O desmatamento aumentou em todo o mundo desde a adoção de compromissos de alto nível para acabar com a perda e degradação florestal até 2030. A crescente demanda global por produtos agrícolas, minerais e produtos de madeira agrava as ameaças às florestas intocadas, hábitats de vida selvagem e territórios indígenas, mesmo quando momentos de transição política oferecem oportunidades para mudar o curso
Florestas sob fogo é o título da Avaliação da Declaração Florestal de 2024 (Forest Declaration Assessment). A pesquisa revela aumento do desmatamento em todo o mundo, com uma perda de 6,37 milhões de hectares de florestas em 2023 (equivalente a 9,1 milhões de campos de futebol), na direção contrária de compromissos assumidos para acabar com a perda e degradação florestal até 2030.
Os esforços para proteger as florestas tropicais primárias, algumas das florestas mais intocadas e ricas em carbono do planeta, estão 38% fora do rumo, com 3,7 milhões de hectares perdidos em 2023. Isso mostra que mundo não está conseguindo interromper e reverter o desmatamento e a degradação, principais fontes de emissões de carbono e impulsionadores da perda de biodiversidade.
Segundo os pesquisadores, apesar do sucesso recente em conter o desmatamento na Amazônia brasileira, o desmatamento global aumentou desde que mais de 140 países assinaram a Declaração dos Líderes de Glasgow há três anos. O aumento do desmatamento na Bolívia, um ressurgimento dramático na Indonésia após anos de reduções impressionantes no desmatamento e retrocessos em outros países minam o progresso. O estudo, referente a 2023, não inclui os incêndios de 2024 que têm sido avassaladores em diversas partes do mundo, como a América do Sul.
“O ponto principal é que, globalmente, o desmatamento piorou desde o início da década”, diz Ivan Palmegiani, consultor de biodiversidade e uso da terra da Climate Focus e principal autor do relatório.
“Estamos a apenas seis anos de um prazo global crítico para acabar com o desmatamento, e as florestas continuam a ser derrubadas, degradadas e incendiadas em taxas alarmantes. Corrigir o curso da proteção florestal é de fato possível se todos os países fizerem disso uma prioridade – e especialmente se os países industrializados reconsiderarem seriamente seus níveis excessivos de consumo e apoiarem os países florestais a moldar seus próprios caminhos de desenvolvimento”, diz Palmegiani.
A avaliação anual dos compromissos internacionais, incluindo a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra (2021) e o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (2022), monitora o progresso na redução da perda florestal em comparação com a taxa média de desmatamento entre 2018 e 2020 (o “nível de base”), com o objetivo de atingir perda zero até 2030.
No nível regional, o desmatamento tropical estava significativamente fora do rumo na Ásia, América Latina e África em 2023. Após vários anos de progresso na redução da perda florestal, o desmatamento na Ásia tropical aumentou 39% em 2023 em comparação a 2022, colocando a região 62% fora do rumo para atingir sua parcela das metas de 2030. No geral, a maior área de florestas foi perdida no Brasil, Indonésia, Bolívia e República Democrática do Congo; enquanto o progresso foi visto na Austrália, Colômbia, Vietnã, Venezuela e Paraguai. Fora dos trópicos, as florestas temperadas na América Latina e América do Norte tiveram os maiores níveis absolutos de desmatamento.
“Um problema claro é que o progresso na proteção florestal é vulnerável a mudanças nas prioridades políticas e econômicas. Quando as condições certas estão em vigor, como forte fiscalização e regulamentações claras, os países veem um grande progresso. No ano seguinte, se as condições econômicas ou políticas mudarem, a perda florestal pode voltar com tudo. Estamos vendo esse efeito no aumento do desmatamento na Indonésia e na Bolívia”, diz Erin Matson, consultora sênior da Climate Focus e coautora do relatório.
“Mas o inverso também é verdade – momentos de mudança e transição política podem ser oportunidades poderosas para mudar como as florestas são valorizadas e mudar a trajetória da perda florestal. O Brasil é um ótimo exemplo de como elevar as florestas como prioridade pode levar a um sucesso grandioso. Mas a transição política não significa apenas mudanças nas administrações ou partidos governantes. Mudanças econômicas globais também afetam as florestas – e esses momentos podem ser aproveitados para o bem comum das pessoas e das florestas. Em última análise, para atingir as metas globais de proteção florestal, devemos tornar a proteção florestal imune a caprichos políticos e econômicos.”
Além do desmatamento, o relatório apresenta novos dados e indicadores para monitorar o progresso em outros impactos florestais críticos, mas menos reconhecidos. Isso inclui a degradação, que ocorre quando as florestas não são totalmente desmatadas, mas danificadas de alguma forma, como por meio da exploração madeireira, construção de estradas, coleta de lenha e até incêndios florestais. Quando são danificadas, as florestas perdem sua capacidade de fornecer serviços ecossistêmicos – como purificar o ar e a água ou prevenir deslizamentos de terra – e perdem elementos de integridade ecológica que fazem parte da saúde geral da floresta.
“A escala absoluta da degradação florestal em todo o mundo é quase grande demais para ser compreendida: pelo menos 62,6 milhões de hectares de florestas em todo o mundo caíram para uma categoria de integridade inferior em 2022”, disse Franziska Haupt, sócia-gerente da Climate Focus. “Isso equivale ao dobro do tamanho da Alemanha. As florestas temperadas e boreais, localizadas principalmente em países do norte e industrializados, são as mais afetadas pela degradação.” As florestas temperadas da Europa, por exemplo, estavam 98% fora do rumo para deter a degradação florestal até 2030.
O relatório também fornece uma atualização sobre a perda de hábitats-chave de biodiversidade — aquelas florestas que estão localizadas em áreas com vida vegetal e animal particularmente importante. Ele mostrou que mais de 1,4 milhão de hectares das Principais Áreas de Biodiversidade florestadas foram perdidas.
Como lar de espécies que não conseguem sobreviver em nenhum outro habitat, além de se sobreporem a territórios indígenas tradicionais, elas são algumas das áreas mais essenciais que devem ser protegidas para deter a perda de biodiversidade. Embora a meta provisória para deter a perda dessas áreas críticas tenha sido cumprida em 2022, a perda de cobertura de árvores aumentou 10% em 2023.
“A crescente perda de cobertura de árvores nas Principais Áreas de Biodiversidade (PABs) destaca uma tendência perigosa, provando que o desmatamento está interligado com a perda de biodiversidade em ecossistemas críticos”, diz Hermine Kleymann, Chefe de Políticas da Prática Florestal do WWF Internacional. “PABs são vitais para a flora, fauna, povos indígenas e comunidades locais. Em suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade (EPANBs), os governos devem garantir que os impulsionadores do desmatamento sejam abordados, e que as áreas protegidas e OECMs forneçam resultados de conservação eficazes e equitativos, de uma maneira que mantenha a conectividade.”
Em todo o mundo, os incêndios, muitos dos quais são propositalmente provocados para limpar terras florestais para plantações, aumentaram vertiginosamente nos últimos anos, enviando plumas de carbono para a atmosfera e danificando florestas e zonas húmidas ricas em biodiversidade, e ameaçando prejudicar ainda mais o progresso no cumprimento das metas florestais. Entre 2001 e 2023, mais de 138 milhões de hectares de cobertura de árvores foram perdidos globalmente devido a incêndios — e quase um terço dessa área foi queimado entre 2019 e 2023.
“A dinâmica dos incêndios florestais está mudando. Nos trópicos, a maioria dos incêndios não é natural, com cada vez mais incêndios provocados por pessoas para limpar terras para agricultura. Esses incêndios podem se espalhar para grandes conflagrações com consequências devastadoras não apenas para as florestas, mas para a saúde de milhões de pessoas — e um preço correspondente”, acrescenta Palmegiani. “Mesmo nas florestas boreais, os incêndios são muito mais frequentes e intensos do que os níveis históricos. Os governos precisam se adaptar a essa nova realidade — eles não podem se dar ao luxo de continuar descartando os incêndios como fenômenos naturais.”
Indonésia: mineração de níquel
Entre 2020 e 2022, a Indonésia atingiu recordes de baixa na perda florestal. Mas em 2023, a Avaliação da Declaração Florestal conclui que o desmatamento da Indonésia marcou um aumento de 57% em relação a 2022, o que significa que perdeu sua meta nacional identificada pela Avaliação para 2023 em 82%.
O aumento da perda florestal na Indonésia é impulsionado, em parte, pela demanda internacional e um aumento resultante na mineração de níquel, um componente-chave das baterias de veículos elétricos e um mineral crítico para a transição energética de baixo carbono. Em 2023, a Indonésia produziu metade do níquel do mundo; até 2040, espera-se que essa participação aumente para 80%.
A bioenergia (biocombustível e biomassa) e o desenvolvimento de propriedades alimentares — o estabelecimento de plantações agrícolas em larga escala por todo o país — são fatores adicionais no aumento do desmatamento. No futuro, reconhecer e fortalecer o papel das comunidades indígenas e locais na proteção e restauração de florestas será fundamental para reverter a perda florestal na Indonésia.
Bolívia: commodities
Embora a mineração seja uma ameaça crescente às florestas globalmente, a produção de commodities agrícolas, de carne bovina e óleo de palma a papel e couro, continua a impulsionar o maior desmatamento — cerca de 57%. Por exemplo, uma expansão massiva na produção de soja, juntamente com o estabelecimento de novos assentamentos agrícolas, está impulsionando um aumento vertiginoso no desmatamento na Bolívia, que estava a impressionantes 98% de distância de atingir suas metas de desmatamento em 2023.
Brasil: boas e más notícias
A trajetória do vizinho da Bolívia, o Brasil, está se movendo em uma direção mais positiva. Embora o País não tenha conseguido atingir sua meta de desmatamento identificada pela Avaliação de 2023 e seja o país mais desmatado do mundo, o Brasil reduziu significativamente o desmatamento em relação ao seu ponto de referência.
Em 2023, a Amazônia brasileira, mais da metade da área total da Amazônia, viu uma redução de 62,2% no desmatamento em comparação a 2022, caindo para 454.000 hectares. No geral, o Brasil reduziu o desmatamento em 9% abaixo dos níveis de referência, o que sinaliza uma tendência positiva, mas indica que ainda há muito trabalho a ser feito para enfrentar o complexo cenário de desmatamento do País.
Este ano de 2024, contudo, tem sido marcado por incêndios florestais em todo o Brasil. O número de focos é 104% maior em comparação ao mesmo período de 2023, com quase 78 mil, segundo a Agência Brasil. Nos sete primeiros meses deste ano, mais de 5 milhões e 700 mil hectares foram queimados, um crescimento de 92%, em relação a 2023.
Soluções disponíveis
O relatório descreve uma série de soluções que países e outros atores podem implementar globalmente e em nível nacional para atender às ambições de proteção florestal. Elas incluem garantir que financiamento adequado chegue aos esforços de proteção florestal, reduzir a demanda por commodities que impulsionam o desmatamento em países como EUA, Europa e China, e fortalecer os direitos à terra de povos indígenas reconhecidos como importantes administradores florestais. A restauração em larga escala é uma das recomendações do relatório.
Agregados de áreas de restauração em hectares (ha) por país, conforme relatado no banco de dados Restor
“Uma mudança de paradigma global em direção à valorização da natureza é imperativa. Os líderes mundiais devem priorizar a proteção e restauração florestal por meio de esforços colaborativos para atingir as metas necessárias de desenvolvimento sustentável, clima e biodiversidade”, disse Hank Lunch, Presidente e CEO da One Tree Planted. “As intervenções dos setores público e privado são cruciais para fornecer financiamento crítico e implementar políticas e práticas transformadoras que salvaguardem e regenerem nossos ecossistemas florestais vitais — reconhecendo seu valor intrínseco.”