O conturbado cenário geopolítico, com graves conflitos envolvendo atores da agenda energética, abre espaço para que o País ocupe o vácuo de liderança, de forma neutra e propositiva, na visão de Guilherme Syrkis. Para o diretor executivo do Centro Brasil no Clima, deve-se usar o atual protagonismo no G20 e na COP 30 para cobrar os países ricos, apontar caminhos pragmáticos e mobilizar recursos
Por Amália Safatle
Contexto: O Brasil ocupa uma posição única posição única para liderar e influenciar a agenda global de financiamento climático, na opinião de Guilherme Syrkis, diretor executivo do Centro Brasil no Clima, voltado a disseminação de conhecimento, elaboração de ações estratégicas e mobilização da sociedade para combater os efeitos da mudança climática.
Ele baseia essa afirmação em três fatores. Primeiramente, o País abriga a maior parte da Floresta Amazônica, o que o torna um ator crucial na luta contra o aquecimento global e na preservação da biodiversidade. Em segundo lugar, o Brasil tem capacidade de liderança em energias renováveis, como a hidrelétrica, eólica, solar e biocombustíveis, dado o seu vasto potencial natural e tecnológico. Isso posiciona o Brasil como um modelo para a transição energética. Em terceiro, a experiência e a tradição do País em negociações climáticas internacionais e a diversidade de seus ecossistemas contribuem para a sua influência na agenda global. Mas o caminho é repleto de desafios, internos e globais.
Diante disso, Página22 propôs Três Perguntas Para…
Guilherme Syrkis, diretor executivo do Centro Brasil no Clima
1.
Quais são os maiores gargalos para o financiamento climático, nacional e globalmente falando, e como destravá-los?
Internamente, a intensa polarização política somada aos desafios para atingir equilíbrio fiscal pode desacelerar investimentos críticos. Em âmbito global, a diversidade de interesses econômicos e ambientais entre nações torna complexa a tarefa de formar acordos mutuamente vantajosos. Acrescentam-se a isso as burocracias dos mecanismos de financiamento existentes, bem como a falta de capacidade para gestar bons projetos para receber recursos especificamente alocados para combate às mudanças climáticas.
Para transcender essas barreiras, é essencial fomentar uma maior capacitação transparência e simplificar os trâmites de financiamento. Urgente também é a necessidade de engajar o setor privado, motivando-o a contribuir com investimentos em iniciativas verdes, e assegurar a coerência e a resiliência das políticas ambientais ao longo do tempo, reforçando assim a eficácia e a sustentabilidade do financiamento voltado ao clima para países mais pobres.
2.
Ainda que o Brasil tenha deixado de contar com um negacionista na presidência da República, temos um Congresso conservador e um mundo muito instável com a concomitância de graves e duradouros conflitos envolvendo atores importantes da agenda energética, como a Rússia (grande consumidora de gás) e o Oriente Médio (grande produtor de petróleo). Além disso, há alta chance do negacionista Donald Trump voltar ao comando da maior economia do planeta. Qual a relevância de ações do Brasil diante de um contexto geopolítico tão desafiador?
De fato, o cenário geopolítico não é dos mais favoráveis, com a guerra na Ucrânia e em Gaza, a crise energética, a possibilidade de Trump voltar etc. Mas, justamente por isso, é ainda mais importante que o Brasil em 2024 ocupe esse vácuo de liderança e seja um ator propositivo e neutro das amarras ideológicas. O presidente Lula precisa ter muito cuidado com as suas palavras e não repetir erros que tem cometido no seu terceiro mandato na política externa. O momento é agora para usar nosso protagonismo no G20 e na COP 30 para cobrar os países ricos, apontar caminhos pragmáticos e mobilizar recursos.
3.
Mesmo sob um Executivo mais progressista, quais os riscos de o Brasil ter seu protagonismo – no G20 e na COP 30 – afetado pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas e pelo desmatamento que tende a levar o bioma amazônico a um ponto de não-retorno (ainda que a taxa tenha caído consideravelmente desde 2023)?
Sem dúvida, a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na região da Foz do Amazonas, e o desmatamento ainda alto geram desconfiança sobre o real compromisso do Brasil. O governo precisa continuar mostrando que está reduzindo o desmatamento na prática, e que a exploração de petróleo será compatível com nossas metas de redução de emissões. Se não houver resultados concretos, nosso protagonismo internacional ficará comprometido. Acho que o governo está ciente disso e espero ações firmes nessas frentes.
Existe uma expectativa de que Lula publicará um decreto para se realizar uma avaliação ambiental estratégica antes de iniciar a perfuração de pesquisa na Foz do Amazonas. Isso tem potencial de gerar um sinal positivo, mostrando que a questão da Foz do Amazonas não se resolve com grito, mas sim com ciência e responsabilidade. Vamos ver as cenas dos próximos capítulos.