Evento sobre bioeconomia e sustentabilidade traz exemplos de mecanismos de incentivo e de formas de captação de recursos
Por Magali Cabral
O tempo dos grandes debates sobre as questões ambientais que afligem pessoas em todo o mundo ficou para trás, ou quase isso. Os eventos climáticos extremos já estão por aí assustando a todos por sua frequência e poder avassalador. Mais do que falar, é preciso fazer. “Estamos em um momento de ação e, para viabilizar ações, é preciso saber acessar recursos”, afirma a editora da Página22, Amália Safatle, ao abrir o painel sobre mecanismos de incentivo e mobilização de recursos para impacto positivo, no 3º Fórum de Bioeconomia e Sustentabilidade, realizado pela Câmara de Comércio França-Brasil em parceria com a ONG Dia da Terra Brasil, em 22 de agosto, na biblioteca do Parque Villa-Lobos em São Paulo.
As gravações deste e dos demais painéis apresentados no evento estarão disponíveis por algumas semanas no Instagram @diadaterrabrasil, mas segue aqui um aperitivo:
Fábio Cesnik, sócio fundador do CQS-FV Advogados e um dos palestrantes desse painel, em uma abordagem sobre o conjunto de leis brasileiras que fomentam as atividades socioculturais e o Terceiro Setor em geral, destaca a possibilidade de as empresas destinarem 11% do valor de seu imposto de renda para projetos culturais, esportivos, ambientais e de reciclagem.
Além das pessoas jurídicas, as pessoas físicas que declaram imposto de renda no formato completo também podem destinar até 9% do imposto devido para os projetos socioambientais e culturais. “Mas o interessante do conjunto de leis brasileiras é a possibilidade do uso combinado das atividades. Se eu quero tratar de uma questão ambiental, posso produzir um documentário que traga esse tema usando a Lei do Audiovisual. Ou posso fazer uma exposição artística sobre um desses temas com recursos da Lei Rouanet. E ainda, posso ter uma ação social que envolva crianças ou idosos, captando recursos via Fundo da Criança e do Adolescente, ou Fundo do Idoso. Esses mecanismos de financiamento, embora sejam focados em um segmento, podem se combinar”, explica Cesnik.
Mesmo com todo esse conjunto de leis, quem trabalha com atividades culturais conhece as dificuldades para se captar recursos de incentivos. Depois de passar 10 anos pelejando por recursos para fazer cinema, Antonio de Andrade fundou a Um a Mais, uma plataforma de financiamento coletivo para promover projetos aprovados nas leis de incentivo que não conseguem encontrar recursos, principalmente fora do eixo Sudeste do País. “A ideia é mitigar essa desigualdade ajudando pequenos e médios projetos de outras regiões do País a encontrarem financiamento de forma mais direta e local”, afirma Andrade, em sua fala no evento.
Segundo ele, a beleza da coisa é que quando alguém decide participar de um financiamento coletivo, mesmo que parcialmente, a tendência é investir em pessoas próximas e locais. “O doador de um projeto passa a ser mais do que um doador. Ele se torna mais consciente, participativo e engajado naquele ecossistema”, diz.
Na prática, a plataforma Um a Mais requer um projeto aprovado em uma lei de incentivo. A partir daí, monta-se a página de financiamento coletivo na plataforma, com a identidade visual do projeto, proposta, vídeo etc., para iniciar a arrecadação. Feito isso, são incorporados aos mecanismos do sistema os recibos de mecenato, que permitirão uma dedução fiscal ao doador – pessoas físicas podem deduzir até 4% do imposto de renda quando investem em projetos culturais.
O processo de divulgação da campanha de arrecadação está alicerçado em três eixos: base de dados, comunicação digital e um processo de inteligência de captura dos investidores para gerar a doação. “A arrecadação não cai do céu” afirma Andrade. “É consequência da base de dados e do bom relacionamento estabelecido com o público que queremos ativar”.
Saindo da área cultural para abordar uma das questões ambientais mais problemáticas do Brasil, André Tchernobilsky, CEO da ZEG Technologies e ZEG Environmental, relembrou em sua palestra que o Brasil ainda tem 3 mil lixões a céu aberto, ou seja, mais da metade dos cerca de 5,5 mil municípios brasileiros não se adequou à Política Nacional de Resíduos Sólidos. “São dezenas de milhares de pessoas, principalmente crianças com menos de cinco anos, que morrem todo ano por má gestão de saneamento do lixo. Além disso, o lixo é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa”, lamenta.
Impactado com esses dados, Tchernobilsky assumiu a ZEG – empresa que tem entre seus objetivos apontar soluções para a questão dos resíduos – e posteriormente fundou a Nébula, uma aceleradora de negócios digitais que conecta startups, grandes empresas e investidores em torno da inovação, abrangendo projetos de impacto ambiental, de economia circular e economia de baixo carbono.
A Nébula recebe projetos de startups, que podem já ter dinheiro ou não. Calculadoras e agentes treinados por inteligência artificial identificam o ponto de prontidão em que as startups se encontram, seja no âmbito de tecnologia, de produto e de funding. “Eu consigo dizer para o investidor, em uma escala de 1 a 9, entre todas essas vertentes, em qual ponto de prontidão determinada startup está”, explica o CEO. Com essa informação, o investidor saberá, por exemplo, o tempo de retorno.
Além de acessar recurso, outra vantagem para as startups é que os agentes de inteligência artificial da Nébula dispensam os chamados advisers (consultores). “Alguns empreendedores chegam a se desfazer de bens para arcar com a contratação de advisers para fazer, por exemplo, demonstrativo de resultado (planilha financeira que mostra se o projeto tem viabilidade econômica). Nove entre 10 startups morrem antes de um ano por não conseguirem empacotar o projeto de maneira correta. A Nébula existe para resolver essa dor”. Tchernobilsky conta ainda que brevemente a aceleradora disponibilizará uma ferramenta de métrica para tangibilizar projetos de ESG.
Tangibilizar ou mensurar projetos, em especial os da área social/educacional, é um grande desafio ainda para muitas as empresas e seus institutos. É o caso, por exemplo, do Instituto EDP, ligado à multinacional EDP, do setor de energia elétrica. Maria Luiza Morandini, especialista em sustentabilidade e ações culturais do Instituto EDP, lista em sua apresentação no evento várias iniciativas socioculturais entre suas ações sociais e educacionais, como o projeto Jardins Comestíveis, e reconhece que, de fato, a mensuração do retorno social desses investimentos ainda representa um desafio para o Instituto.
Conheça mais sobre o projeto Jardins Comestíveis e Segurança Alimentar, e acesse os demais painéis sobre bioeconomia e sustentabilidade no Instagram @diadaterrabrasil.