A Aceleradora 100+ amplia a busca por negócios socioambientais com nova turma de startups capazes de entregar soluções de sustentabilidade à Ambev, PPA e a seus parceiros. Conheça os nove negócios aprovados neste ano, nos temas de agricultura sustentável, gestão da água, ação climática, embalagem circular e ecossistema empreendedor, além de um eixo transversal, centrado em empreendimentos socioambientais na Amazônia
Por Sérgio Adeodato
De um lado, startups com boas ideias e grande apetite para evoluir no mercado, fazendo diferença pelo impacto socioambiental positivo. Na outra ponta, uma empresa de grande porte que demanda inovações fora da casinha para atingir metas de sustentabilidade e fortalecer o desenvolvimento na Amazônia. No casamento entre os dois mundos, surgem soluções que não só ajudam na agenda ESG (guiada por critérios ambientais, sociais e de governança) da companhia e parceiros, como engajam elos da cadeia de fornecimento, multiplicando os efeitos positivos.
No mundo, o movimento ESG está redirecionando capital para atividades mais resilientes e sustentáveis, com previsão de atrair investimentos de cerca de US$ 53 trilhões até 2025, segundo estimativa da Bloomberg. Isso movimenta novos recursos e amplifica o raio de alcance da relação ganha-ganha.
Um número cada vez maior de empreendimentos inovadores qualifica essa relação, conforme constatado com o resultado da mais recente seleção de negócios na Aceleradora 100+, mantida pela indústria de bebidas Ambev e seus parceiros, com um acervo de boas práticas e histórias de vida que serão contadas a partir desta reportagem que inaugura série especial de seis matérias na Página22.
Trata-se da 4ª chamada realizada até o momento pelo programa, criado em 2018 junto às metas públicas de sustentabilidade da Ambev, que devem ser atingidas até 2025. Como suporte a esses compromissos, os temas abrangem cinco pilares: agricultura sustentável, gestão da água, ação climática, embalagem circular e ecossistema empreendedor, além de um eixo transversal, centrado em empreendimentos socioambientais na Amazônia.
Da rastreabilidade na agricultura à reciclagem de resíduos, nove propostas de pilotos foram aprovadas, em setembro, entre 20 startups que haviam sido selecionadas para a primeira etapa do programa e agora vão avançar no desenvolvimento das soluções e medir resultados. Conheça abaixo a lista dos aprovados na chamada de 2022, o eixo a que pertencem e uma breve descrição:
- Agtrace (Agricultura Sustentável) – A AgTrace é uma empresa de rastreabilidade e gestão da qualidade de produtos agrícolas que visa aumentar a transparência e eficiência na cadeia de fornecimento de alimentos.
- AMZ Projects (Amazônia) – A AMZ é uma produtora de experiências especializada na Amazônia através de viagens.
- Atmos Energy (Ação Climática) – A Atmos é uma plataforma com medidores inteligentes de energia e processamento em nuvem para reduzir o desperdício de energia em empresas (foco em varejistas).
- Barkus (Ecossistema Empreendedor) – A Barkus é uma edtech que democratiza o acesso à educação financeira para jovens e adultos através de um bot humanizado que atua como uma educadora financeira de bolso via Whatsapp (saiba mais abaixo).
- Biotecland (Agricultura Sustentável) – A Biotecland é uma Startup em agrobiotecnologia especializada em microalgas para agricultura sustentável.
- iWrc (Embalagem Circular) – A iWrc é uma startup que tem como propósito conectar as cooperativas de reciclagem diretamente às grandes empresas.
- MEI Shop (Ecossistema Empreendedor) – O MEI Shop contribui para o aquecimento econômico do país, empoderando pequenos empreendedores a terem sucesso em sua trajetória com consciência e autonomia.
- O2eco (Água) – A O2eco realiza tratamento de água e efluentes sem uso químico ou bactéria exóticas, através de uma placa de parafina com minerais que ativam o processo de bioestimulação natural e as bactérias que já estão no corpo hídrico a consumirem a matéria orgânica.
- Urucuna (Amazônia) – A Urucuna busca promover a reconexão com a natureza através de Aromas para Casa e da valorização de Artes dos Povos.
Só nos pilotos, a estimativa da companhia é investir mais de R$ 400 mil neste ano. “A estratégia já mostra contribuições importantes às metas da companhia e de parceiros, como na criação de valor para pequenos produtores e avanços na agricultura sustentável, obtidos, por exemplo, por inovações de startups voltadas ao desenvolvimento de comunidades rurais”, avalia Lisa Lieberbaum, gerente de sustentabilidade da Ambev, mentora e atual gestora da Aceleradora 100+. Entre os compromissos empresariais para 2025, está reduzir 25% das emissões de carbono na cadeia de valor, bem como a gestão da água em sete bacias hidrográficas de atuação da companhia no País.
O programa destina-se a startups em fase inicial no mercado, com faturamento anual aproximado de R$ 50 mil a R$ 1 milhão. Após o primeiro filtro na seleção, as aprovadas seguem no processo de treinamento e, depois, para testes das soluções por quatro meses até a apresentação final dos resultados dos pilotos no Demoday – dia em que submetem seus pitches dos projetos para uma banca avaliadora. Além de premiação em dinheiro, as startups têm a possibilidade de seguirem como fornecedoras da Ambev, da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), correalizadora da iniciativa, ou de parceiros como Pepsico, Valgroup, Ball Corporation e Machado Meyer.
Junto à oportunidade de fazer negócios com grandes clientes ou até mesmo receber investimentos de participação no negócio, há os benefícios do networking e da conexão com outras empresas e da visibilidade de mídia que pode aproximá-las de novas oportunidades no mercado.
Até o momento, a iniciativa abrangeu mais de 60 startups nas três primeiras turmas da Aceleradora 100+, entre as quais mais de 15 seguem fazendo negócio ativamente com a Ambev, que realizou investimento direto com participação minoritária em três delas: Lemon, FNM e growPack. Desde o início do programa, foram movimentados mais de R$ 20 milhões entre negócios e investimentos.
Inovação aberta
“Quando olhamos para dentro da companhia, há um engajamento crescente, inclusive da alta liderança, no processo de seleção e desenvolvimento das inovações”, afirma Lisa Lieberbaum. Olhando para fora, a chegada de novos parceiros, com outros pontos de vista e demandas, permite às startups o acesso a vários players e uma visão mais completa do mercado. “Isso otimiza a rede de relacionamento dos empreendedores, sem a necessidade de participar de vários programas de aceleração ao mesmo tempo”, explica a gerente.
A lógica segue a tendência de crescimento global da inovação aberta como alternativa mais ágil e eficiente de acesso a tecnologias e soluções internas de sustentabilidade pelas empresas de grande porte. Nesse cenário, o relacionamento com startups de impacto se apresenta como elemento-chave para avanços nessas práticas, ao mesmo tempo em que gera negócios, tema de destaque no portfólio do Quintessa, aceleradora parceira na implementação da Aceleradora 100+ desde 2020.
Com uma base de mais de 5 mil startups de impacto mapeadas e metodologia própria de aceleração, o Quintessa traz um olhar estratégico para assegurar que a iniciativa esteja alinhada às prioridades da Ambev e que os pilotos de fato gerem negócios e resultados estratégicos para a companhia e seus parceiros.
Em 2021, a PPA entrou como parceiro correalizador do programa e, a partir daí, a Aceleradora 100+ passou a abranger também empreendimentos da Amazônia, com ênfase no fortalecimento de cadeias produtivas da sociobiodiversidade, turismo sustentável, inovação e iniciativas de base tecnológica, entre outros.
“Buscamos trazer visibilidade para que esses negócios amazônicos possam alcançar mercados mais competitivos e, dessa forma, fomentar uma economia justa que mantenha a floresta em pé”, ressalta Juliana Simionato, coordenadora de projetos da PPA. Ela completa: “Vimos que os desafios de sustentabilidade das organizações podem ser respondidos por empreendimentos que atuam com e na Amazônia, dentro de uma relação que se expande a cada ano no programa”.
Ecossistema empreendedor: inclusão na veia
Entre as linhas estratégicas da Aceleradora 100+, negócios que ajudam a desenvolver o ecossistema empreendedor têm contribuído para demandas internas da Ambev e alçado voo de cruzeiro no mercado como um todo, diante das agendas empresariais com o viés da geração de renda, diversidade e inclusão social. “O empreendedorismo que me abraçou e não o contrário”, diz Bia Santos, à frente da Barkus, edtech que visa democratizar o acesso à educação financeira para jovens e adultos por meio de tecnologia via WhatsApp, expandindo horizontes, ajudando a mudar realidades e diminuindo desigualdades.
“Estudamos educação financeira para o projeto de negócio e, também, para a própria vida”, afirma a CEO, que desde bem jovem, no Ensino Médio, já se preocupava ao fazer pesquisa junto a 200 colegas da escola e constatar uma geração consumista e endividada, com baixo conhecimento sobre o sistema financeiro. Daí criar uma startup junto com um amigo de turma para construir soluções de forma a levar o tema a mais pessoas e ainda ter retorno financeiro foi um passo natural, em 2016. Com um diferencial: tornar a linguagem acessível e atrativa e customizar métodos conforme a realidade e o perfil do público.
Após entender o conceito de negócio de impacto em atividades de capacitação do Sebrae, a empreendedora mobilizou um time para criar uma metodologia aplicável a alunos do Ensino Fundamental II e Médio, mas depois percebeu a necessidade de abranger também adultos – comunidade escolar, professores e responsáveis.
Até 2020, cerca de 50 professores foram capacitados, impactando positivamente 2 mil estudantes, quando a eclosão da pandemia de Covid-19 acelerou a busca pelo caminho digital. Veio a estratégia de priorizar o WhatsApp como canal mais eficiente para disseminar as trilhas de aprendizagem e atingir populações mais vulneráveis. “Nesse cenário, criamos a Iara, nossa robozinha que processa dados de inteligência artificial e nos ajudou a quintuplicar o número de pessoas para 55 mil, em dois anos”, conta Bia Santos. A expectativa é atingir um total de 250 mil pessoas até o fim deste ano.
Ao participar da Aceleradora 100+, entre outros programas de aceleração que integrou ao longo desses seis anos, a Barkus avançou no entendimento sobre como estruturar um bom projeto de negócio, conheceu in loco a realidade de uma empresa de grande porte e tornou-se fornecedor da Ambev para suporte às metas neste tema. “A experiência ajudou a validar a ideia de conectar educação financeira e inclusão produtiva, no desafio da geração de renda”, observa a administradora com pós-graduação em História e Cultura Africana, pronta para levar o tema a outras frentes empresariais, com superação de barreiras.
“Ser mulher, preta e jovem sempre foi um desafio no contexto do mundo das startups e seus CEO”, diz a empreendedora. Foi também necessário desfazer mitos sobre a educação financeira, temática que vai muito além de gastar menos do que se ganha e não está restrita a classes de maior renda, o que demanda soluções com um olhar mais amplo.
Avanços mais rapidamente na agenda se justificam diante da desigualdade social e do alto nível de inadimplência no Brasil, que atualmente atinge 66 milhões de pessoas, 40% jovens entre 18 e 24 anos. “Precisamos de capacitação sobre serviços financeiros e mercado”, destaca Bia Santos, atenta à necessidade de manter alta a taxa de conclusão das atividades educativas na plataforma digital da startup, hoje em torno de 50%.
Em sua análise, no mundo de hoje há maior abertura para se falar de finanças, mas os conteúdos na internet são complicados e, em geral, inadequados para democratizar esse acesso. “Inclusão financeira é conhecer o momento de vida para usar bem o dinheiro”, completa a empresária, que em dois anos de negócio só ganhava R$ 230 por mês, sem conseguir pagar as contas, e teve apoio da família para virar a chave e hoje comandar um time de 17 colaboradores.
Salto estratégico
No caso do paulistano Marcelo Arruda, CEO da startup Diversidade.io, a tecnologia digital teve outra finalidade, entre as inovações selecionadas pela Aceleradora 100+ em 2021: mapear e avaliar afroempreendedores em localidades e regiões de operação da Ambev, como suporte à meta empresarial de diversidade na cadeia de suprimentos. Após a experiência inicial, o empresário deu um salto estratégico e criou a plataforma Afroempreendedores.com.br para aproximação com outras companhias. O sistema utiliza ferramenta de inteligência artificial que processa mais de 100 mil fotos para checar a validade de autodeclaração racial de forma mais rápida e segura para as empresas clientes, além de oferecer um maketplace para fomento de negócios entre os próprios empreendedores.
Com a maior população negra fora da África, o Brasil reúne 14 milhões de afroempreendedores, segundo dados do IBGE. Do total, apenas 1,3 milhão tem funcionários e estrutura de gestão mais organizada. A grande maioria, 91%, representa empreendedores individuais que precisam de maior atenção nas políticas de inclusão. “Solucionamos a demanda de grandes empresas que buscam esses fornecedores, mas não sabem como localizá-los”, explica o empresário. Somando os diferentes serviços, as plataformas mantidas pela startup têm atualmente cerca de 2,6 mil perfis cadastrados.
Foi uma história planejada. Arruda deixou a carreira corporativa em multinacionais do varejo para empreender o próprio negócio, após criar em 2018 um grupo de mobilização no campo da inclusão racial – o Movimento de Afroempreendedores e Parceiros – já olhando para a demanda das agendas empresariais ESG.
No rol das novidades, além da validação racial, a startup desenvolveu robô que faz a busca de diferentes recortes de diversidade entre esses empreendedores. “Queremos agora atender a demanda internacional por meio de plataformas globais em vários países”, revela o CEO. A exposição de mercado obtida na Aceleradora 100+ abriu portas para novas experiências, como a participação na Braskem Labs, neste ano, e a expectativa é essa chancela também contribuir com o atual plano de entrar no mercado externo. Arruda enfatiza: “Muitos falam de afro-futurismo e do papel das pessoas negras nas transformações globais, mas, sem gerar resultados financeiros, ficaremos só no discurso”.
Sobre a Aceleradora 100+
O programa Aceleradora 100+ surgiu em 2018, alinhado à iniciativa global da Ambev e aos seus compromissos de sustentabilidade para 2025 (mais informações: aceleradora.ambev.com.br). Desde então, foram mais de 60 startups aceleradas e R$ 15 milhões investidos em negócios parceiros. Em 2021, a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) e Quintessa se uniram a essa jornada e, agora, PepsiCo, Valgroup, Ball Corporation e Machado Meyer chegaram para integrar a quarta edição e ampliar a escalabilidade dos projetos apresentados.
As startups implementam as soluções de impacto por um período e mensuram os resultados gerados. A implementação pode ser de uma solução pronta, mas também é possível adaptar uma solução existente e até cocriar algo novo entre executivos e empreendedores. O foco do programa é garantir o êxito dessa implementação, corrigir a rota, se necessário, e orientar as duas partes a partir de boas práticas.
Destinado a negócios que estão ingressando no mercado, com clientes e vendas já realizadas, o programa está dividido em duas etapas, incluindo aulas teóricas sobre gestão de negócios; workshops realizados pelo Quintessa para desenvolvimento do piloto, implementação durante um processo de quatro meses; e apresentação no evento de encerramento, com premiação em dinheiro. Algumas startups se beneficiam pela contratação de serviços pela Ambev posteriormente, além disso, podem apresentar propostas de investimentos para a empresa e parceiros do programa.
A Ambev anunciou que toda a alta liderança tem remuneração variável atrelada às metas de ESG. São consideradas todas as iniciativas ligadas à economia sustentável, geração de valor para micro e pequenos empreendedores, projetos de impacto social, diversidade e inclusão, além de governança.