A tecnologia em si é neutra e pode ser direcionada para acentuar padrões insustentáveis de consumo, ou para permitir um futuro melhor ao atacar temas como mudança climática, perda de biodiversidade, segurança alimentar e acesso universal à educação e à saúde de qualidade. A colaboração humano-máquina é essencial para garantir o uso ético e responsável da IA
Estamos vivenciando uma revolução tecnológica que impõe transformações profundas na sociedade. Ao mesmo tempo, uma crise ambiental sem precedentes coloca em cheque nossa capacidade de nos organizarmos enquanto humanidade para a construção de um futuro mais equilibrado. Esta revolução traz desafios importantes – neste caso, relacionados às desigualdades estruturais, ao futuro do trabalho e a impactos ambientais, políticos e sociais – mas também permite oportunidades nunca antes imagináveis.
A inteligência artificial (IA) é uma das tecnologias exponenciais – talvez a mais poderosa delas por ser a base de muitas – que já impacta muitos aspectos da vida moderna. Ao ampliar a capacidade de nossas mentes, a IA nos permite compreender melhor e redesenhar sistemas complexos e interconectados. Temos nas mãos um meio poderoso, que pode ser usado para corrigir ou amplificar problemas existentes. O resultado depende de como vamos usar esse conhecimento e da nossa capacidade de cooperação global em prol de objetivos coletivos.
O astrofísico britânico Stephen Hawking já alertava que a criação de uma IA poderosa “poderia ser o maior evento na história de nossa civilização, mas também poderia ser o último, caso não aprendêssemos a evitar os riscos que acompanham os benefícios”. Recentemente, o documentário O Dilema das Redes, produzido pela Netflix, escancarou algumas das aplicações perversas dessa tecnologia quando seres humanos passam a ser o produto, ou mesmo a matéria-prima, a serviço de grandes monopólios, que já conseguem moldar o comportamento humano a serviço do consumo. Outros exemplos preocupantes incluem o uso de IA para influenciar o resultado de eleições, sistemas que reforçam padrões preconceituosos e a manipulação psicológica por estímulos de algoritmos para incentivar o consumo – que tem levado ao aumento de taxas de depressão e suicídio.
De acordo com um relatório da PwC de 2019, estima-se que a inteligência artificial tem o potencial de poupar 32 milhões de hectares de floresta no mundo até 2030. Isso tudo a partir de sistemas de monitoramento de florestas em tempo real com base em imagens de satélite e sensores. Soluções de IA focadas em agricultura de precisão e melhores previsões climáticas já permitem ganhos de produtividade, com menos desperdício de alimentos e recursos e melhoria na qualidade do solo. Outras aplicações já permitem o monitoramento da qualidade do ar e a melhora na eficiência em sistemas de saneamento básico – trazendo ganhos enormes para sistemas de saúde.
No setor elétrico, sistemas inteligentes baseados em IA já trazem maior previsibilidade e eficiência para a matriz energética – tema, inclusive, de um trabalho elaborado em conjunto pela Kunumi com a PSR Energy Consulting. Na área de educação, já é possível criar experiências personalizadas que aumentam o engajamento de alunos ao potencializar habilidades individuais. Como último exemplo, a IA tem o potencial de reduzir significativamente os impactos de eventos climáticos adversos com predições mais assertivas e sistemas de alarme.
Hoje, a IA ainda é moldada pelos seus desenvolvedores humanos, que devem também se responsabilizar pelas consequências diretas e indiretas de suas criações. A tecnologia em si é neutra e pode ser direcionada para acentuar ainda mais padrões insustentáveis de consumo, ou para permitir um futuro melhor ao atacar temas como mudança climática, perda de biodiversidade, segurança alimentar, acesso universal à educação e à saúde de qualidade, disponibilidade de água potável e poluição do ar.
A colaboração humano-máquina é essencial para garantir o uso ético e responsável da IA. No caso da Kunumi, desenvolvemos tecnologias para apoiar o potencial humano em desafios como a luta contra a Covid-19 (plataforma de dados, diagnóstico e descoberta de novos tratamentos), o diagnóstico de doenças graves, ou o monitoramento da legislação ambiental.
Não há dúvidas de que tecnologias emergentes, usadas de forma responsável e direcionadas para os objetivos certos, podem liberar humanos para o que fazem melhor, incluindo o pensamento crítico e criativo e a imaginação do futuro que queremos alcançar. A inteligência artificial aumenta nossa eficiência, permite novas descobertas e promove a automatização de tarefas mundanas e repetitivas. Cabe a nós direcionar a potência desta tecnologia para o que o mundo mais precisa, dentro de uma visão sistêmica que considera o impacto para todas as partes. A partir de uma cooperação global efetiva, temos a oportunidade de conciliar avanços sociais e econômicos com a recuperação do meio ambiente.
*Gabriella Seiler, Bacharel em Ciências Econômicas pela Duke University, é executiva da Kunumi, organização dedicada a entender e solucionar os desafios de empresas, governos e da sociedade por meio da inteligência artificial. Iniciou sua carreira no Banco Morgan Stanley, de Nova York, depois integrou o time de infraestrutura do IFC, ligado ao Banco Mundial, em Washington, e foi diretora de infraestrutura da Vinci Partners, no Rio de Janeiro.
[Foto: Alexander Sinn/ Unsplash]