De olho no mercado da saúde e bem-estar, startup recebe investimento de empresas do Polo Industrial de Manaus para colocar a castanha-do-brasil nas formulações de grandes indústrias alimentícias. Conheça também outras iniciativas de proteínas alternativas produzidas com base na sociobiodiversidade brasileira
Por Sérgio Adeodato
Os hábitos de consumo nos grandes centros estão relacionados aos recursos da Amazônia em vários aspectos. Da madeira para construção civil aos ingredientes para cosméticos, não faltam exemplos já incorporados ao cotidiano e novidades que se preparam para chegar ao mercado. Na dinâmica de novas demandas da sociedade, uma em especial se destaca no rastro da busca por saúde e bem-estar: a proteína vegana, segmento alimentício que cresce exponencialmente no mundo, com alto potencial de negócios baseados na maior floresta tropical do planeta.
No centro das inovações vindas da biodiversidade está a proteína em pó obtida de resíduos da castanha-do-brasil pela startup Terramazônia, sediada em Manaus com a estratégia de oferecer alternativas de alto valor com a pegada amazônica, causando impacto socioambiental positivo às cadeias econômicas da floresta.
“Além da origem regional, o produto contém selênio, bom para a imunidade além de anti-inflamatório, e representa uma nova fonte de proteínas veganas para o mercado, hoje dependente da soja, ervilha, milho e arroz como matéria-prima”, explica o farmacêutico Emerson Silva Lima, à frente do negócio. “Entre as vantagens, a opção a partir da castanha tem sabor bem mais agradável em relação às demais”, completa.
Após realizar por duas décadas diversas pesquisas acadêmicas com extratos de plantas amazônicas, com finalidade farmacêutica, o pesquisador criou a startup para o trabalho de controle de qualidade e validação dos produtos, superando gargalos locais. Até que, há três anos, o projeto foi alterado e passou a focar bioativos de alta importância nutricional: os nutracêuticos, com transformação em pó proteico para vendas à indústria alimentícia e varejo. Com um diferencial: o uso de resíduos do beneficiamento da castanha nas agroindústrias – sobras normalmente descartadas ou vendidas na forma de farinha com baixo valor comercial.
O projeto compõe o portfólio de investimentos do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio) – política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) que mobiliza o repasse de recursos obrigatórios de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) como contrapartida das empresas pelos benefícios fiscais, principalmente no âmbito da Lei de Informática. Em quatro anos, a iniciativa reúne mais de 30 empresas investidoras, com previsão de atingir neste ano o marco de R$ 100 milhões em repasses para negócios inovadores em bioeconomia, com fortalecimento de cadeias produtivas na Amazônia. Entre os destaques estão soluções de produtos para o mercado fitness.
“Ser vegano, optar por alimentação saudável e consumir suplementos que ajudam nas atividades físicas pode contribuir para aumentar a renda local e manter a floresta em pé”, ressalta Paulo Simonetti, líder de captação e relacionamento com o investidor do PPBio. A iniciativa é coordenada pelo Idesam, organização da sociedade civil que faz a ponte entre empresas investidoras e startups.
Segundo Carlos Koury, coordenador do programa e diretor de inovação em bioeconomia do Idesam, “na estratégia desenvolvida para o funcionamento PPBio, as proteínas veganas de origem amazônica são de extrema importância, mobilizando a busca do melhor conhecimento disponível na academia para aplicação em soluções comercialmente viáveis”.
No caso do projeto da Terramazônia, o objetivo principal do repasse é o enriquecimento do produto na concentração proteica necessária ao consumo, com fornecimento a grandes indústrias alimentícias para uso, por exemplo, em bebidas lácteas. “Já chegamos a teores de até 60% e agora fazemos o controle para a estabilidade do produto com fins industriais”, revela o empreendedor.
Como primeira proteína vegana com castanha-do-brasil do mercado, o plano é – além da venda para indústrias – expandir a novidade diretamente ao consumidor via marketplace, a exemplo do que já faz a startup com a comercialização de blends de açaí em pó e outros frutos, no total de 30 produtos.
“Precisamos de fontes de proteína vegana genuinamente brasileiras”, defende Lima, na expectativa de novos investimentos para a montagem da estrutura própria de beneficiamento, após a validação da tecnologia com a castanha, de olho no mercado externo.
No mundo, o mercado de proteína vegana em pó poderá alcançar US$ 8,03 bilhões até 2029, segundo relatório exclusivo da consultoria Meticulous Research. Ao mesmo tempo, as proteínas alternativas – ao lado dos bioplásticos, enzimas e biocombustíveis, por exemplo – compõem o quadro das principais tecnologias para promover a descarbonização do Brasil, conforme estudo inédito da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI).
De acordo com o levantamento, o uso sustentável de recursos biológicos é fundamental para atender tanto as metas climáticas mais restritivas quanto o desenvolvimento econômico do País: a bioinovação tem potencial de injetar mais US$ 284 bilhões ao ano na economia brasileira. Para tanto, diz o estudo, é necessário um investimento da ordem de US$ 45 bilhões. Essa avaliação preliminar não
considera o alto potencial econômico da exploração da biodiversidade brasileira.
“Danoninho” de castanha
Entre os negócios apoiados por investimentos via PPBio, a castanha-do-brasil é também alvo da nova sobremesa desenvolvida nos laboratórios da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) – a Petitnut, à base de leite vegetal, sem lactose e alto teor de selênio. “Assim, a academia vai além dos muros em benefício de comunidades rurais e ribeirinhas, devolvendo os resultados da informação científica colhida nesses lugares”, afirma Ariane Kluczkovski, farmacêutica com doutorado em ciência dos alimentos, fundadora da startup Tocari.
No conceito “petit suisse”, como o Danoninho, o produto será vendido inicialmente no mercado local de Manaus para supermercados e restaurantes de alto padrão. Com o investimento, o objetivo é a estruturação fabril e compra de equipamentos para produção inicial de 1 mil unidades por mês na atual safra da castanha, obtida prioritariamente de castanhais subutilizados na região de Rio Preto da Eva (AM).
Hambúrguer de tucumã e almôndega de açaí
Bioprodutos funcionais e saudáveis ganham espaço nos investimentos em P&D da Foxconn Brasil, fabricante taiwanesa de componentes para informática e automóveis em Manaus, com R$ 3 milhões de aportes via PPBio em diferentes projetos que olham para o mercado de alimentação de alto valor nutritivo e comercial. Entre os exemplos estão o hambúrguer de tucumã (fruto de palmeira amazônica) e almôndega e linguiça de açaí: “Buscamos produtos amazônicos inovadores que valorizassem a nossa cultura e a cadeia regional de suprimentos”, revela Beto Pinto, fundador da Smart Food.
Com o produto congelado, sem glúten, lactose e aditivos artificiais, a estratégia é avançar no mercado fora da Amazônia. Para viabilizar a expansão, o novo investimento permitirá passar da produção artesanal para a comercial, prevendo entre cinco e 10 toneladas mensais. “Vamos agora redimensionar o produto e melhorar processos de modo a aumentar a validade para uso”, diz o chef de cozinha formado em alimentação à base de plantas pelo Le Cordon Bleu Austrália.
A maior parte da proteína do produto vem do feijão-manteiga, com uso do tucumã e açaí para conferir cor e sabor especiais, enquanto no mercado vegano a opção tem sido hambúrgueres de soja com aroma artificial de carne. “Há suporte para o desenvolvimento da Amazônia, mas é preciso estruturar soluções viáveis capazes de chegar as populações locais e fortalecer a sociobiodiversidade por meio da formatação de negócios”, observa o empreendedor.