Em Dubai, caberá a chefes de Estado e governo terem uma certa dose de escrúpulos para reconhecer que o meio ambiente está em tudo
Por Renato Grandelle*
Só existe uma certeza em relação à crise climática: ela vai piorar. A escalada dos eventos extremos é conhecida há décadas e aglutina números cada vez mais volumosos – o de desastres ambientais, o contingente de vítimas, as cifras envolvidas. Não faltam vozes que tentam relativizar o efeito da mudança do clima. Negacionistas que rotulam a sucessão de catástrofes como consequência de ciclos naturais do planeta, que se esquivam de atribuir à ação humana o caos que passa à quinta marcha.
Já passamos, há muito, do momento do mea-culpa. É hora de reconhecer que o meio ambiente está em tudo. Não é um assunto de nicho, não é uma agenda ideológica.
O meio ambiente rege a economia. Acordos comerciais são rompidos ou morrem no nascedouro caso não haja compromisso claro com a conservação ambiental em toda a cadeia produtiva. Além de melar oportunidades promissoras no mercado internacional, o desmatamento e as queimadas na Amazônia impedem o ciclo natural de chuvas – que, em seu roteiro rumo ao Centro-Sul do País, regam nossas safras e abastecem as hidrelétricas –, deixando o resto do país na iminência de uma crise hídrica e energética.
O meio ambiente testa a infraestrutura. As chuvas, quando vêm ao Sudeste, são mais imprevisíveis e abruptas, e em minutos se multiplicam as estradas rachadas, carros que reviram como guardanapos ao sabor do vendaval, árvores derrotadas sobre postes. Regiões de São Paulo, o maior de nossos centros urbanos, ficaram até seis dias sem luz após uma tempestade. Em tantos cantos do País, a chuva ganha contornos de correnteza e devasta comunidades que se equilibram em encostas.
É uma cena repetida à exaustão, entre outros endereços, na Região Serrana do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, ou mesmo em bairros da periferia da Cidade Maravilhosa. Já seu quinhão mais favorecido, que habita o Rio do cartão-postal, assombrou-se recentemente com a força de ressacas que engoliram a areia, o calçadão, tomaram pistas de trânsito e margearam a portaria dos prédios da orla.
O meio ambiente pauta a diplomacia. Estados insulares diminutos estão com as décadas contadas, dado o avanço inclemente do nível do mar. Nações pobres em todas as latitudes, que foram as últimas a poluir a atmosfera, serão as primeiras a pagar a conta, com um dinheiro que nunca chegou à sombra das proporções prometidas pelos países industriais, donos do carbono que se acumula sobre nossas cabeças. Fala-se há mais de uma década na destinação anual de US$ 100 bilhões aos menos desenvolvidos. O fundo nunca encostou neste patamar, e as contas, revisadas, mostram que o financiamento climático deveria pular para US$ 2,7 trilhões por ano.
O meio ambiente convive com a tragédia. Da extinção em massa de espécies – algumas mortas antes mesmo de conhecidas pela ciência – ao caos na porta de um estádio no Rio, onde a sensação térmica atingiu 60 graus Celsius, e fãs na fila de um show imploraram em vão por água. Uma jovem morreu, mais de mil desmaiaram e o espetáculo foi adiado. A onda de calor deu uma rasteira no Brasil que se ufana de seu clima tropical.
Nos últimos meses, as maiores economias do mundo viveram impactos semelhantes – o calor, os incêndios e os dilúvios. Em um planeta sensato, o meio ambiente deveria transbordar, com a mesma força da água de seus temporais, a pauta de toda e qualquer cúpula internacional. Não apenas em discursos, como já se vê, mas também em resoluções.
Na Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas sobre Mudança Climática, as discussões deveriam levar a metas mais ambiciosas para redução das emissões de gases de efeito estufa. A resultados concretos em relação às declarações em defesa das florestas e em repúdio ao metano, assinadas dois anos atrás. A torrões de dinheiro para adaptação e perdas e danos. A compromissos de troca definitiva de combustíveis fósseis por energias renováveis.
Os habituados aos contorcionismos verbais da COP do Clima conhecem as dificuldades para emplacar qualquer medida na cúpula, dada a necessidade de consenso entre países tão diferentes. O Brasil levará uma das maiores delegações de sua história à Dubai. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma parte de seu primeiro escalão prometem assumir a batuta das negociações e reconstruir a tão minada ponte entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
O governo aterrissa na conferência ciente de que, daqui para frente, sua responsabilidade atingirá novas proporções. Afinal, o Brasil assumirá a presidência do G20 em 2024 e, no ano seguinte, levará a COP a Belém. Acerta em virar os holofotes para temas como bioeconomia e segurança alimentar, temas diretamente relacionados à seara ambiental, embora estes laços sejam comumente ignorados.
Entre novembro e dezembro, em Dubai, caberá a chefes de Estado e governo terem uma certa dose de escrúpulos para reconhecer que o meio ambiente está em tudo – e, como tal, deve ser alçado à prioridade na agenda de desenvolvimento sustentável. O Brasil, por sua vez, ostenta tantos créditos quanto responsabilidades. É a nação mais biodiversa do planeta e uma das lideranças na produção de alimentos. Economia e sustentabilidade convivem na cabeça e no bico de cada caneta que assinará novas resoluções daqui em diante. O momento do tão aguardado protagonismo brasileiro chegou. Que venha com a prometida abordagem multidisciplinar.
O mantra já é conhecido: o meio ambiente está em tudo. Quanto antes reconhecermos sua onipresença, mais rapidamente nos distanciaremos, alguns centímetros que seja, do abismo.
*Renato Grandelle é jornalista ambiental