Coletivos urbanos mostram sua força no cenário de valorização cultural, social e ambiental diante da retomada de autoestima e perspectivas com os aprendizados da covid-19. Este é o quarto e último capítulo do livro-reportagem que integra o projeto Manaus de Frente para a Floresta, idealizado pelo jornalista Sérgio Adeodato
Foto: Bruno Kelly
Há 20 anos atuante na cena hip hop amazonense, Jander Manauara carrega a origem no nome – e, também, na poesia, nas mensagens das composições e falas que ganham eco nas redes de coletivos urbanos. Um clamor de identidade cultural sufocado pelas injustiças e desigualdades sociais, mas real, resistente e cada vez menos invisível na metrópole com 2,2 milhões de habitantes. “Cuidamos do que temos pertencimento, e a somatória de espaços e produtos culturais que envolvem a Amazônia precisa ter conexão com a realidade urbana, não somente com o lado exótico e romântico da floresta e seus povos originários. Quando esse lado urbano fica de fora, a massa da população passa a não querer ouvir, não se sente incluída no debate”, afirma Jander.
São as vozes da invisibilidade ou “os fantasmas amazônicos”, como diz o rapper. Ele lembra que a Amazônia é mais urbana do que rural; é nos grandes centros onde estão os coletivos, as pessoas conectadas em rede, e a maioria dos espaços buscados pelos próprios indígenas para obter auxílio, resolver problemas e fazer valer os seus direitos. “Quanto mais o restante do País deixar de lado essa questão, pior será para a floresta”, aponta.
Segundo ele, há desafios na luta por reconhecimento da cultura urbana: “Nas mãos dos grupos políticos que se reservam no poder, Manaus é uma cidade muito segregadora, fechada em condomínios ou em guetos nas periferias”. Na visão de Jander, a questão vem desde as ideias dos antigos exploradores, pelas quais “o branco tem o valor de patrão, o negro tem o valor de escravo e o indígena não tem valor de nada”.
Contudo, há horizontes positivos de acordo com o artista, descendente direto da etnia Kambeba, na fronteira com o Peru. Para além de uma grande massa em sentido contrário, influenciada por narrativas de fora para dentro da região, existe uma nova geração que já lida ou vai lidar com inteligência artificial. “É uma molecada de base, super conectada em rede, aguerrida no ativismo, com alta velocidade de informação”, enfatiza.
Com três álbuns autorais já lançados, além do reconhecimento pelo Prêmio Funarte de Hip Hop 2014, Jander liderou projetos de produção cultural, como Hip Hop a Parada Final e A Batalha do Conhecimento, promovidos pela Manauscult. E já assinou a produção artística da Virada Sustentável Manaus e da Feira da FAS. “Apesar das barreiras, há focos de mudança nessa interface com a floresta, no samba, dança, teatro e audiovisual”, avalia o rapper, hoje integrante da Associação Intercultural de Hip Hop Urbanos da Amazônia. As guitarradas do “beiradão”, nas comunidades à beira dos rios, ocupam espaços na urbanidade. “Quando ouvimos o poeta Celdo Braga, por exemplo, parece que ouvimos uma entidade da floresta, não um cidadão de Manaus”, ilustra.
No compasso da inovação
Referências amazônicas se incorporam, também, no campo dos ecossistemas de empreendedorismo. Na comunidade de startups Jaraqui Valley, em Manaus, a alusão ao famoso peixe da região e ao Silicon Valley, na Califórnia (EUA), dá o tom para iniciativas de apoio a incubadoras de empresas, aceleradoras de negócios nascentes e consultorias que orbitam no universo da inovação. São agentes que interagem em determinado meio, com resultados que podem retroalimentar coletivamente a cadeia, como uma engrenagem para multiplicar ideias e empreendimentos como o Navegam – uma espécie de Uber fluvial para o transporte de carga e passageiros nos barcos amazônicos.
O despontar dos chamados millenials — a geração Y, nascida na virada deste século e que hoje está no comando de projetos e negócios inovadores — está no cerne de um novo convívio entre metrópole e floresta. “Não é que Manaus não olhe para a floresta ou não dê importância para ela; é que os outros problemas são tão maiores que o desmatamento não lhes afeta”, destaca Geyce Ferreira, curadora do Global Shapers na capital. O movimento nasceu globalmente como iniciativa do Fórum Econômico Mundial, em 2011, formando uma rede de hubs liderados por jovens entre 20 e 30 anos de idade. “Trabalhamos o pertencimento junto a causas e a geração de impactos positivos para a sociedade”, informa a liderança.
Maranhense estabelecida em Manaus, Ferreira conta que o bairro onde vive – Zumbi dos Palmares, na Zona Leste – retrata a negação manauara para a própria identidade. “Muitos não se veem como pessoas que tomam decisões agora para o que virá amanhã”, aponta. Ao mesmo tempo, segundo ela, “a juventude está cansada de burocracia e tem a ferramenta digital como forma de pressão”.
A jovem liderança trabalhou por onze anos no Distrito Industrial e alerta que as empresas precisam defender a floresta em pé como mais valiosa do que a derrubada, indo além do business. “É estúpido precisar desmatar para continuar lucrando”, afirma Ferreira, fazendo eco às vozes das novas gerações que representa. “É mais fácil a virada começar logo cedo na escola.”
Ela coordena atividades junto a jovens da periferia sobre o conceito de impacto positivo e a mudança de realidade para, ao final, desenharem projetos de negócios. “São lições que não aprenderão na universidade”, ressalta Ferreira, lembrando que “a mudança não virá de um fato, mas de uma geração”. A iniciativa Amazônia Reset, promovida pelo Global Shapers, traz pensadores de várias áreas para debater localmente temas globais, como as cidades do futuro. No Monte das Oliveiras, comunidade de baixa renda em Manaus, o movimento apoiou a construção e instalação de uma sala multimídia para empoderar meninos e meninas a buscar novas parcerias visando ações transformadoras.
O escritor e empreendedor social Rojefferson Moraes, à frente do coletivo de voluntários Soul do Monte, se dedica a projetos culturais e sociais junto a jovens locais e suas famílias, no afã de dar visibilidade e colocar o bairro no mapa da cidade – e da cidadania. “Quem não é visto não é lembrado”, diz a liderança, reforçando a mensagem: “Onde não existe arte, a violência vira espetáculo”.
Pós-graduado em Urbanismo Social, Moraes mobiliza espaços da periferia como centros de cultura, expandindo saraus e fanzines, além de atividades como oficinas de capoeira e ginástica coletiva no Galpão do Bem. No curso Se Esse Patrimônio Fosse Meu, no Monte das Oliveiras, a ideia tem sido discutir os temas da territorialidade e pertencimento, em parceria com instituições. Entre outras iniciativas, foram mapeadas vinte famílias para o cultivo de quintais agroecológicos, como oportunidade de renda e de acesso a plantas medicinais, nesse bairro da Zona Norte em que a antiga floresta pouco a pouco cedeu lugar às ocupações irregulares e à desigualdade social.
“Se não buscarmos possíveis saídas, ninguém o fará”, enfatiza Moraes, referindo-se ao trabalho contra a poluição dos igarapés por meio do projeto que faz a coleta de lixo porta a porta com um triciclo no Monte das Oliveiras, na Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açu. Parodiando o famoso verso da banda Titãs, “a gente não quer só comida”, ilustra a liderança na busca de espaços para envolvimento dos moradores em ações positivas, mais estruturantes do que assistencialistas.
Diante das questões sociais, o debate sobre a relação com a floresta exige descer da torre de marfim e pisar na base das comunidades – na cidade ou fora dela. Temas contemporâneos, como o potencial da bioeconomia, exigem que academia, empresas e instituições públicas e da sociedade civil saiam do Olimpo como donas do saber ou dinheiro e olhem para a múltipla realidade amazônica, muito além da fauna e flora.
As redes locais de conhecimento, incluindo associações de base comunitária, escolas, coletivos e ONGs, são estratégicas nesta ponte. “A mudança ocorrerá pelo viés da educação”, reforça Eliane Soares, coordenadora de programas da Casa do Rio, ONG com trabalho socioambiental em comunidades tradicionais no município de Careiro, Região Metropolitana de Manaus – ponto inicial da BR-319, inaugurada em 1976 com 885 km de extensão no meio da floresta, única ligação por terra entre a capital e o restante do País. À margem da rodovia, o município e o entorno assistem não somente ao difícil trânsito de caminhões e veículos off-road no barro e lama, como também à polêmica em torno da anunciada obra de pavimentação e as pressões crescentes de desmatamento.
De acordo com o Idesam, a área de influência da BR-319 registrou recordes de desmatamento e focos de calor em 2021, e o processo de licenciamento do chamado “Trecho do Meio” tem sido acompanhado pelo Ministério Público e organizações da sociedade civil atentos aos riscos ambientais. “O desafio não é só melhorar a estrada, mas todo um contexto social e econômico. A população vê benefícios com a pavimentação, mas a obra não pode acontecer de qualquer forma, como antes”, afirma Soares, para quem a educação é essencial nessa nova visão que considera critérios para além do escoamento da economia da capital. Novos modelos de escola trabalhados pela Casa do Rio na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Igapó-Açu, baseados nas práticas de agroecologia, por exemplo, são referências no desafio da segurança alimentar.
Manaus, retrato das desigualdades
“É necessário dar visibilidade ao apagão de como a Amazônia foi construída e como se vive e se habita a região”, reflete Leonildes Nazar, coordenadora da iniciativa Amazônia Legal Urbana, desenvolvida pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) no propósito de mapear as desigualdades sociais das cidades, no contexto da mudança climática. “Em um dos biomas mais complexos do mundo, a dimensão urbana é desafiadora”, pondera a pesquisadora. Ela propõe investigar como se dá a domesticação desses espaços pela “retirada de floresta com a lógica da modernidade, não edificada no planejamento, mas no abandono do meio ambiente, sinônimo de atraso”.
Na Amazônia, a relação cidade-floresta embute processos migratórios entre capital e interior, hábitos culturais e demanda de políticas públicas. “Essas devem dar espaço à complexidade do que é ser amazônida e à floresta como parte indissociável do território”, sugere Nazar. “Não dá para importar modelos universais de mobilidade urbana e outros sistemas de serviços para uma região como a Amazônia”.
No projeto, o pesquisador Diosmar Filho, da Universidade Federal da Bahia, mergulhou nos indicadores socioeconômicos e demográficos do IBGE para Manaus, com ênfase temática no ordenamento territorial e nas relações etnorraciais e de gênero. A análise avaliou os dados na interface com o acordo climático de Paris e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, dimensionando o passivo de desigualdade. O estudo revela que mais de 80% da população manauara vive em área densamente povoada, grande parte com problemas sociais.
O processo é resultado do modelo econômico que concentrou o crescimento na capital amazonense. No total, são 50 áreas de baixa renda classificadas como “aglomerados subnormais” – em sua maioria, ocupações irregulares sem serviços públicos básicos, com milhares de domicílios que queimam ou enterram o lixo devido à inexistência de coleta. Mais de 42% usa água de poço ou nascente para abastecimento humano e, entre outras mazelas, como desastres de enchentes, essa população foi a mais atingida pelos impactos da pandemia de covid-19.
Quando se considera toda a extensão do município (11,4 mil km²), a densidade populacional cai de 2.035 para 158 habitantes por km² — o que demonstra a alta concentração urbana e uma grande área rural de floresta ainda não ocupada.
“As áreas verdes protegidas não foram criadas para prejudicar as pessoas e, atualmente, há o desafio de conciliá-las com a qualidade de vida em Manaus, resolvendo tanto o problema da alta densidade urbana como a conservação ambiental”, afirma Diosmar. Ele alerta que a questão não está sinalizada no âmbito das revisões do Plano Diretor, no sentido de reduzir a concentração populacional sem avançar na floresta. “É necessário um grande programa de moradias que resolva o problema estrutural das desigualdades”, reforça.
“Como discutir o potencial da floresta, inclusive no desafio climático, em uma realidade social como essa?”, questiona o pesquisador, cuja análise fez um recorte no bairro Cidade de Deus e suas palafitas, colado a área verde que limita a expansão urbana. “É urgente um planejamento para reverter o quadro sem que populações mais vulneráveis continuem colocadas como devastadoras de floresta”.
Segundo o estudo, a invisibilidade e a desagregação das informações do perfil populacional prejudicam a elaboração de políticas públicas que objetivem o enfrentamento à emergência climática. Na zona urbana da capital amazonense, 77% da população acima de 10 anos recebe entre 1/8 e um salário mínimo, principalmente indígenas e negros. Entre os que se declaram brancos, 68% vive com um a dois salários mínimos – reflexo da realidade brasileira, que, na Amazônia, ganha outros matizes. “Só avançaremos no debate sobre a relação cidade-floresta se a desigualdade for de fato colocada na agenda”, ressalta Diosmar.
Em webinar sobre o projeto, Francimar Junior, articuladora do Movimento de Mulheres Negras da Floresta (Dandara), enfatiza que “Manaus é reflexo da história de ocupação da Amazonia e que a pauta da desigualdade chega agora ao momento mais cruel”. A historiadora cita dados levantados pela pesquisadora Norma Bentes, de que um terço dos domicílios manauaras estão em favelas e outros aglomerados de baixa renda. “Não adianta dar um pedaço de chão se não tem todo um processo de estrutura para que aquelas famílias possam viver com dignidade”, afirma Francimar Junior.
Indígenas da metrópole
Na capital amazonense, a presença da população indígena, a maior do País em zona urbana, é crescente. Pelos dados da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Comipe), são cerca de 30 mil indivíduos de 47 povos que falam dezesseis línguas. Parte deles habita o Parque das Tribos, área que viveu um difícil histórico de ocupação até o reconhecimento pela prefeitura, em 2019, no bairro Tarumã-Açu, periferia da Zona Oeste.
Formada em Pedagogia, a liderança indígena Vanda Santos iniciou, há uma década, uma mobilização junto a 40 parentes sem abrigo em Manaus, a maioria em situação de vulnerabilidade social, visando a ocupação da área que hoje reúne a maior concentração indígena na capital, com 700 famílias de 36 etnias. Ela articulou com a prefeitura melhorias e acesso a políticas públicas, pois não havia água, luz, asfalto ou saneamento básico. Apesar dos avanços, muitos desses ganhos ainda estão por vir.
A pandemia de covid-19 representou um momento crucial na sobrevivência: em nova mobilização, máscaras contra o contágio produzidas pela mãe da liderança e outras mulheres da comunidade estampavam a frase “vidas indígenas importam”. O movimento foi idealizado pela cantora Márcia Novo em apoio aos indígenas que vivem no meio urbano, em Manaus, sem os mesmos direitos que seus povos têm na floresta. Posteriormente, o Parque das Tribos recebeu a construção de uma maloca comunitária, útil às celebrações e também ao turismo, além da reforma de espaços públicos com obra de restauração ecológica, proteção de nascentes e criação de áreas de banho.
A força da educação
Na Zona Norte, a área do Monte Horebe ilustra o grande desafio de reduzir as desigualdades sociais e conviver em harmonia com a floresta. Na referência bíblica, o nome se refere ao lugar em que os Dez Mandamentos foram dados a Moisés por Deus. Em Manaus, representa não só a influência evangélica, mas uma área que abriga uma das maiores ocupações irregulares da capital e já avançava sobre uma reserva florestal. Em 2020, o governo estadual obteve a reintegração de posse, com a retirada de mais de 2,2 mil famílias que passaram a receber auxílio-moradia até a área ser regularizada, com o projeto de uma escola de tempo integral. “A estratégia é integrar a agenda da educação ao desafio de diminuir a pressão sobre remanescentes florestais”, revela Márcio Bentes, coordenador pedagógico da Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc).
A estrutura da nova escola foi pensada para desenvolver habilidades cognitivas, físicas, emocionais, sociais e culturais, no total de mil alunos, com novos componentes curriculares associados ao meio ambiente e sustentabilidade. Na área, os moradores convivem com o ambiente do sauim-de-coleira, espécie em perigo de extinção, e também com os riscos sociais da criminalidade. “É preciso outro nível de protagonismo para essas áreas verdes, não mais um empecilho ao desenvolvimento da cidade, como é tradicional”, ressalta Bentes, com experiência na gestão dos parques do município no passado.
Segundo ele, existem centenas de áreas verdes já descaracterizadas pelo que chama de “guerra fundiária”. “O discurso de que precisamos devolver árvores para a cidade não é novo, mas há grandes ilhas de mata degradadas, e o município deve fomentar estratégias para melhorar o que restou”, diz. Nesse sentido, completa Bentes, é essencial “unir qualidade ambiental e qualidade de vida, revitalizando áreas para uso público, com espírito de pertencimento”.
A questão, em sua análise, é difícil em Manaus. “O Plano Diretor, revisado em 2014, precisa de nova mudança considerando o aspecto da confusão fundiária da floresta na cidade, o que, de certa maneira, reflete o que acontece na Amazonia com a grilagem de terras associada ao desmatamento”, pondera.
A busca por uma educação transformadora marcou recentemente a história de Manaus, destacando o município no cenário nacional e internacional diante da realidade desigual e concentradora. Entre 2015 e 2020, o modelo pedagógico que olha de forma integral para as condições de vida dos alunos, famílias e seus territórios foi reconhecido como referência pela Ashoka e outras organizações de peso na temática. A Educação Infantil, Fundamental e de Jovens e Adultos protagonizou um esforço de grande dimensão por mudanças no contexto social, com interface na relação com a floresta.
Em meio à Amazônia, Manaus reúne a terceira maior rede municipal de ensino do País, com quase 500 escolas e 242 mil alunos, a grande maioria em áreas de baixa renda. O cenário mescla as características da complexidade urbana aos desafios do meio rural, na floresta, pontilhada por comunidades ribeirinhas e indígenas que muitas vezes estão isoladas e dependem localmente de uma estrutura de educação para evitar o êxodo. Nas reservas ambientais, como as unidades de conservação no entorno urbano, a questão é ainda mais desafiadora, sabendo-se que essas famílias precisam aliar a qualidade de vida ao uso sustentável dos recursos naturais.
As longas distâncias por águas, barro ou lama para o acesso de estudantes e professores às escolas nessas áreas não impediram ao município uma pontuação de destaque no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Até 2020, antes da mudança para a atual gestão municipal, o combate à evasão escolar, entre outros fatores, permitiu praticamente universalizar a educação básica em Manaus, na faixa dos sete aos 14 anos de idade – embora o desafio permaneça latente para o público infantil.
“A boa nota dos indicadores é apenas o início da jornada, pois existe todo um contexto social, econômico e ambiental por trás dessa realidade”, explica Kátia Schweickardt, professora da Ufam. Como ex-secretária municipal de Educação e, também, de Meio Ambiente, a agrônoma alia os aprendizados em ambos os campos nas atuais funções, no Terceiro Setor. “No centro do debate, avanços na educação podem expandir o tema e garantir não só melhor qualidade de vida, como cidadania ambiental”, aponta.
No entender dela, a pauta ambiental ainda está restrita às classes média e alta. “Existe a necessidade de os mais pobres enxergarem além da própria sobrevivência, e a educação pública fala com essa população; é o braço do Estado que chega à população mais vulnerabilizada”, completa Schweickardt. Além disso, ao agir na redução da desigualdade social, a educação é força motora da conservação ambiental.
Inclusão social, na capital amazonense, requer respeito para com as diferenças. A diversidade está nas ruas, praças e salas de aula, a começar pela língua indígena ensinada em aldeias do entorno urbano. Há escolas públicas onde se fala crioulo e espanhol, devido ao contingente de refugiados haitianos e venezuelanos, em especial nos conglomerados de baixa renda. “Aqui pelo menos temos esperanças”, diz Francisco Oviedo, engenheiro elétrico que deixou a Venezuela pela falta de oportunidades e agora sobrevive como motorista de aplicativo, mandando boa parte do que ganha para a mulher e os filhos, que ficaram no país natal.
Ele se junta a mais de 3 mil imigrantes venezuelanos acolhidos em Manaus, onde as misturas de sotaque são comuns no atendimento aos clientes em bares e restaurantes. Assim, atrativa aos que chegam para uma vida nova, a dinâmica manauara abre novos capítulos nesta década de reflexões sobre mudança climática, desigualdades sociais e paz.
Apesar dos desafios, cenas urbanas emitem luzes positivas. De um lado, na Escola Municipal Padre Puga, no bairro do Japiim, o professor de educação física Wanderlan Mota utiliza materiais esportivos com resíduos da floresta (cipós, borracha etc.), despertando o tema entre as crianças. De outro, no poderoso polo industrial, há empresas que já olham para as várias faces da Amazônia, porque precisam fazer diferente – e aproveitar a bioeconomia como frente de desenvolvimento sustentável. Em Manaus, a maior capital da floresta mais biodiversa do planeta, lidar com a multiplicidade de origens, saberes e recursos da natureza no cotidiano é muitas vezes mais forte do que a negação sobre ela.
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