Conferência a ser realizada em Baku é marcada por esvaziamento político e ameaça de retrocesso em acordo que defende transição energética dos países. Com isso, decisões importantes poderão ser jogadas para a COP 30, que ocorrerá no Brasil ano que vem
Por Renato Grandelle
Em quase três décadas, delegações internacionais chegaram à Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP) com variados níveis de expectativa, mas raramente ela pareceu tão baixa quanto este ano, quando a cúpula será sediada em Baku, capital do Azerbaijão. Duas guerras – na Ucrânia e no Oriente Médio – e um impasse histórico sobre financiamento climático resumem o cenário sombrio da COP 29.
Nem mesmo a escalada de eventos extremos planeta afora e os alertas contundentes de cientistas devem sensibilizar os governos a assinarem acordos ambiciosos nas próximas semanas. Um estudo divulgado na semana passada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) alertou que as metas climáticas atuais, assumidas voluntariamente pelos países, reduziriam as emissões de gases de efeito estufa em apenas 2,6% até 2030, em relação aos níveis de 2019. Para evitar os impactos da mudança climática, este corte precisaria ser de 43%.
O pessimismo que ronda Baku é, em parte, fruto do fracasso das negociações conduzidas na conferência da UNFCCC em Bonn, na Alemanha, em junho. O encontro não definiu uma nova meta coletiva de financiamento climático, pauta prioritária da COP 29. Os países em desenvolvimento defendem uma atualização das doações destinadas pelas nações desenvolvidas a ações climáticas, passando dos atuais US$ 100 bilhões anuais para pelo menos US$ 1 trilhão por ano até 2030.
Um documento que nortearia a discussão sobre financiamento em Bonn foi alvo de críticas por sua longa extensão, ambiguidade e falta de uma meta quantificada.
Segundo a Laclima, a primeira organização de advogados de mudança climática na América Latina, os países desenvolvidos preferiram focar a discussão na necessidade de ampliar a base de nações doadoras, uma tese que levanta divergências. Tampouco houve avanços significativos em discussões sobre mecanismos que fomentariam medidas de mitigação e adaptação à crise climática. Os debates sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris, voltado à regulação do mercado de carbono, também acabaram sem consenso.
“Estamos em uma situação crítica sob duas perspectivas: no clima, observamos um aumento significativo nos eventos extremos nos últimos dois anos, trazendo prejuízos de bilhões de dólares. Na geopolítica, há incertezas provocadas por duas guerras de grande escala, que alteram a ordem diplomática em nível global”, ressalta Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP.
Além disso, segundo Artaxo, a conferência ocorrerá em um país produtor de petróleo sem grande relevância, o que contribui para que as expectativas sejam modestas.
O Azerbaijão é o terceiro petroestado consecutivo de regime pouco transparente a sediar a COP, seguindo o Egito, em 2022, e os Emirados Árabes Unidos, no ano passado. Esse contexto levou grupos ambientalistas a protestarem na ONU contra potenciais conflitos de interesses, que poderiam comprometer as negociações climáticas.
“A COP 29 mostrará como a crise climática e a crise do multilateralismo estão interligadas”, avalia Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.
“O Azerbaijão, que não tem tradição em construir pontes e alcançar acordos difíceis, precisará liderar a atualização do financiamento climático, um processo extremamente complexo. Muitos países em desenvolvimento estão condicionando o aumento de sua ambição climática ao recebimento de mais recursos, ressaltando que sua transição energética para fontes renováveis depende de as nações desenvolvidas cumprirem sua responsabilidade”, diz ela.
Além do desalento com a falta de avanços, a COP 29 também pode ser marcada por um retrocesso. Nações petrolíferas têm posto em risco a menção inédita, feita no documento final da COP 28, sobre a necessidade de que os países façam uma transição energética, visando a redução do uso de combustíveis fósseis.
“Levamos quase 30 anos até conseguirmos colocar no papel, e agora alguns países estão tentando minar este acordo, justamente em um momento em que deveríamos falar sobre sua implementação”, lamenta Herschmann.
O climatologista Carlos Nobre alerta que a transição do planeta para as energias renováveis está ocorrendo “em uma velocidade muito lenta”.
“À exceção de 2020, devido à pandemia de Covid-19, as emissões de gases de efeito estufa não param de crescer. Este assunto deveria ser uma prioridade, mas o mundo enfrenta uma série de instabilidades, como guerras e a ascensão de políticos populistas, inclusive negacionistas climáticos”, explica Nobre, ressaltando o caso do candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump.
“Em seu primeiro mandato, ele retirou os EUA do Acordo de Paris. E ele prometeu que, se for eleito novamente, autorizará novas explorações de gás e petróleo, o que estimulará outras nações a seguirem o exemplo e abandonarem a sua transição energética”, diz o cientista.
Para Nobre, o esvaziamento político da COP 29 jogará as decisões importantes para a conferência de 2025, que ocorrerá em Belém do Pará. A COP 30 marcará o décimo aniversário do Acordo de Paris e uma revisão substancial das metas climáticas nacionais.
“Pode ser a COP mais importante de todas as já realizadas. Precisamos zerar as emissões líquidas de gases estufa até 2050, e não estamos avançando na velocidade desejável. O Brasil terá que assumir a liderança nessa discussão.”