Este artigo é o primeiro de uma série voltada a debater os desafios da agenda climática sob um novo contexto político e geopolítico. O mundo que recepcionou a COP 21, em Paris, já não existe mais. Dois pilares alicerçam hoje a agenda climática: a demanda por um novo sistema global de energia e os limites da natureza. Não há recursos naturais e serviços ambientais suficientes para fazer frente às necessidades de 10 bilhões de pessoas, se não ocorrerem mudanças drásticas e justas nos processos de desenvolvimento e de conservação
Por Izabella Teixeira* e Roberto S. Waack**
A COP 30 aproxima-se, plena de expectativas e incertezas. Dez anos após o Acordo de Paris, o mundo está em movimento, com mudanças na ordem internacional, nos eixos de poder político e econômico e na natureza. O ano de 2024 foi marcado como o ano mais quente da História, com a temperatura média do planeta superando 1,5 grau. A ciência sinaliza pela maior frequência dos eventos climáticos extremos no presente e pouco sabe afirmar sobre os seus desdobramentos. A urgência da crise climática traz à mesa de negociações a necessidade de adiantamento dos cenários de neutralização de emissões para 2040.
Nesse contexto, a COP 30 vai negociar o próximo ciclo de dez anos de ambição climática mirando o presente e tendo que lidar com a antecipação do futuro. As COPs de Clima também demandam mudanças. O mundo geopolítico e político que recepcionou a COP 21, em Paris, já não existe mais. O interesse político e econômico nessa agenda não mais se circunscreve aos contornos do sistema multilateral e das COPs, provocando o debate climático em outros arranjos e dinâmicas de cooperação internacional.
A contemporaneidade do debate global sobre a agenda climática alinha-se com os outros debates estratégicos, como os disruptivos domínios da inovação tecnológica, da geopolítica e das guerras, além da mudança dos eixos de poder econômico e as desigualdades sociais e ambientais. Dois pilares alicerçam a agenda climática sob a perspectiva da climate politics. Um é a demanda por um novo sistema global de energia não mais baseado em combustíveis fósseis e a sua viabilidade. Os outros são os limites da natureza. Não há recursos naturais e serviços ambientais suficientes para fazer frente às necessidades de 10 bilhões de pessoas se mudanças drásticas e justas nos processos de desenvolvimento e de conservação não ocorrerem.
O exercício da presidência da COP 30 é de uma complexidade única que não se limita às negociações diplomáticas. O “software mundial” está em modo de atualização, reprogramando, entre outras frentes, como conectar vulnerabilidade climática com direitos e deveres de empresas e países. As Conferências de Clima devem contemplar a dimensões nacional e internacional – a COP 30 vai além de Belém e da Amazônia: interessa ao Brasil e ao mundo.
Sob a perspectiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) e do Acordo de Paris, a agenda da COP 30 tem roteiro próprio: o novo ciclo global de ambição de mitigação climática (as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas –NDCs), as relevantes agendas de adaptação, de financiamento climático (incluindo os desdobramentos da COP 29 sobre a trilha do US$ 1,3 trilhão), de meios de implementação, inclusive transferência de tecnologias, e o debate sobre o processo de transitioning away de combustíveis fósseis, ou seja, de transição energética para o baixo carbono.
Fora da alçada da ONU, crescem as expectativas de avanços políticos no tema climático no âmbito do BRICS+, do G20, do G7 e de iniciativas como o Fórum Econômico Mundial e o Fórum Mundial de Economia Circular, entre outros. É a chamada agenda “policlima”, não formalmente vinculada a nenhum acordo multilateral legalmente vinculante, mas conectando todos os temas relevantes.
Outras expectativas políticas se anunciam em relação à COP 30, em particular, sobre o papel das florestas tropicais, a proteção de biomas essenciais e a importância de um modelo de desenvolvimento que respeite os direitos dos povos indígenas e as populações tradicionais. Essa perspectiva é catalisadora da ambição política e científica de buscar de maneira mais efetiva a convergência das agendas climática com a de conservação da biodiversidade.
O mundo virá ao Brasil com interesses bem definidos. A democracia brasileira vai acolher a sociedade global em Belém. A presidência brasileira da COP 30 encerra desafios que englobam a complexidade geopolítica, política e econômica da agenda global, mas também deverá lidar com os desafios domésticos. A exposição de soluções climáticas desenvolvidas pela sociedade brasileira que promovem benefícios nacionais e globais pode posicionar o País como provedor de soluções climáticas e econômicas.
Essa perspectiva não deve sombrear as duas dimensões da abordagem nacional da COP no Brasil: a agenda do governo federal e a pauta nacional, de Estado – como se sabe, nem sempre convergentes. No campo do governo, espera-se articulação entre iniciativas como a NDC anunciada em Baku, metas setoriais alinhadas com o Plano Clima, a conexão com o Plano de Transformação Ecológica, com a Política Industrial Verde, e com a Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos (BIP), além da necessária integração com o Plano Safra, a inserção dos minerais estratégicos e críticos, das diversas versões da bioeconomia, as políticas sociais, o combate ao desmatamento e queimadas e o chamado pacto nacional para a COP 30.
Por outro lado, a dimensão nacional, de Estado, abrange prazos mais longos, pós-COP 30 e pós-eleições de 2026. Esta dimensão idealmente deveria emergir de uma maior integração entre a sociedade como um todo com o tema climático, tratando de interesses nacionais além dos governamentais.
No centro deste debate nacional deveriam estar os recursos naturais e como o País lida estrategicamente com eles. Isso requer uma pauta de transição energética menos politizada, capaz de lidar, por exemplo, com temas como o futuro da autossuficiência nacional de petróleo, a integração com fontes alternativas, modais de transporte, infraestrutura, biocombustíveis – temas estes, conectados a uma ambição de longo prazo para Amazônia, dentro de um contexto social e integrado com inovação e novas fronteiras tecnológicas.
Apesar de não ser o foco do mundo internacional das COPs, é inevitável que o Brasil tenha uma agenda para florestas e sua relação com clima e capital natural. Não há como deixar de tratar de forma consistente do uso da terra, da produção de commodities, da segurança alimentar, energética e mineral, dos povos indígenas e das populações tradicionais, da justiça climática e da sua relação com a democracia. O Brasil exerce liderança global entre os países com floresta tropical e inevitavelmente deverá pautar a integração amazônica com as demais nações florestais do planeta.
Crise do multilateralismo e papel do setor privado
O multilateralismo enfrenta desafios de sua própria sobrevivência. Neste contexto, o papel do setor privado é central, reforçando acordos bilaterais pautados por agendas comerciais, tecnológicas e de acesso a capital financeiro. No entanto, há evidentes sinais de rupturas nos diversos setores empresariais. A heterogeneidade dentro de setores é a regra.
Representantes da produção primária não se entendem com a agroindústria em temas críticos e urgentes, como rastreabilidade, por exemplo. A cooperação público-privada no desenho de políticas públicas setoriais ligadas à agenda climática tem sido muito pouco eficiente. A coordenação de cadeias de produção precisa de lideranças empresariais com compromissos de longo prazo e influência no desenvolvimento institucional com visão de Estado.
É preciso tratar da elaboração sofisticada de um menu que leve em conta o imenso dinamismo tecnológico dos tempos atuais, os novos desafios geopolíticos e comerciais, a criticidade da adaptação às mudanças climáticas, a manutenção da competitividade nacional na produção de commodities aliada à conservação de recursos naturais, o custo e capacidade de atracão de capital financeiro e humano.
Nesta reprogramação do software mundial, a combinação do que acontece no âmbito da ONU com as novas formas de cooperação internacional – BRICS+, Gs (grupos econômicos), entre outros – , depende da liderança empresarial para resultar em uma repactuação em torno do Acordo de Paris.
A agenda climática precisa se transformar em um ativo da sociedade como um todo e, aí sim, institucionalizar o novo contexto da necessária valoração dos recursos naturais, do capital natural correspondente, seu papel nos efeitos climáticos globais, em uma nova e mais eficaz abordagem dos direitos civis.
O que estará em jogo na COP 30? Como Trump afeta a agenda climática? Quais as novas forças no cenário geopolítico e como o Brasil deve se inserir? Leia a entrevista com os autores aqui.
*Izabella Teixeira é conselheira emérita do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e membro do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente (IRP/UNEP), do Conselho Consultivo de Alto Nível da UN-DESA e do Conselho Administrativo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foi ministra do Meio Ambiente (2010-2016) e é senior fellow do Instituto Arapyaú.
**Roberto S. Waack é presidente do Conselho do Instituto Arapyaú; cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e de Uma Concertação pela Amazônia; membro do conselho de diversas organizações, incluindo Natura &CO, re.green, Marfrig, Wise Plásticos e WWF-Brasil; e colunista da Página22.