Num mundo em que poucos se interessam por Geografia e História, e em que a mídia favorece a cobertura de eventos espetaculosos e não as reportagens de fundo, é fácil entender por que estereotipamos outros povos. A idéia de que portugueses são burros, argentinos arrogantes e nordestinos toscos é reconfortante (se você não faz parte desses grupos). Reconfortante porque dá a ilusão de que você é superior e de que dispõe de toda a informação essencial sobre aquele grupo.
Claro, nestes casos, estereótipo é mero eufemismo de preconceito.
Num texto publicado na revista literária Granta, “How to Write about Africa”, o escritor queniano Binyavanga Wainaina dá a receita (irônica) para emplacar um livro ou artigo sobre o continente:
Nunca use uma foto de um africano bem resolvido na capa do seu livro ou no seu conteúdo, a menos que ele tenha ganhado o Prêmio Nobel. Mas use imagens de um AK-47 [rifle], costelas proeminentes, seios de fora. Se precisar incluir um africano, não deixe de escolher um que esteja vestido com trajes típicos Masai, Zulu ou Dogon.
Em seu texto, trate a África como se ela fosse um só país. Ela é quente e poeirenta, com bolas de capim seco rolando e grandes manadas de animais e pessoas altas, magras e famintas. Ou é quente e úmida com pessoas muito baixas que comem primatas. Não se preocupe em dar descrições precisas. A África é grande: 54 países [na época em que o texto foi escrito; hoje são mais], 900 milhões de pessoas ocupadas demais em morrer e guerrear e imigrar para terem tempo de ler o seu livro. O continente é cheio de desertos, florestas, planaltos, savanas e muitas outras coisas, mas o seu leitor não liga para isso tudo, de modo que as suas descrições devem ser românticas, evocativas e vagas. […]
Você também precisará de uma casa noturna chamada Tropicana, onde mercenários, novos ricos africanos do mal e prostitutas e guerrilheiros e expatriatos passam o tempo.
Sempre acabe seu livro com uma citação de Nelson Mandela que inclua algo sobre arco-iris ou renascimento. Porque você é tem bom coração.
O texto de Wainaina inspirou o jornalista Ansel Herz a escrever algo igualmente cáustico sobre a visão que temos do Haiti, :
Para começar, sempre use a frase “o país mais pobre do Ocidente”. Seu público tem que ser lembrado mais uma vez sobre a pobreza excepcional do Haiti. Não está claro se outros artigos já mencionaram isto.
Você está impressionado com a “resiliência” dos haitianos. Eles sobreviverão apesar de toda a sua pobreza. Eles são estóicos, raramente reclamam, e por isso são admiráveis. Os melhores pobres são aqueles que sofrem em silêncio.
Qualquer brasileiro que viveu no Exterior e que se viu enredado na imagem de “brasileiro padrão” entende do que Wainaina e Herz estão falando: a visão reducionista que temos sobre qualquer um que não é da nossa tribo.
Uma organização baseada em San Francisco, Mama Hope, resolveu atacar os estereótipos que emperram o continente com bom humor e a campanha Stop the Pity! (Chega de Piedade!): “Está na hora de re-humanizar a África e encarar as mudanças positivas que estão acontecendo”. Um de seus produtos é o vídeo (ao lado) sobre a forma bizarra e agressiva como os homens africanos são retratados por Hollywood. Noutro vídeo (também ao lado), mostram similaridades do cotidiano e das vidas de africanos e americanos.
Que tal se o Itamaraty produzisse algo similar para divulgar no Exterior?[:en]
Num mundo em que poucos se interessam por Geografia e História, e em que a mídia favorece a cobertura de eventos espetaculosos e não as reportagens de fundo, é fácil entender por que estereotipamos outros povos. A idéia de que portugueses são burros, argentinos arrogantes e nordestinos toscos é reconfortante (se você não faz parte desses grupos). Reconfortante porque dá a ilusão de que você é superior e de que dispõe de toda a informação essencial sobre aquele grupo.
Claro, nestes casos, estereótipo é mero eufemismo de preconceito.
Num texto publicado na revista literária Granta, “How to Write about Africa”, o escritor queniano Binyavanga Wainaina dá a receita (irônica) para emplacar um livro ou artigo sobre o continente:
Nunca use uma foto de um africano bem resolvido na capa do seu livro ou no seu conteúdo, a menos que ele tenha ganhado o Prêmio Nobel. Mas use imagens de um AK-47 [rifle], costelas proeminentes, seios de fora. Se precisar incluir um africano, não deixe de escolher um que esteja vestido com trajes típicos Masai, Zulu ou Dogon.
Em seu texto, trate a África como se ela fosse um só país. Ela é quente e poeirenta, com bolas de capim seco rolando e grandes manadas de animais e pessoas altas, magras e famintas. Ou é quente e úmida com pessoas muito baixas que comem primatas. Não se preocupe em dar descrições precisas. A África é grande: 54 países [na época em que o texto foi escrito; hoje são mais], 900 milhões de pessoas ocupadas demais em morrer e guerrear e imigrar para terem tempo de ler o seu livro. O continente é cheio de desertos, florestas, planaltos, savanas e muitas outras coisas, mas o seu leitor não liga para isso tudo, de modo que as suas descrições devem ser românticas, evocativas e vagas. […]
Você também precisará de uma casa noturna chamada Tropicana, onde mercenários, novos ricos africanos do mal e prostitutas e guerrilheiros e expatriatos passam o tempo.
Sempre acabe seu livro com uma citação de Nelson Mandela que inclua algo sobre arco-iris ou renascimento. Porque você é tem bom coração.
O texto de Wainaina inspirou o jornalista Ansel Herz a escrever algo igualmente cáustico sobre a visão que temos do Haiti, :
Para começar, sempre use a frase “o país mais pobre do Ocidente”. Seu público tem que ser lembrado mais uma vez sobre a pobreza excepcional do Haiti. Não está claro se outros artigos já mencionaram isto.
Você está impressionado com a “resiliência” dos haitianos. Eles sobreviverão apesar de toda a sua pobreza. Eles são estóicos, raramente reclamam, e por isso são admiráveis. Os melhores pobres são aqueles que sofrem em silêncio.
Qualquer brasileiro que viveu no Exterior e que se viu enredado na imagem de “brasileiro padrão” entende do que Wainaina e Herz estão falando: a visão reducionista que temos sobre qualquer um que não é da nossa tribo.
Uma organização baseada em San Francisco, Mama Hope, resolveu atacar os estereótipos que emperram o continente com bom humor e a campanha Stop the Pity! (Chega de Piedade!): “Está na hora de re-humanizar a África e encarar as mudanças positivas que estão acontecendo”. Um de seus produtos é o vídeo (ao lado) sobre a forma bizarra e agressiva como os homens africanos são retratados por Hollywood. Noutro vídeo (também ao lado), mostram similaridades do cotidiano e das vidas de africanos e americanos.
Que tal se o Itamaraty produzisse algo similar para divulgar no Exterior?