Criada para conectar governos e sociedade civil, iniciativa na COP 30 se afirma como espaço plural e reafirma protagonismo do Brasil em florestas e agricultura regenerativa
Por Renato Grandelle

Diante da quase certeza de negociações truncadas e da escalada da crise climática, o Brasil, país-sede da COP 30, redobrou esforços em outro espaço da conferência: a Agenda de Ação. Criada na COP 20 (Lima), em 2014, como um local para estabelecimento de compromissos entre governos e atores não estatais, a Agenda passou por uma repaginação nos últimos meses, adotando uma diretriz central: acelerar a implementação do Acordo de Paris.
Enquanto os diplomatas tropeçam a portas fechadas na busca de consensos entre mais de 190 países, a Agenda de Ação se afirma como um espaço mais plural, dado o seu caráter multissetorial, e objetivo – uma rede internacional de soluções climáticas, compilando ações concretas e mensuráveis voltadas à mitigação, adaptação e financiamento.
“A Agenda não faz oposição às negociações. Serve, na verdade, para fortalecê-las e ampliar o público que acompanha o tema”, ressalta Daniela Swiatek, coordenadora de Diplomacia Climática do Instituto Talanoa. “Precisamos mostrar aos cidadãos comuns casos concretos sobre como fazer a transição climática.”
A robustez da Agenda de Ação na COP 30 é expressa em números. Seus 30 grupos de trabalho – um para cada tema, ou “objetivo-chave” – dialogam com mais de 400 iniciativas lançadas em COPs anteriores e identificaram mais de 320 casos de sucesso e soluções alinhadas aos princípios do Acordo de Paris.
“Toda a Agenda foi concebida para que o aumento da temperatura global seja o menor possível”, elogia o climatologista Carlos Nobre. “Há diversas preocupações, como fomentar a adaptação climática, acelerar a transição energética e preservar a biodiversidade, mostrando a ligação entre esse tema e a mudança do clima.”
Os 30 objetivos estão distribuídos em seis eixos – e dois deles evidenciam como o Brasil, como todo anfitrião da COP, levou suas pautas à agenda global. Um é dedicado à gestão sustentável de florestas, tema caro ao país que abriga a maior parte da Amazônia. Outro aborda a transformação da agricultura, pauta que ganhou força desde a COP 28 (Dubai) e que deve ganhar ainda mais destaque agora, com a conferência chegando a uma das maiores nações produtoras de alimentos do mundo.
“Por mais que 70% das emissões de gases de efeito estufa venham da queima de combustíveis fósseis, há um percentual não desprezível que pode ser atribuído à agricultura no mundo inteiro, e será impossível impedir que o aumento da temperatura global chegue a 2 graus sem atacarmos esse problema”, alerta Nobre. “Faz sentido, então, termos um conjunto de objetivos na Agenda de Ação voltados a pautas como o investimento na agropecuária regenerativa.”
Nobre sustenta que a produção sustentável de alimentos se conecta diretamente ao fim da devastação de ecossistemas, assunto abordado pelo eixo de florestas da Agenda. “Mais até do que acabar com a desmatamento, devemos pensar em projetos de restauração dos biomas em larga escala. O Brasil precisa recuperar pelo menos 1 milhão de quilômetros quadrados, sobretudo na Amazônia, que está à beira do ponto de não retorno, o que pode culminar na sexta grande extinção de espécies da História.”
Professor do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo reconhece que é estratégico discutir florestas e agricultura nas COPs – especialmente diante do desafio posto ao planeta de se alimentar uma população crescente em áreas cada vez menores.
Artaxo pondera, no entanto, que o foco nesses temas reflete não apenas a liderança brasileira, como uma indisposição dos negociadores de algumas nações em endereçar pautas incômodas como o fim da exploração de combustíveis fósseis e o financiamento climático para nações em desenvolvimento.
“O destaque à discussão sobre florestas e agricultura é uma narrativa conveniente para países produtores de petróleo, que pretendem continuar explorando esse recurso, e para a Europa, que quer financiar a transição energética das nações em desenvolvimento. É muito menos caro investir na proteção de florestas tropicais”, diz Paulo Artaxo.
Mas, segundo ele, qualquer estratégia contra a mudança do clima deve se basear na eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, responsáveis pela imensa maioria das emissões de gases de efeito estufa. “Caso contrário, estamos esquecendo o elefante no meio da sala”, conclui.

