[Foto: resina reciclada/ Divulgação]
Este artigo inaugura uma série especial sobre o plástico na economia circular, com apoio da Wise Plásticos. A cada 45 dias, a seção Circuito do Plástico – ideias e práticas para economia circular aprofundará pontos relevantes, com objetivo de debater soluções para gargalos, por meio de experiências inovadoras e o relato de desafios e aprendizados. Entre os temas a abordar ao longo das próximas publicações, estão impactos sociais, questões tributárias, rastreabilidade, gestão de resíduos, externalidades, precificação, design de embalagens, políticas públicas e comportamento do consumidor. Para isso, vamos convidar os mais diversos especialistas no assunto a participar deste diálogo. A seguir, um panorama sobre economia circular, o que vem sendo desenvolvido para lidar com a questão do plástico, e as ações de atores empresariais e de governos. Boa leitura!
Com geração de resíduos em alta e baixa destinação correta, o atual ciclo de vida do plástico está longe de ser circular, o que leva a severos impactos no ambiente e na saúde humana. Diante disso, surgem políticas públicas e ações coordenadas globalmente, enquanto as grandes empresas, vistas como origem dos problemas, passam a ser fonte das soluções
Por Bruno Igel, Pedro Wongtschowski e Roberto S. Waack*
Nos sofisticados sistemas desenvolvidos pela natureza, não existe lixo. Lixo, como se diz, é um erro de design, cometido pelo ser humano ao inventar um sistema linear que se baseia em extrair, produzir e descartar. O resultado é a criação de montanhas de resíduos, poluição, contaminação, danos à saúde humana e das demais espécies, além da emissão de gases que prejudicam o clima em todo o mundo.
A economia circular busca corrigir esses erros, tentando mimetizar o que a vida na Terra já sabe há bilhões de anos. O caminho está em reinserir continuamente as matérias no ciclo produtivo, com uso de energias renováveis, de modo que não restem sobras e as emissões sejam mínimas. Para isso, produtos e processos devem ser redesenhados, facilitando a circularidade e reduzindo ao máximo os impactos negativos da economia sobre o ambiente e as pessoas. O plástico é um elemento central nessa equação, a começar do crescente consumo acompanhado pelo descarte inadequado.
Não se trata de banir os plásticos, ao contrário: se bem usados e com a destinação correta, são materiais que contribuem imensamente para o bem-estar humano. Devido à versatilidade, prestam-se aos mais diversos usos, tais como garantir materiais apropriados à área da saúde, produzir embalagens que prolongam a validade dos alimentos, e fornecer materiais leves e resistentes, capazes de diminuir a pegada de carbono no transporte.
A questão é que o atual ciclo de vida dos plásticos ainda está longe de ser circular, como conclui a publicadação da OCDE Global Plastics Outlook: Economic Drivers, Environmental Impacts and Policy Options, lançada este ano. A geração de resíduos plásticos mais que dobrou, de 156 milhões de toneladas em 2000 para 353 milhões de toneladas em 2019. Destes, apenas 9% foram reciclados, enquanto 19% incinerados e quase 50% encaminhados para aterros sanitários. Os 22% restantes foram descartados em lixões não controlados, queimados a céu aberto ou simplesmente jogados no meio ambiente.
De acordo com estudo From Pollution to Solution, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o despejo de resíduos plásticos em ambientes aquáticos vai praticamente triplicar até 2040 se não houver uma ação significativa. No atual ritmo, os oceanos terão, em peso, mais plásticos do que peixes em 2050, segundo projeção da Fundação Ellen MacArthur.
O problema vai além de garrafas boiando nos mares e sufocando animais marinhos: os impactos na saúde humana são cada vez mais conhecidos. Enquanto os macroplásticos respondem por 88% da poluição ambiental por plásticos, devido a coleta e descarte inadequados, os microplásticos, polímeros com diâmetro inferior a 5 milímetros, respondem pelos 12% restantes. A presença dessas pequenas partículas em ambientes de água doce mostra o quanto ecossistemas e seres humanos estão expostos aos riscos, segundo o relatório da OCDE.
Recente pesquisa científica sobre o impacto na saúde indica que os microplásticos podem se prender às membranas externas dos glóbulos vermelhos e limitar sua capacidade de transportar oxigênio. Realizado na Universidade Livre de Amsterdam, na Holanda, e publicado pela revista Environment International, o estudo analisou amostras de sangue de 22 doadores anônimos, todos adultos saudáveis, e encontrou partículas plásticas em 17 deles, ou seja, em quase 80%.
Já é possível considerar o plástico um elemento onipresente na Terra, segundo cientistas da Escola de Medicina Hull York, no Reino Unido, tornando inevitável a exposição ao material. Os pesquisadores encontraram, pela primeira vez, micropartículas nos pulmões de pessoas vivas. As substâncias foram encontradas em 11 de 13 pacientes analisados, como mostra este estudo. Os microplásticos mais encontrados foram o polietileno, oriundo, por exemplo, de embalagens plásticas e sacolas; e o nylon, que pode vir de roupas; além de resinas, que podem vir de marcação de tinta ou borracha de pneu.
Além disso, os prejuízos à economia global causados pela poluição por plástico estão em torno de US$ 8 bilhões por ano, segundo levantamento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), sendo os mais diretamente afetados os setores pesqueiro, turístico e de comércio marítimo.
Saídas existem
A boa notícia é que há caminhos sendo pensados na economia circular para enfrentar todos esses desafios, como propõe a OCDE: reduzir a quantidade de plásticos primários necessários, prolongar a vida útil dos produtos e facilitar a reciclagem. Além de políticas públicas adequadas e ações coordenadas globalmente, as grandes empresas, vistas historicamente como fonte dos problemas, devem ser fonte das soluções.
Esse pensamento balizou o Compromisso Global por uma Nova Economia do Plástico (Global Commitment), liderado em 2018 pela Fundação Ellen MacArthur, em colaboração com o Pnuma, que hoje reúne mais de 500 organizações em torno de uma visão comum de uma economia circular para plásticos. As empresas envolvidas, responsáveis por 20% de todas as embalagens plásticas produzidas no mundo, comprometeram-se com metas para 2025, as quais se juntam e frentes relevantes das empresas voltadas à redução, reutilização e reciclagem do plástico. Aqui é possível visualizar o progresso das marcas em relação às metas assumidas no compromisso global.
O movimento da iniciativa privada de maneira voluntária com apoio de grandes marcas como Coca-Cola, Unilever e L’Oreal é marcante nesta nova era da economia global, na qual grandes empresas assumem papeis relevantes e positivos para a Sociedade. Este movimento não seria suficiente se não fosse apoiado pelo poder público. Em março deste ano foi dado um passo muito relevante da esfera pública na direção da economia circular do plástico.
Na retomada da quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, chefes de Estado, ministros do Meio Ambiente e outros representantes de 175 nações endossaram um acordo histórico que aborda todo o ciclo de vida do material – desde a origem até o fim da vida útil. O tratado diz respeito a todas as formas de poluição terrestre ou marinha, incluindo microplásticos, e prevê metas globais, mecanismos de controle, desenvolvimento de planos de ação nacionais e um sistema de ajuda aos países pobres.
Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), considera este o mais importante tratado ambiental multilateral desde o Acordo de Paris sobre o clima. Entre os objetivos estão a redução do uso de plástico virgem e o aumento da reciclagem pós-consumo. A ideia é que seja juridicamente vinculante até 2024.
Gargalos e caminhos
O Tratado responde a uma crise global de resíduos sólidos urbanos, na qual o Brasil tem participação importante, ao gerar por ano mais de 80 milhões de toneladas de resíduos, sendo que cerca de 40% ainda vai para lixões e aterros controlados, e o restante para aterros sanitários. A tendência é de aumento de 50% na geração de resíduos até 2050, em comparação a 2019, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
Enquanto a geração de resíduos dá saltos, a disposição adequada no Brasil avança muito lentamente. Desde a sanção da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, o índice anual médio de redução da disposição inadequada é de 0,72%. Mantido esse ritmo, o País levará 55 anos para atingir a meta, também de acordo com a Abrelpe.
Em relação ao plástico, os dados são imprecisos. O consumo anual é estimado em mais de 7 milhões de toneladas, gerando algo entre 3 milhões e 5 milhões de toneladas de resíduos todos os anos. As taxas de reciclagem calculadas pelo Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico (PICPlast) – iniciativa criada pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico e pela Braskem –, mostram que o Brasil recicla cerca de 900 mil toneladas de plástico ao ano, cerca de 12% do que coloca no mercado anualmente.
Outra iniciativa, a Rede pela Circularidade do Plástico, busca impulsionar a Economia Circular unindo os diferentes elos da cadeia plástica (cooperativas, gerenciadores de resíduos, recicladores, transformadores, empresas petroquímicas e os detentores de marcas) para unificar esforços em direção a melhores práticas, muitas vezes já adotadas em outros países.
Entre as práticas evidentes para o aumento da reciclagem está o design correto na criação da embalagem, essencial para garantia da circularidade. Embalagens feitas de plástico único, com pouco pigmento e aditivos, admitem a reciclagem com tecnologias vastamente disponíveis no País, por 2 a 5 ciclos antes de perder suas propriedades. Alguns desses plásticos já têm taxas de reciclagem acima de 60% e demonstram que é possível melhorar o cenário atual.
Mas, de modo geral, a reciclagem ainda enfrenta uma série de gargalos no País. Há questões tributárias que tornam a resina reciclada menos competitiva, a informalidade permeia a cadeia de suprimentos para a indústria recicladora, há obstáculos logísticos e até mesmo inconsistência de dados, fazendo com que o ambiente para operar seja cheio de incertezas.
Com isso, a reciclagem vive um paradoxo. Mesmo com uma quantidade imensa de resíduos sendo gerados, a indústria recicladora de quase todos os materiais sofre com a falta de matéria-prima com qualidade, quantidade e confiabilidade. Há dificuldades de acesso ao suprimento tanto em termos de escala – ou seja, onde e como encontrar o resíduo plástico em larga quantidade –, como também em termos de qualidade.
Isso significa conhecer a procedência, certificando-se de que não há, por exemplo, trabalho infantil envolvido na coleta e no manuseio, nem contaminação ambiental, e que o produto atende às regras fiscais e tributárias. Uma indústria que não pode contar com essas condições básicas encontra maior dificuldade de investir e de engajar stakeholders (inclusive clientes importantes), porque estes se sentem inseguros com o fornecimento de longo prazo.
Nos últimos anos, o mercado da reciclagem de plástico migrou de uma espécie de periferia do mercado para o centro das atenções. Grandes empresas passaram a se engajar e exigir formalidade e boas práticas do setor. Estas boas práticas são cruciais para a adesão de grandes marcas no mundo e no Brasil, que têm impulsionado o movimento da economia circular.
A adesão cresce por pressão de compromissos ESG (ambientais, sociais e de governança) e da Agenda 2030, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a fim de atender a uma onda cada vez maior de cobranças por parte de consumidores e de atores do setor financeiro.
No entanto, empresas em todo o mundo ainda estão às voltas com o desafio de encontrar o plástico pós-consumo, com características adequadas e em larga escala para reinseri-lo na economia circular. Uma garrafinha, por exemplo, pode ser encaminhada para a reciclagem pelas mãos dos catadores, individualmente ou por cooperativas; ou pela coleta seletiva feita nas cidades; ou separada diretamente nos aterros, por meio de sistemas mecanizados. Os caminhos para chegar nesse plástico ainda estão sendo amadurecidos, mas uma certeza é que nenhum substitui o outro: os três são necessários e complementares para dar conta de todo o volume demandado.
Na experiência europeia, a diversidade de soluções mostrou-se necessária para atingir os melhores índices de reciclagem do mundo. Com vastos investimentos em infraestrutura e legislações fortes, os diferentes atores – principalmente empresas, a partir de regulamentações governamentais – estabeleceram obrigações claras para os cidadãos em destinar corretamente seu resíduo com incentivos econômicos robustos para tal segregação. Nos países europeus mais desenvolvidos, os sistemas de depósito têm grande sucesso, assim como as cobranças de taxas de acordo com sua geração de lixo e as punições em casos de descarte errado.
Em países europeus menos desenvolvidos, como Espanha, Polônia e Portugal, tais sistemas muitas vezes não são suficientes. Nestes casos, grandes cidades migram para infraestrutura mais robusta, com a mecanização completa de centrais de separação a partir do resíduo sólido urbano bruto, sem separação na origem. Tais sistemas têm a vantagem de minimizar a quantidade de caminhões rodando (trânsito e emissões) e ter, a partir de um sistema mecanizado de separação, padronização total do material reciclável, além da diminuição da quantidade de material aterrada.
As estratégias para aumento da recuperação de resíduos plásticos, assim como de outros materiais, são muitas. Todas elas dependem de uma abordagem mais moderna do Brasil, capaz de substituir a visão assistencialista dos últimos 20 anos por uma visão de infraestrutura, ou seja, na qual catadores, munícipes, gerenciadores de resíduos e demais atores da cadeia atuem em conjunto com objetivo de aumento das taxas de reciclagem do País.
Grandes marcas em ação
Uma das empresas com especial interesse no aumento da oferta de suprimento com boa qualidade socioambiental é a Unilever, pioneira em utilizar resina pós-consumo em larga escala. Entre 2018 e 2021, a companhia no Brasil reduziu o uso de aproximadamente 18 mil toneladas de plástico virgem em suas embalagens, equivalente ao peso de 65 das maiores aeronaves comerciais, ou a quase 80 piscinas olímpicas cheias de garrafas.
Um dos exemplos é a embalagem do OMO, produzida com plástico pós-consumo pela Wise Plásticos, um case que fala diretamente a questões de acesso ao suprimento, escala, rastreabilidade e uso crescente de tecnologia, e também de alcance do consumidor, com uma mensagem muito clara sobre economia circular para o grande público.
O trabalho da Wise é fazer com que a embalagem tenha exatamente as mesmas características (ou mais próximas possíveis) de uma convencional, fabricada com resina virgem , de maneira que o consumidor não perceba a diferença. Ao mesmo tempo, a marca tem a opção de comunicar os consumidores a respeito, fazendo campanhas informativas e educativas.
Para fortalecer toda essa cadeia que integra a economia circular, a Wise procura ser um elemento de conexão entre as engrenagens. Mais do que receber plástico pós-consumo, processar e entregar, a empresa exerce o papel de organizar processos junto ao aterro, junto aos catadores, e junto às prefeituras que fazem a coleta seletiva. Por meio de tecnologia, a empresa também consegue equiparar o plástico reciclado ao virgem, em termos de preço, qualidade e nível de atendimento ao cliente, o que não é trivial.
Com isso, a Wise amplia continuamente o volume necessário para que a economia circular gire, com qualidade na procedência e no material em si, garantindo que seja livre de contaminantes. A presença de um único contaminante – por exemplo, o silicone, presente em tampinhas de refrigerante para segurar o gás –, pode afetar a integridade do material reciclado, fazendo com que uma embalagem pós-consumo vaze. Isso colocaria a perder a reputação do material reciclado.
Sem uma atuação como essa, que faz mover as engrenagens e organiza os processos, a economia circular não avança na velocidade desejada e fica só no papel. E este é só o começo de uma história que tem muito a evoluir e se multiplicar.
*Bruno Igel é CEO da Wise Plásticos. Pedro Wongtschowski e Roberto S. Waack integram o Conselho
Acompanhe no próximo artigo: Como evitar que o resíduo plástico chegue aos mares?