Recuperar a saúde dos ecossistemas e suas funções será chave no enfrentamento da mudança climática, da perda da biodiversidade e do avanço da desertificação – temas de três cúpulas internacionais que ocorrerão até o fim do ano
Por Laura Antoniazzi, Mariana Barbosa e Rubens Benini*
A Organização das Nações Unidas inicia nesta semana a Conferência da Biodiversidade (COP 16). É a primeira de três cúpulas globais que ocorrerão até o fim do ano para analisar, negociar e tomar decisões sobre grandes emergências sofridas no planeta: a crise climática, a perda da biodiversidade e o avanço da desertificação. Em cada um desses debates, a restauração ecológica se destaca como vetor de soluções, com reflexos positivos, inclusive, para quem trabalha diretamente no campo e com atividades relacionadas ao uso da terra.
A atual crise da biodiversidade traz reflexos negativos amplos para todos os seres vivos. Mas basta focar em alguns serviços ecossistêmicos que a diversidade biológica fornece para entender a importância de frear a sua perda e de promover seu manejo sustentável: eles garantem a qualidade do ar e da água, a regularidade das chuvas, a polinização por aves e insetos e as barreiras naturais contra fenômenos climáticos extremos.
Por isso, a restauração ecológica, enquanto forma de recuperar a saúde dos ecossistemas e suas funções, figura entre as principais metas do Marco Global da Biodiversidade, cuja implementação será um dos grandes focos da COP 16, que ocorrerá até o dia 1º de novembro em Cali, na Colômbia.
No enfrentamento à mudança climática, a restauração ecológica promove a remoção e captura de carbono da atmosfera pelo desenvolvimento e crescimento da vegetação nativa em todas as suas formas de vida. Por isso, mercados de crédito de carbono são um importante incentivo para essa atividade.
A regulamentação dos instrumentos de mercado previstos no Artigo 6º do Acordo de Paris, deve seguir como um dos focos de negociações na 29ª Conferência do Clima, a ser realizada no mês que vem no Azerbaijão. A criação de um mercado internacional de créditos gerados por projetos que promovam a remoção ou redução de emissões de carbono tem o potencial de influenciar regulações nacionais e de ampliar significativamente os incentivos financeiros para projetos de restauração ecológica.
Finalmente, a desertificação é uma ameaça ao solo, um recurso estratégico para toda a humanidade e base para atividades fundamentais, como a agricultura. Esse fenômeno é tema de outra convenção global, a de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, que terá sua 16ª COP em dezembro, na Arábia Saudita. Para esse desafio, a restauração entra como estratégia para manter solos saudáveis e recuperar os que já foram degradados, reduzindo os processos erosivos e diminuindo assoreamento dos corpos d’água.
O potencial da restauração não é apenas ambiental. Ela traz impactos positivos em termos sociais e econômicos, de bem-estar e de redução da pobreza e desigualdades. Por isso, contribui também para que se cumpram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que precisam ser alcançados até 2030. Não é por acaso que a ONU declarou a década atual, de 2021 a 2030, como a da Restauração de Ecossistemas.
O Brasil, como potência agroambiental, pode continuar sendo liderança mundial em restauração ecológica e colher os benefícios que essa atividade traz. Para isso, é essencial que o país fortaleça a cadeia da restauração. Ela tem o potencial de criar 2,5 milhões de empregos até 2030, gerando renda e promovendo a geração e transferência de conhecimento, em especial no campo.
É preciso, porém, que haja incentivos e políticas públicas adequadas para o ganho de escala da atividade e para que esta seja feita de maneira a garantir sua qualidade.
Torna-se essencial, ainda, assegurar que o País tenha seus mecanismos de monitoramento efetivos e em funcionamento, para que a restauração seja efetiva e duradoura. Igualmente, considerando o cenário atual, de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, como chuvas e secas intensas e ondas de calor prolongadas, que se refletem em aumento de queimadas, é preciso ter políticas eficazes e implementadas para proteger a vegetação nativa restaurada.
O Brasil tem tradição de ser protagonista global nas questões ambientais – as convenções de Clima, Biodiversidade e Desertificação foram idealizadas aqui, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente, a Rio 92.
O País, além de grande potência de agricultura e biodiversidade, é referência nas negociações climáticas e na maneira como concilia essa agenda com pautas sociais, como o combate à fome e a desigualdades, bandeira atual do G20 sob a presidência do Brasil. A restauração ecológica tem grande potencial de entregar resultados em todas essas frentes, unindo oportunidades e diversos benefícios ambientais e socioeconômicos. É hora de implementar.
*Laura Antoniazzi é sócia da Agroicone; Mariana Barbosa é diretora jurídica e de Relações Institucionais da re.green; Rubens Benini é diretor de Florestas e Restauração da The Nature Conservancy (TNC). Os três são colíderes da Força-Tarefa Restauração da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura