A escolha do pesquisador amapaense José Carlos Tavares por uma das mais tradicionais instituições científicas europeias, fundada em 1737, rompe com a lógica histórica que centraliza o saber nos grandes eixos urbanos do Sul-Sudeste brasileiro e da Europa. Sua nomeação como membro da Real Academia de Farmácia da Espanha ocorre hoje
Por Frank Portela*
A nomeação do pesquisador amapaense José Carlos Tavares como membro da Real Academia de Farmácia da Espanha vai além de uma consagração individual. É um marco simbólico e estratégico para a ciência brasileira — especialmente a que nasce longe dos grandes centros, no coração da Amazônia. Reconhecido internacionalmente por seu trabalho com princípios bioativos da floresta e por ser fundador do laboratório AmazonCure, Tavares simboliza um novo paradigma: o da ciência amazônica com ambição global, que transforma biodiversidade e saber tradicional em inovação de alto impacto.
Fundada por ele no Amapá, a AmazonCure representa mais do que uma iniciativa científica — trata-se de um empreendimento que cruza fronteiras entre pesquisa, desenvolvimento e mercado, ao explorar os bioativos e Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) da floresta para criar tratamentos de alta performance. É uma plataforma onde o conhecimento tradicional das comunidades amazônicas encontra o rigor da pesquisa laboratorial para gerar produtos com potencial terapêutico internacional. Em tempos de crescente demanda por soluções naturais, sustentáveis e efetivas na área da saúde, a floresta se torna, mais do que nunca, um laboratório vivo — e estratégico.
A AmazonCure é uma demonstração prática de que é possível, sim, fazer ciência de ponta na região Norte com impacto global. E que, com investimento e articulação, o conhecimento tradicional pode ser respeitado, valorizado e convertido em desenvolvimento econômico sustentável. A iniciativa conecta universidades, comunidades tradicionais, centros de pesquisa e investidores, criando uma rede que não apenas extrai da floresta, mas dialoga com ela.
A escolha do pesquisador por uma das mais tradicionais instituições científicas da Europa, fundada em 1737, rompe com a lógica histórica que centraliza o saber nos grandes eixos urbanos do Sul-Sudeste brasileiro e nos espaços eurocêntricos do saber. Pela primeira vez, um cientista do extremo Norte do Brasil, formado e atuante na região, ocupa esse espaço, com um currículo que não apenas se destaca academicamente, mas que tem como diferencial o enraizamento local e o olhar global.
Esse movimento tem múltiplas camadas. No plano simbólico, o ingresso do cientista amazônida em uma academia europeia representa a validação de uma ciência periférica, conectada à terra, às culturas originárias e à biodiversidade. Mas há também o plano prático: seus projetos não estão limitados ao debate teórico. São produtos com aplicação direta, com registros e investimentos, inserindo a Amazônia na cadeia de valor global da bioeconomia.
É uma resposta direta à visão extrativista que historicamente tratou a Amazônia como fonte bruta de recursos — e não como território de saber. O professor Tavares, como é mais conhecido no meio, não exporta folhas, cascas ou sementes. Ele integra um time de mais de 65 cientistas do laboratório de fármacos da Universidade Federal do Amapá (Unifap), que exporta conhecimento, metodologia e soluções de base amazônica com alto valor agregado. Ao fazê-lo, recoloca o Brasil, e particularmente o Norte do País, como agente ativo em um novo arranjo internacional da ciência e da inovação.
Sua nomeação reforça ainda a necessidade urgente de redesenhar o mapa da ciência brasileira. Por que tantos talentos regionais ainda precisam de chancela internacional para serem reconhecidos nacionalmente? Por que a ciência feita na Amazônia ainda é vista como exceção, e não como parte estrutural da inteligência estratégica do País?
Não se trata apenas de descentralizar recursos, mas de mudar o olhar: entender a floresta como protagonista da inovação científica do século XXI. Com ativos biológicos inigualáveis, saberes milenares e pesquisadores comprometidos, a Amazônia pode e deve ser pensada como uma potência científica e tecnológica.
José Carlos Tavares não leva apenas seu nome à Europa. Ele leva o nome da floresta, das comunidades e de um Brasil que ainda resiste à margem. O que ele planta hoje pode germinar como uma nova diplomacia do conhecimento, enraizada no território e com frutos globais.
Estaremos prontos para deixar a Amazônia liderar? Ou continuaremos a vê-la apenas como cenário exótico de uma ciência que vem de fora?
*Frank Portela é empreendedor e investidor da bioeconomia da Amazônia, CEO da AmazonCure e fundador das startups YaraCouro, SouRev e AmazonBank