Conheça algumas das principais normas nos pilares ambiental, social e de governança, e entenda a importância da Matriz de Materialidade e da Avaliação de Riscos
Por Tarsila Arnone*
Nos últimos anos foram criadas diversas iniciativas, normas e regulamentações com o objetivo de influenciar e direcionar as estratégias de ESG – critérios ambientais, sociais e de governança que ajudam a avaliar riscos das empresas e decisões de investimento. Essa onda tem sido impulsionada por diversos stakeholders, mas também é reflexo da consolidação das normas da União Europeia, que entraram em vigor em janeiro de 2024.
Pela lei, mais de 50 mil empresas europeias e suas subsidiárias passaram a ter a obrigação de reportar informações não financeiras em seus relatórios, ou seja, divulgações também das práticas de sustentabilidade e ESG, seguindo os padrões da European Sustainability Reporting Standards (ESRS) em busca de mais transparência e acuracidade das informações.
No Brasil, as novas regulações do setor financeiro anunciadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central do Brasil (Bacen) são uma das bases no marco de leis e regulamentações de ESG, assim como as novas regras da Superintendência de Seguros Privados (Susep), que trazem requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas sociedades supervisionadas.
Analisando outros exemplos de leis, guias e compromissos, percebemos que todos esses esforços têm um papel importante no caminho de amadurecimento das ações ESG olhando para os seus três pilares.
No pilar de Governança, por exemplo, podemos citar a Lei das S/A (Lei nº 6.474/76), que trata dos aspectos de Governança Corporativa; a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13) para penalizar empresas que promovam desvios; e a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16), criada para definir regras mais claras e rígidas para compras, licitações e nomeação de diretores, presidentes e membros do conselho administrativo de empresas estatais.
No Social, por sua vez, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) definiu critérios de segurança na captação e na utilização de dados pessoais de fornecedores, empregados, clientes e terceiros. Ainda neste pilar, há a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/12), que reserva 50% das vagas de cursos das Universidades Federais para egressos de escola pública com famílias de baixa renda. Também vemos um movimento mais forte e atento para a Due Dilligence em Direitos Humanos, trazendo mais atenção no monitoramento da cadeia de fornecedores e terceiros.
E, no pilar Ambiental, podemos mencionar ainda mais exemplos. Na B3, temos o Guia de Mercado de Capitais e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, para tornar mais prática e consistente as divulgações de ESG. Na Federação Brasileira de Bancos (Febraban), podemos citar o Guia de Emissão de Títulos Verdes, que orienta interessados sobre o processo de emissão de títulos, e a Régua de Sensibilidade, uma ferramenta para análise de carteiras de crédito de bancos a riscos climáticos. Ainda há o amadurecimento e ampliação da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), e a RenovaBio (Lei nº 13.576/2017), que criou créditos de descarbonização a serem emitidos pelos produtores ou importadores de biocombustíveis.
Seja por imposição, seja por adesão voluntária, toda essa movimentação regulatória existente, somada à incorporação de novas medidas, busca mais previsibilidade de cenários para diminuir riscos e vulnerabilidades, trazendo equilíbrio entre os pilares ESG. Consequentemente, há mais valor para empresas, clientes e investidores.
A pergunta que fica: “O que eu, como empresa, administrador, líder, gestor, fornecedor e até mesmo colaborador preciso fazer para implementar o ESG na cultura, na estratégia e nas práticas diárias das minhas atividades?”
Primeiramente, é preciso reconhecer que o processo de ESG é gradual e exige responsabilidade e compromissos que, de fato, possam ser assumidos e atingidos. Por isso, é necessário ter alinhamento e coerência com todas as áreas, objetivos e propósitos da empresa para que não fiquem apenas no discurso.
A realização de um bom diagnóstico pode colocar as empresas no rumo certo e tangível, assim como no melhor atendimento das regulamentações atuais e as que estão por vir. Suas etapas são imprescindíveis, sendo duas delas as que mais se destacam e permitem o desenvolvimento de um Plano de Ações bem estruturado e desenhado de maneira que agregue cada vez mais valor à estratégia do negócio.
A Matriz de Materialidade é uma delas e ajuda a definir quais temas representam os impactos mais significativos da organização sobre a economia, o meio ambiente e as pessoas, e por sua relevância, deverão ser incluídos nas metas e nos compromissos da empresa. Essa etapa é uma das mais importantes, pois norteia toda a jornada ESG, dá foco às prioridades e permite fazer um melhor levantamento de riscos e oportunidades em prol da longevidade e lucratividade da empresa, assim como a construção da Política de Sustentabilidade, exigida nas novas regulamentações do Bacen, por exemplo.
Outro ponto importante é que a materialidade define a construção de indicadores e métricas que irão abastecer as informações e os relatórios exigidos pela nova resolução 193 da CVM, que tem como finalidade dar o primeiro passo para a regulação das divulgações das normas de sustentabilidade alinhadas com o International Sustainability Standards Board (ISSB), e com o GRSAC, relatório de riscos e oportunidade sociais, ambientais e climáticas, exigido pelo Bacen para instituições S1 a S4.
A segunda etapa de diagnóstico consiste na Avaliação de Riscos ESG, que traz uma compreensão mais ampla do impacto que temas materiais cuidados de forma insuficiente podem trazer negativamente para os aspectos reputacional, legal e regulatório, prejudicando diretamente os resultados financeiros das empresas.
Nesse sentido, os investimentos devem considerar não apenas interesses, necessidades e regulamentações emergentes, mas principalmente ter planos de ação e mitigação que utilizem as práticas de ESG como ferramenta de previsibilidade, e na diminuição de perdas de mercado.
Ampliar o marco regulatório acelera o caminho que deve ser seguido para melhorar o desempenho das empresas. As medidas adotadas pela União Europeia, atualmente em estágios mais maduros e exigentes, certamente podem servir de exemplo para a jornada ESG no Brasil, evidenciando que essa agenda não é modismo, mas sim uma oportunidade de criar um modelo de gestão: mais seguro, equilibrado e que possibilite maior abertura para investimentos internacionais.
(Texto atualizado em 2 de abril de 2024)
*Tarsila Arnone é consultora master de ESG da Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados