[Foto: Montagem do cinema em praia do Rio Arapiuns, no Pará/Agência Moby Dick]
O fotógrafo e jornalista Oliviero Pluviano criou o Projeto Fitzcarraldo para realizar seu sonho de proporcionar cinema e cultura, em diversos formatos, aos povos indígenas e comunidades ribeirinhas da Amazônia. A bordo do barco Gaia, ele já levou seus espetáculos para mais de 80 cidades. Para este ano, está programada uma pocket ópera de O Barbeiro de Sevilha e também a distribuição de dicionários em Nheengatu, com o objetivo de preservar esse idioma que ainda é falado por mais de 20 mil índios da região amazônica.
Nascido em Gênova, onde se formou em Filosofia, Oliviero Pluviano vive no Brasil há 30 anos. Estudou flauta transversal e piano, apresentou-se e compôs músicas para o Teatro dell’Archivolto. Trabalhou na revista da BBC, World, na italiana Tutto Turismo, e na Agência Nacional de Notícias Italiana (Ansa). Hoje é curador dos projetos 100 Nonni e Nonni di São Paulo, que busca preservar a memória dos últimos avôs e avós imigrantes italianos.
Confira a entrevista:
O senhor é criador do Projeto Fitzcarraldo. Como surgiu essa iniciativa?
Eu tenho o barco Gaia desde 2004. Nessa época, ajudamos muito em campanhas de vacinação de crianças na região do Tapajós. Por ser um barco rápido, também salvou muitos caçadores picados por cobra. O Projeto Fitzcarraldo veio depois, em 2011, pois queria levar cinema e cultura, englobando teatro, marionetes, ópera lírica e oficinas de diversas técnicas, às comunidades indígenas e ribeirinhas da Amazônia. O Gaia fica geralmente ancorado em Santarém ou Alter do Chão. A partir dessas cidades, percorremos os rios Tapajós, Arapiuns, Amazonas, Paru e o Lago Grande de Curuai para exibir espetáculos às comunidades ribeirinhas.
Por que o nome do projeto foi inspirado no filme Fitzcarraldo?
Levar ópera à Amazônia remonta ao enredo do filme Fitzcarraldo, do produtor e diretor Werner Herzog, considerado um clássico dos anos 1980. Interpretado pelo ator Klaus Klinsk, Fitzcarraldo era um homem extremamente determinado e que lutou de todas as formas para construir uma casa de ópera no meio da floresta amazônica. Foi o sonho desse personagem que me inspirou a batizar o projeto cultural com o nome do filme.
Quantas cidades o projeto já visitou?
Desde 2011, mais de 80 cidades já foram visitadas, em 18 expedições do Gaia.
Que tipo de espetáculo você levam até essas comunidades ribeirinhas?
Exibições de filmes, por exemplo, foram inúmeras. Mas, além do cinema, podemos destacar as apresentações de 2017, quando levamos às cidades ribeirinhas do Arapiuns o boneco napolitano Pulcinella, com Bruno Leone, um dos últimos a preservar essa arte, que tem origem nos anos 1300. E, no ano passado, o Gaia transportou, pela mesma região, dois cantores líricos de Modena (Itália), Claudio Mattioli e Massimiliano Barbolini (tenor ex-aluno de Luciano Pavarotti), que cantaram óperas nas comunidades.
Quais os planos do Projeto Fitzcarraldo para este ano?
Para este ano, o Projeto Fitzcarraldo planeja duas viagens. Uma pelo Rio Amazonas, com um conjunto de músicos brasileiros e a cantora italiana Barbara Casini, para apresentações de jazz, carimbó e frevo em duas aldeias do Arapiuns, Alter do Chão, Santarém, Juruti, Óbidos, Parintins, Maués, Itacoatiara e Manaus. A segunda será uma turnê que começará em Belém, no Pará, e será finalizada em Manaus. Totalizando dez cidades, a programação prevê uma pocket ópera de O Barbeiro de Sevilha, de Gioacchino Rossini, com sete músicos de cordas brasileiros, cantores ítalo-brasileiros e cenografia dos artesãos de Parintins, no Amazonas.
O senhor está fazendo também um trabalho para preservação da língua indígena Nheengatu? Como surgiu essa ideia?
A ideia de fazer um trabalho para a preservação do Nheengatu surgiu após eu e a equipe do Projeto Fitzcarraldo participarmos de um ritual dos índios jaraki, oferecido pela cacique Ligiane e pela comunidade do Lago da Praia, em Arapiuns, um rio de águas negras, no Pará, e atestarmos a riqueza desse idioma e sua importância para os índios dessa região.
O Nheengatu (ou “língua boa”) foi proibido pela coroa portuguesa no século XVIII, mas linguistas acreditam que atualmente seja falado por mais de 20 mil indígenas da região amazônica. Para isso, planejamos para o final deste semestre a distribuição de dicionários Português-Nheengatu, de Ermanno Stradelli, para 26 comunidades indígenas da região, além de um livro, de autoria de Livia Raponi, sobre a vida do explorador italiano.
Conde, de uma família nobre da região de Emília, Stradelli era um apaixonado pela Amazônia. Em 1879, aos 21 anos, veio ao Brasil, contra a vontade de seus parentes, e realizou inúmeras expedições. Foi ele quem imortalizou, pela primeira vez, em fotografias rudimentares, os índios brasileiros. Em 1923, Stradelli redigiu o dicionário. Três anos depois, faleceu em um leprosário em Manaus.
Quem financia o projeto?
No início, as viagens do Gaia foram patrocinadas pela Fiat. Hoje, o projeto recebe patrocínio da Bauducco e da jornalista e empreendedora Maristela Mafei, que era da Máquina da Notícia.