Ativistas brasileiros divulgam posição conjunta com forte apelo para limitar uso de combustíveis fósseis; os atuais planos climáticos nacionais levam ao aumento de quase 9% das emissões
Ao todo, 61 organizações da sociedade civil brasileira divulgaram hoje, dia 16, uma posição conjunta cobrando que a próxima Conferência do Clima da ONU, a COP 28, que será realizada em Dubai, em dezembro, estabeleça datas para a eliminação ordenada e progressiva dos combustíveis fósseis. Essa forma de energia suja, da qual dependem termelétricas, motores a combustão e outros, é a causa principal do aquecimento que está levando o clima da Terra a condições extremas.
Os ambientalistas instam a COP 28 a pactuar que a exploração de combustíveis fósseis deve ser reduzida em 43% até 2030 em relação aos níveis de 2019; e em 60% até 2035, inclusive com a suspensão de novas frentes de exploração. As organizações cobram ainda que as petroleiras e o setor de carvão deixem de receber dinheiro público em forma de subsídios e financiamento de projetos.
O pedido chega após as conclusões do relatório Lacuna de Produção, da ONU, que detalha os planos energéticos das principais economias para pontuar que, em vez de reduzir, elas planejam expandir o uso de energia suja (saiba mais aqui). Isso tornará impossível que o mundo controle o aquecimento global, levando a mudança do clima a patamares cada vez mais catastróficos.
Países ricos e “petroestados” precisam liderar o processo para desistir de explorar petróleo, gás e carvão, e todas as regiões precisam de um cronograma de descarbonização que possa ser acompanhado de maneira pública e transparente. Além disso, zonas estratégicas para a biodiversidade, como a Amazônia, devem ser consideradas livres de exploração dessa forma poluente de energia.
Tal processo só será viável se novos mecanismos financeiros forem acordados em Dubai. Isso dará uma chance para que os países pobres e mais vulneráveis ao clima possam transformar seus sistemas energéticos para fontes renováveis, enquanto se adaptam e se protegem em relação aos impactos climáticos que já estão ocorrendo.
O conjunto de ações deve incluir um imposto global sobre lucros inesperados da indústria petroleira, impedindo que crises geopolíticas sejam benéficas para essas empresas — uma medida semelhante a ser aplicada a petroestados.
O financiamento para adaptação à mudança do clima também precisa aumentar — ao menos dobrar até 2025, com aplicação mais eficaz na escala local. Mecanismos como a troca de dívidas dos países pobres por proteção da natureza e do clima devem ser facilitados, assim como a transferência tecnológica e a cooperação técnica para energias renováveis e eficiência energética.
Mas, segundo a ONU, medidas tomadas até o momento são insuficientes. A Convenção-Quadro sobre Mudança Climática (UNFCCC) apresentou no dia 14 uma nova análise dos planos climáticos nacionais para redução de emissões (as NDCs – Nationally Determined Contributions) e afirma que a COP 28 deve preparar o terreno para uma ação imediata.
Para o chefe de mudança climática da ONU, Simon Stiell, os países estão dando “passinhos de bebê” na redução de emissões. Se as novas NDCs forem implementadas, o aumento de emissões será de 8,8% até 2030 em relação a 2010 – era de 10,8% na avaliação de 2022. O incremento deve-se possivelmente à última NDC do Brasil, que refez e melhorou a meta de contribuição do Brasil após o fim do mandato de Jair Bolsonaro.
Os dados mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU indicam que as emissões de gases com efeito de estufa precisam ser reduzidas em 43% até 2030, em comparação com os níveis de 2019. Isto é fundamental para limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau até ao final deste século e evitar os piores impactos das alterações climáticas, incluindo secas, ondas de calor e chuvas mais frequentes e graves.
“Cada fração na temperatura é importante, mas estamos gravemente fora do caminho. A COP 28 é a nossa hora de mudar isso”, disse Stiell. “Chegou a hora de mostrar os enormes benefícios de uma ação climática mais ousada: mais empregos, salários mais elevados, crescimento económico, oportunidades e estabilidade, menos poluição e melhor saúde.”
A seguir, a posição de alguns ambientalistas brasileiros:
“Vivemos hoje um aperitivo do futuro distópico que teremos se não conseguirmos abandonar os combustíveis fósseis em poucas décadas. Por isso, as negociações climáticas que acontecem em dezembro, em Dubai, na COP 28 só terão sucesso se os governos de todo o mundo conseguirem entregar um acordo formal com metas e cronogramas de abandono gradual, mas rápido, da produção e da queima dos combustíveis fósseis. O resto é blá-blá-blá.”
Delcio Rodrigues, diretor executivo, Instituto ClimaInfo
“O mundo não tem outro caminho a seguir que não a eliminação a passos rápidos da exploração dos combustíveis fósseis. O tema necessita ser colocado como prioridade absoluta na COP 28. Precisamos de cronogramas de descarbonização em todos os países, com atenção para a responsabilidade dos mais ricos em apoiarem os demais nesse processo. Precisamos também do estabelecimento de zonas de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, e a Amazônia deve estar no topo dessa lista.”
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima:
“Essa COP chega em um cenário de extremos climáticos assustadores, que estão tornando ainda mais forte a demanda da sociedade em todo o mundo por medidas para limitar a emergência do clima, Os governos devem uma resposta às pessoas que estão passando mal por causa do calor recorde ou sofrendo para se alimentar devido à seca extrema. Na COP 28, essa resposta viria, por exemplo, na forma de compromissos concretos pelas energias renováveis socialmente justas e pelo fim dos combustíveis fósseis.”
Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina
“Estamos testemunhando consequências climáticas sem precedentes no mundo, e os impactos insuportáveis dessa ebulição global são um claro sinal de que não podemos mais adiar a aposentadoria dos combustíveis fósseis. No entanto, estamos assistindo a uma realidade alarmante, na qual o Brasil está tomando medidas que contradizem essa necessidade urgente. Um exemplo disso é a recente decisão de disponibilizar para exploração áreas de extrema sensibilidade ambiental, como os montes oceânicos do arquipélago de Fernando de Noronha e áreas cruciais na Amazônia, logo após a conclusão da COP 28. Esse é, sem dúvida, um dos piores leilões de petróleo e gás na história da Agência Nacional de Petróleo e Gás, e isso é absolutamente inaceitável diante da crise climática que enfrentamos.”
Nicole de Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara