoduto, cimenteiras, uma hidrelétrica, um aeroporto, estradas, resorts turísticos, zonas francas e uma ferrovia – está orçada em US$ 50 bilhões, quase cinco vezes o PIB nicaraguense. O grupo chinês HKND, que ganhou do governo uma concessão de 50 anos para construir e operar o canal, pretende começar a construção até o final deste ano e terminar até 2020. O canal da Nicarágua deverá ter 278 quilômetros, mais de 200 quilômetros mais extenso e três vezes mais largo que o do Panamá. O presidente Daniel Ortega, no poder desde 2007, tem defendido o projeto como uma possível cura para a miséria no país, um dos mais pobres da América Latina.
A obra tem dividido opiniões e atraído críticas de cientistas que tiveram acesso ao seu Estudo de Impacto Ambiental. Pesquisadores de vários países, reunidos na Universidade Internacional da Florida para avaliar o EIA do projeto, elaborado pela ERM, divulgaram uma nota no mês passado em que consideram os dados divulgados escassos e preocupantes.
“Há muitos sinais de problemas”, disse Todd Crowl, diretor do Southeastern Environmental Research Center da universidade, que liderou essa avaliação, a convide da ERM, que ofereceu para análise um rascunho avançado do estudo. Em entrevista ao website Think Progress, ele lembrou que a Nicarágua tem enfrentado temporadas de seca muito intensas nos últimos anos. “Provavelmente não há água suficiente [na região]. Se você associar isso à estiagem que temos tido, e com as mudanças climáticas…esse é um problema realmente grande”. Além de temer comprometimento da qualidade e do volume da água disponível para a população, Crowl e os outros cientistas elencam uma série de riscos ambientais. Dentre eles, a ameaça à biodiversidade das áreas atravessadas pelo canal, onde vivem espécies já ameaçadas, como onças, macacos-aranha e tubarões de água doce. O traçado também poderá comprometer áreas protegidas, inclusive corredores importantes de imigração, e destruir 193 mil hectares de florestas naturais. Mas um dos seus impactos de maior magniture será sobre o Lago Nicarágua, maior reserva de água doce da AméricaCentral, que será cortado pelo canal. Por ser relativamente raso, ele terá de ser submetido a inúmeras dragagens. Isso demandará o deslocamento de 5 bilhões de metros cúbicos de lodo. Pelas contas do diário americano em espanhol El Nuevo Herald, seria o suficiente para cobrir completamente a Disney World, na Florida, deixando apenas a ponta da torre do castelo de Cinderela de fora. O projeto também tem recebido críticas dos que entendem que ele não será economicamente viável, por competir com o Canal do Panamá, que passou recentemente de uma expansão.