Com o aumento da população da terceira idade no Brasil, as famílias têm cada vez mais avós e bisavós em contato com crianças e adolescentes. E nas empresas há mais diversidade em seu quadro de funcionários. A convivência entre gerações nascidas em mundos tão distintos pode não ser tarefa fácil, mas é muito rica
Para falar com os três netos que moram fora de São Paulo, onde vive, Beatriz Redko não dispensa o tradicional telefone. E prefere esse aparelho ao programa de computador Skype. “Quando a pessoa é vista, quer estar bonita, e isso tira a espontaneidade da conversa. Pelo telefone, percebo as nuances das vozes”, diz. Às redes sociais, no entanto, ela não resistiu.
Um dia, viu sua neta mais velha, de apelido Bibia, com então com 15 anos, atender ao mesmo tempo um telefonema e três conversas no Messenger (sistema de bate-papos instantâneo e on-line). “Claro que não tenho preferência só porque sou a avó. Os jovens se interessam por mil coisas, então sei que ela iria continuar conversando comigo e com os outros amigos.”
A cena aguçou sua vontade de descobrir como se aproximar da nova geração da família. Essa foi uma das razões para que, em 2012, aos 73 anos, Beatriz abrisse uma conta no Facebook. Hoje, quem mais interage com ela na rede social são seus netos. Mandam e compartilham sites, vídeos e imagens. “Nossa proximidade melhorou porque fiquei por dentro do mundo deles”, reflete. Para ela, o repertório comum facilita as conversas. Ao telefone podem falar da vida e dos assuntos que estão em alta na web.
A família de Beatriz é um bom exemplo de como é possível aproximar gerações que nasceram em épocas tão distintas. Graças ao aumento da expectativa de vida e à diminuição da taxa de fecundidade, o Brasil está passando por uma transformação demográfica. A população mais velha está crescendo, e as famílias têm cada vez mais avôs e bisavôs convivendo com crianças e jovens. Isso exige mais do que uma boa relação pessoal. Exige uma cultura de diálogo que permita a troca de conhecimentos de ambos os lados, tanto dentro de casa quanto nas ruas e nas relações profissionais.
Nem todas as famílias, no entanto, conseguem desfrutar de um bom convívio. Segundo Ivan Capelatto, psicoterapeuta de crianças, adolescentes e famílias, o que mais se percebe é um distanciamento entre avós, pais e filhos nos tempos atuais. Entre as causas está a falta de tempo e de convivência, já que as famílias se espalham por várias cidades, os adultos trabalham demais e as crianças têm o dia cheio de atividades complementares à escola. Soma-se a isso uma falta de interesse das gerações mais novas pelas mais velhas.
O AMADURECER DE UMA NAÇÃO
Desde os anos 1970, o Brasil apresenta uma desaceleração no ritmo de crescimento da população e um envelhecimento de seus habitantes. Enquanto, em 1950, apenas 5% da população em idade ativa [1] passava dos 64 anos, em 2011, era 11%. Estimativas do Banco Mundial [2] apontam que 49% dos brasileiros serão idosos em 2050. O documento também alerta para o fato de o Brasil estar envelhecendo rápido demais. Para comparar, a França, um país desenvolvido, levou o século XX inteiro para ter um aumento de 7% para 14% da população com 65 anos ou mais. O Brasil verá o mesmo fenômeno em apenas duas décadas.
[1] População em Idade Ativa (PIA) é o conjunto de pessoas que, por ter mais de 15 anos, teoricamente estão aptas a exercer uma atividade econômica
[2] O documento Envelhecendo em um Brasil Mais Velho, divulgado em 2011, pode ser acessado aqui
Na outra ponta da demografia estão os jovens cuja participação relativa na população brasileira é declinante. A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, a Pnad, mostrou que a porcentagem da população até 24 anos era de 42,8% em 2004, mas caiu para 39,6% em 2012.
Os reflexos desse cenário serão tanto uma pressão no sistema da Previdência – visto que haverá mais gente recebendo a aposentadoria do que trabalhando para bancá-la – quanto na sociedade. As cidades, por exemplo, deverão estar preparadas para que grande parte de seus pedestres tenha locomoção reduzida. Faróis devem ficar mais tempo abertos. As calçadas, estar em boas condições. E as famílias precisam estreitar seus laços, respeitando a diversidade de seus membros.
ABISMO GERACIONAL
Até o início de 1990, considerava-se a distância entre uma geração e outra um período de 25 anos. Hoje, contam-se apenas dez. E, segundo especialistas, esse chamado “gap geracional” está cada vez mais curto.“Um adolescente de 11 anos não se entende com o de 15, porque cada idade está exposta a diferentes estímulos e experiências próprias”, afirma Capelatto. Isso dificulta ainda mais uma abertura e uma compreensão sobre as outras idades.
Para Maria de Mello, consultora em projetos fundamentados na transdisciplinaridade [3] e membro da Rede Transdisciplinar Intergeracional [4] (Rede TIG), uma das razões para a falta de diálogo entre novos e velhos é a intolerância com as diferenças. Ela enumera pelo menos dois níveis em que essas diferenças são visíveis.
[3] Forma de pensar e se relacionar com a realidade considerando os fenômenos que estão entre, por meio e além das disciplinas. A metodologia baseia-se no tripé: Complexidade, Níveis de Realidade e Lógica do 3º Incluído
[4] A Rede TIG foi formada no começo deste ano para estudar e discutir o diálogo (e a falta dele) e as relações entre gerações em um grupo de pessoas – metade com até 50 anos e metade com mais de 50. Hoje, cerca de 15 pessoas continuam ativas nas discussões presenciais e virtuais
O primeiro é o nível físico. Pessoas de 20, 40 e 60 anos são fisiologicamente diferentes. E isso vai além do padrão de beleza. “Aos 20 anos, nem todo mundo precisa de óculos. Depois dos 40, os olhos pedem as lentes. Os mais velhos não respeitam a exuberância do jovem – veem, mas não respeitam porque não querem envelhecer. E o jovem não respeita que o velho tenha outro ritmo, tenha de subir uma escada mais devagar, por exemplo. Isso gera um desencantamento e um deboche”, diz.
Em segundo lugar, há uma diferença de compreensão de como as pessoas vivem o mundo. “As pessoas não devem querer viver pensando nas décadas em que eram jovens. Há gerações que não compreendem o histórico das mais novas e o contexto em que elas vivem”, afirma Maria. Essas são algumas das razões pela quais, geralmente, as pessoas preferem se relacionar com gente da mesma idade.
Ao acreditar que os avós precisam “abrir a cabeça para a realidade da vida, que é a realidade do agora”, Beatriz Redko driblou o gap geracional e obteve a confiança e a amizade dos netos. Quando Lucas, que hoje tem 16 anos, tinha 10, pediu à avó que lhe ensinasse economia. Beatriz separou uma série de vídeos da internet e programas de tevê que explicavam a história do dinheiro, do comércio etc. Com a neta Bibia, foi mais ousada. Deu o livro Cinquenta Tons de Cinza quando a adolescente tinha 17 anos e engatou um namoro sério. “Ela gostou muito e o livro foi o maior sucesso entre as amigas”, conta.
Para Beatriz, só se consegue a atenção de uma criança ou jovem quando existe algo que o interessa.“Se o avô diz que o piercing que o neto fez é horrível e começa o discurso com um ‘No meu tempo não era assim…’, pronto! Acabou a chance de diálogo. É preciso mudar a abordagem, aceitar o que os jovens fazem e perguntar por que fazem. Aí, vai ver que os problemas que eles enfrentam na idade deles são os mesmos que o avô tinha”, reflete.
Para Ivan Capelatto, a família possui um papel crucial na aproximação e no diálogo entre as gerações porque as crianças e adolescentes não buscam sozinhas o contato com os mais maduros. Os pais devem, então, ser os mediadores e estimular o convívio, contar histórias das origens da família e dos sobrenomes, situações vividas na infância dos pais, avós. Isso tudo cria uma emoção fundamental na criança, que é a ideia de pertencimento. Se o jovem não se sente pertencente à família, vai encontrar isso nos amigos, entre os quais não há a relação com outra geração. “Quando esse jovem se fecha em seu próprio grupo, cria a ideia de que ‘tudo que é diferente é meu inimigo’. Isso gera intolerância e até violência”, explica.
INTERNET QUE AGREGA
O elemento mais fácil de culparmos pelo distanciamento das gerações é o advento das tecnologias. Os especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, tiram o peso desse fator. Segundo Maria de Mello, o histórico da falta de comunicação é mais profundo do que a história da digitalização e envolve o surgimento da Geração Y no contexto do pós-guerra (leia mais sobre a relação entre as gerações Y e as anteriores em “O diálogo intergeracional nas empresas“). “A tecnologia é uma desculpa, porque estamos todos vivendo juntos no século XXI.”
Ela ressalta que cada vez mais as tecnologias estão ao alcance de todos e acredita que, em pouco tempo, ela não será mais um abismo tão grande entre as gerações. Alguns números provam essa tendência. O IBGE aponta que, entre 2005 e 2011, o número de usuários de internet acima de 50 anos cresceu 222,3%, chegando a um total de 8,1 milhões de pessoas. E, segundo pesquisa da empresa comScore, conduzida em agosto, 84,2% dos internautas brasileiros acima de 55 anos estão no Facebook e gastam em média 19 minutos por dia na rede social.
Vicente Góes, que também faz parte da Rede TIG, concorda com o argumento de Maria de Mello. Para ele, o abismo foi criado pela sociedade de consumo, que destina todos os produtos e propagandas aos jovens, em detrimento da terceira idade ou mesmo dos adultos. “O mundo puxa as pessoas para uma eterna juventude, ninguém quer ser ‘velho’. Isso me assusta”, desabafa.
SABER E SER
Um dos aspectos que a Rede TIG analisou em seus grupos de estudo foram as mudanças nas relações entre gerações nos séculos XX e XXI. Até o século passado, o conhecimento do mundo era sempre passado dos mais velhos para os mais novos. Quem detinha o “saber”, tinha o “ser”, ou seja, tinha mais idade. Hoje, com a vasta quantidade de informação disponível diretamente a crianças e jovens, eles não precisam dos mais velhos para todos os ensinamentos. Eles podem saber tanto ou até mais do que seus pais e avós, se quiserem. Góes exemplifica: “Se eu uso a internet há anos e minha avó compra hoje um computador para acessá-la, mesmo que ela tenha três vezes a minha idade, está uma geração depois de mim em relação a essas informações”.
Os mais velhos têm hoje o “ser”, e o mais novo, parte do “saber”. O que se vê, segundo Góes é a desvalorização do conhecimento dos mais velhos e, até mesmo, uma perda da ancestralidade e das referências, como Ivan Capelatto havia explicado.
Para Maria de Mello, é preciso que as gerações se admirem mais. “Falta mais que empatia. Falta encantamento.
Nós perdemos a capacidade de desfrutar o encantamento da diferença. Com isso, jovens e velhos perdem a chance aproveitar o melhor de sua idade e de respeitar o melhor da idade daqueles com quem convivem”, diz.
Leia mais:
Entrevista com o médico psiquiatra Paulo Gaudencio sobre o que é ser jovemA relação entre as gerações Y e as anteriores em “O diálogo intergeracional nas empresas“
[:en]Com o aumento da população da terceira idade no Brasil, as famílias têm cada vez mais avós e bisavós em contato com crianças e adolescentes. E nas empresas há mais diversidade em seu quadro de funcionários. A convivência entre gerações nascidas em mundos tão distintos pode não ser tarefa fácil, mas é muito rica
Para falar com os três netos que moram fora de São Paulo, onde vive, Beatriz Redko não dispensa o tradicional telefone. E prefere esse aparelho ao programa de computador Skype. “Quando a pessoa é vista, quer estar bonita, e isso tira a espontaneidade da conversa. Pelo telefone, percebo as nuances das vozes”, diz. Às redes sociais, no entanto, ela não resistiu.
Um dia, viu sua neta mais velha, de apelido Bibia, com então com 15 anos, atender ao mesmo tempo um telefonema e três conversas no Messenger (sistema de bate-papos instantâneo e on-line). “Claro que não tenho preferência só porque sou a avó. Os jovens se interessam por mil coisas, então sei que ela iria continuar conversando comigo e com os outros amigos.”
A cena aguçou sua vontade de descobrir como se aproximar da nova geração da família. Essa foi uma das razões para que, em 2012, aos 73 anos, Beatriz abrisse uma conta no Facebook. Hoje, quem mais interage com ela na rede social são seus netos. Mandam e compartilham sites, vídeos e imagens. “Nossa proximidade melhorou porque fiquei por dentro do mundo deles”, reflete. Para ela, o repertório comum facilita as conversas. Ao telefone podem falar da vida e dos assuntos que estão em alta na web.
A família de Beatriz é um bom exemplo de como é possível aproximar gerações que nasceram em épocas tão distintas. Graças ao aumento da expectativa de vida e à diminuição da taxa de fecundidade, o Brasil está passando por uma transformação demográfica. A população mais velha está crescendo, e as famílias têm cada vez mais avôs e bisavôs convivendo com crianças e jovens. Isso exige mais do que uma boa relação pessoal. Exige uma cultura de diálogo que permita a troca de conhecimentos de ambos os lados, tanto dentro de casa quanto nas ruas e nas relações profissionais.
Nem todas as famílias, no entanto, conseguem desfrutar de um bom convívio. Segundo Ivan Capelatto, psicoterapeuta de crianças, adolescentes e famílias, o que mais se percebe é um distanciamento entre avós, pais e filhos nos tempos atuais. Entre as causas está a falta de tempo e de convivência, já que as famílias se espalham por várias cidades, os adultos trabalham demais e as crianças têm o dia cheio de atividades complementares à escola. Soma-se a isso uma falta de interesse das gerações mais novas pelas mais velhas.
O AMADURECER DE UMA NAÇÃO
Desde os anos 1970, o Brasil apresenta uma desaceleração no ritmo de crescimento da população e um envelhecimento de seus habitantes. Enquanto, em 1950, apenas 5% da população em idade ativa [1] passava dos 64 anos, em 2011, era 11%. Estimativas do Banco Mundial [2] apontam que 49% dos brasileiros serão idosos em 2050. O documento também alerta para o fato de o Brasil estar envelhecendo rápido demais. Para comparar, a França, um país desenvolvido, levou o século XX inteiro para ter um aumento de 7% para 14% da população com 65 anos ou mais. O Brasil verá o mesmo fenômeno em apenas duas décadas.
[1] População em Idade Ativa (PIA) é o conjunto de pessoas que, por ter mais de 15 anos, teoricamente estão aptas a exercer uma atividade econômica
[2] O documento Envelhecendo em um Brasil Mais Velho, divulgado em 2011, pode ser acessado aqui
Na outra ponta da demografia estão os jovens cuja participação relativa na população brasileira é declinante. A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, a Pnad, mostrou que a porcentagem da população até 24 anos era de 42,8% em 2004, mas caiu para 39,6% em 2012.
Os reflexos desse cenário serão tanto uma pressão no sistema da Previdência – visto que haverá mais gente recebendo a aposentadoria do que trabalhando para bancá-la – quanto na sociedade. As cidades, por exemplo, deverão estar preparadas para que grande parte de seus pedestres tenha locomoção reduzida. Faróis devem ficar mais tempo abertos. As calçadas, estar em boas condições. E as famílias precisam estreitar seus laços, respeitando a diversidade de seus membros.
ABISMO GERACIONAL
Até o início de 1990, considerava-se a distância entre uma geração e outra um período de 25 anos. Hoje, contam-se apenas dez. E, segundo especialistas, esse chamado “gap geracional” está cada vez mais curto.“Um adolescente de 11 anos não se entende com o de 15, porque cada idade está exposta a diferentes estímulos e experiências próprias”, afirma Capelatto. Isso dificulta ainda mais uma abertura e uma compreensão sobre as outras idades.
Para Maria de Mello, consultora em projetos fundamentados na transdisciplinaridade [3] e membro da Rede Transdisciplinar Intergeracional [4] (Rede TIG), uma das razões para a falta de diálogo entre novos e velhos é a intolerância com as diferenças. Ela enumera pelo menos dois níveis em que essas diferenças são visíveis.
[3] Forma de pensar e se relacionar com a realidade considerando os fenômenos que estão entre, por meio e além das disciplinas. A metodologia baseia-se no tripé: Complexidade, Níveis de Realidade e Lógica do 3º Incluído
[4] A Rede TIG foi formada no começo deste ano para estudar e discutir o diálogo (e a falta dele) e as relações entre gerações em um grupo de pessoas – metade com até 50 anos e metade com mais de 50. Hoje, cerca de 15 pessoas continuam ativas nas discussões presenciais e virtuais
O primeiro é o nível físico. Pessoas de 20, 40 e 60 anos são fisiologicamente diferentes. E isso vai além do padrão de beleza. “Aos 20 anos, nem todo mundo precisa de óculos. Depois dos 40, os olhos pedem as lentes. Os mais velhos não respeitam a exuberância do jovem – veem, mas não respeitam porque não querem envelhecer. E o jovem não respeita que o velho tenha outro ritmo, tenha de subir uma escada mais devagar, por exemplo. Isso gera um desencantamento e um deboche”, diz.
Em segundo lugar, há uma diferença de compreensão de como as pessoas vivem o mundo. “As pessoas não devem querer viver pensando nas décadas em que eram jovens. Há gerações que não compreendem o histórico das mais novas e o contexto em que elas vivem”, afirma Maria. Essas são algumas das razões pela quais, geralmente, as pessoas preferem se relacionar com gente da mesma idade.
Ao acreditar que os avós precisam “abrir a cabeça para a realidade da vida, que é a realidade do agora”, Beatriz Redko driblou o gap geracional e obteve a confiança e a amizade dos netos. Quando Lucas, que hoje tem 16 anos, tinha 10, pediu à avó que lhe ensinasse economia. Beatriz separou uma série de vídeos da internet e programas de tevê que explicavam a história do dinheiro, do comércio etc. Com a neta Bibia, foi mais ousada. Deu o livro Cinquenta Tons de Cinza quando a adolescente tinha 17 anos e engatou um namoro sério. “Ela gostou muito e o livro foi o maior sucesso entre as amigas”, conta.
Para Beatriz, só se consegue a atenção de uma criança ou jovem quando existe algo que o interessa.“Se o avô diz que o piercing que o neto fez é horrível e começa o discurso com um ‘No meu tempo não era assim…’, pronto! Acabou a chance de diálogo. É preciso mudar a abordagem, aceitar o que os jovens fazem e perguntar por que fazem. Aí, vai ver que os problemas que eles enfrentam na idade deles são os mesmos que o avô tinha”, reflete.
Para Ivan Capelatto, a família possui um papel crucial na aproximação e no diálogo entre as gerações porque as crianças e adolescentes não buscam sozinhas o contato com os mais maduros. Os pais devem, então, ser os mediadores e estimular o convívio, contar histórias das origens da família e dos sobrenomes, situações vividas na infância dos pais, avós. Isso tudo cria uma emoção fundamental na criança, que é a ideia de pertencimento. Se o jovem não se sente pertencente à família, vai encontrar isso nos amigos, entre os quais não há a relação com outra geração. “Quando esse jovem se fecha em seu próprio grupo, cria a ideia de que ‘tudo que é diferente é meu inimigo’. Isso gera intolerância e até violência”, explica.
INTERNET QUE AGREGA
O elemento mais fácil de culparmos pelo distanciamento das gerações é o advento das tecnologias. Os especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, tiram o peso desse fator. Segundo Maria de Mello, o histórico da falta de comunicação é mais profundo do que a história da digitalização e envolve o surgimento da Geração Y no contexto do pós-guerra (leia mais sobre a relação entre as gerações Y e as anteriores em “O diálogo intergeracional nas empresas“). “A tecnologia é uma desculpa, porque estamos todos vivendo juntos no século XXI.”
Ela ressalta que cada vez mais as tecnologias estão ao alcance de todos e acredita que, em pouco tempo, ela não será mais um abismo tão grande entre as gerações. Alguns números provam essa tendência. O IBGE aponta que, entre 2005 e 2011, o número de usuários de internet acima de 50 anos cresceu 222,3%, chegando a um total de 8,1 milhões de pessoas. E, segundo pesquisa da empresa comScore, conduzida em agosto, 84,2% dos internautas brasileiros acima de 55 anos estão no Facebook e gastam em média 19 minutos por dia na rede social.
Vicente Góes, que também faz parte da Rede TIG, concorda com o argumento de Maria de Mello. Para ele, o abismo foi criado pela sociedade de consumo, que destina todos os produtos e propagandas aos jovens, em detrimento da terceira idade ou mesmo dos adultos. “O mundo puxa as pessoas para uma eterna juventude, ninguém quer ser ‘velho’. Isso me assusta”, desabafa.
SABER E SER
Um dos aspectos que a Rede TIG analisou em seus grupos de estudo foram as mudanças nas relações entre gerações nos séculos XX e XXI. Até o século passado, o conhecimento do mundo era sempre passado dos mais velhos para os mais novos. Quem detinha o “saber”, tinha o “ser”, ou seja, tinha mais idade. Hoje, com a vasta quantidade de informação disponível diretamente a crianças e jovens, eles não precisam dos mais velhos para todos os ensinamentos. Eles podem saber tanto ou até mais do que seus pais e avós, se quiserem. Góes exemplifica: “Se eu uso a internet há anos e minha avó compra hoje um computador para acessá-la, mesmo que ela tenha três vezes a minha idade, está uma geração depois de mim em relação a essas informações”.
Os mais velhos têm hoje o “ser”, e o mais novo, parte do “saber”. O que se vê, segundo Góes é a desvalorização do conhecimento dos mais velhos e, até mesmo, uma perda da ancestralidade e das referências, como Ivan Capelatto havia explicado.
Para Maria de Mello, é preciso que as gerações se admirem mais. “Falta mais que empatia. Falta encantamento.
Nós perdemos a capacidade de desfrutar o encantamento da diferença. Com isso, jovens e velhos perdem a chance aproveitar o melhor de sua idade e de respeitar o melhor da idade daqueles com quem convivem”, diz.
Leia mais:
Entrevista com o médico psiquiatra Paulo Gaudencio sobre o que é ser jovemA relação entre as gerações Y e as anteriores em “O diálogo intergeracional nas empresas“