Estimativas apontam que mesmo a crise econômica não foi capaz de conter o aumento das emissões de gases de efeito estufa do Brasil em 2016, puxado principalmente pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado
A “gordura” acabou. Faltando pouco mais de três anos para se chegar à data limite para o atingimento das metas de redução de emissões nacionais de gases de efeito estufa (GEE) – definidas em 2009 para a Conferência do Clima de Copenhague (COP 15) e institucionalizadas através da Política Nacional de Mudança do Clima -, pela primeira vez o Brasil corre o perigo de não ser capaz de cumpri-las efetivamente, o que pode atrapalhar a implementação dos novos compromissos brasileiros dentro do Acordo de Paris.
“O Brasil está no limite da meta de redução de emissões para 2020”, aponta Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de GEE (SEEG) do Observatório do Clima. “Hoje, sofremos o risco de não atingir o limite da meta definida pela Política Nacional”.
Os dados do SEEG sobre as emissões brasileiras em 2016 reforçam essa preocupação. De acordo com o levantamento, apresentado hoje (25/10) em São Paulo, as emissões do País aumentaram 8,9% no ano passado em comparação com o ano anterior – de 2,091 bilhões de toneladas brutas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) para 2,278 bilhões.
As emissões estimadas para 2016 colocam o Brasil como o 7º país no ranking global, atrás apenas de China, Estados Unidos, União Europeia, Índia, Indonésia e Rússia, e à frente de países como Japão, Canadá e Alemanha.
Os números de 2016 são os mais altos em termos de emissões brutas do Brasil desde 2008, além da maior alta observada em apenas um ano desde 2004. O crescimento observado no ano passado é o segundo consecutivo e ocorre em meio à pior recessão econômica da história do País. Segundo o SEEG, entre 2015 e 2016, a elevação acumulada das emissões foi de 12,3% em contraposição a uma queda de 7,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Dessa forma, a poluição nacional está aumentando sem que isto signifique qualquer geração de riqueza para o Brasil.
“Os dados do SEEG refletem as dificuldades vividas pela agenda ambiental no Brasil nos últimos anos”, argumenta Carlos Rittl, secretário-executivo do OC. “O reflexo da redução das áreas protegidas, das tentativas de flexibilização da legislação ambiental federal, do perdão a desmatadores e da redução de direitos sociais e indígenas no campo está no avanço do desmatamento e, consequentemente, das emissões do país. Hoje estamos 70% acima do nível de emissões em que deveríamos estar para cumprir plenamente as metas nacionais para 2020”.
Desmatamento e agropecuária como motores do aumento das emissões no Brasil
O principal fator para explicar a elevação das emissões brasileiras de GEE em 2016 está na destruição crescente dos biomas do País: no período, o desmatamento da Amazônia aumentou 27%. Como resultado, as emissões por mudança de uso da terra (MUT) cresceram 23% no ano passado, dando ao setor uma representatividade de 51% do total de emissões do Brasil.
“O descontrole do desmatamento, em especial na Amazônia, nos levou a emitir 218 milhões de tCO2e a mais em 2016 do que em 2015. É mais do que duas vezes o que a Bélgica emite por ano”, aponta Ane Alencar, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “Isso é dramático, porque o desmatamento é em sua maior parte ilegal e não se reflete no PIB do País”.
Além da destruição da Amazônia, as emissões de MUT também refletem o avanço do desmatamento do Cerrado, responsável por quase 20% do acumulado neste setor no ano passado e que continua sofrendo com taxas absolutas de devastação maiores que as amazônicas. A preocupação com o Cerrado fica evidente se considerarmos a situação atual da região, que sofre com incêndios criminosos nos últimos meses, reforçados pela falta de chuva no Centro-Oeste brasileiro.
Boa parte das emissões de mudança de uso da terra estão associadas diretamente com as atividades econômicas de outro setor importante – a agropecuária, que respondeu sozinha a 22% das emissões totais no ano passado. Juntos, os dois setores representam 74% do total brasileiro.
“No plano internacional, a agropecuária brasileira é a terceira do mundo em termos de emissões”, aponta Ciniro Costa, do Imaflora. “Em 2016, as emissões da agropecuária brasileira aumentaram 1,7%, o maior índice nos últimos cinco anos”.
Em parte, o aumento das emissões da agropecuária se deve pela crise econômica. Com a queda na demanda de carne bovina no mercado nacional e as restrições ao produto brasileiros em mercados estrangeiros, o abate de bovinos recuou pelo segundo ano consecutivo em 2016. “Atingimos uma população de bovinos de corte jamais vista”, aponta Costa.
Além do aumento do rebanho, outro fator importante para explicar o aumento das emissões diretas da agropecuária é a intensificação do uso de fertilizantes nitrogenados, que emitem óxido nitroso (N2O), um gás 265 vezes mais potente que o CO2 em termos de retenção de calor na atmosfera terrestre. No ano passado, o consumo deste tipo de fertilizante subiu 23%, índice nunca antes visto no Brasil.
Redução de emissões nos setores de energia, indústria e resíduos
Ainda que não tenha sido capaz de conter o aumento das emissões relacionadas a MUT e agropecuária, o desaquecimento econômico conseguiu reduzir as emissões em setores intensivos, como energia e processos industriais, além de resíduos.
De acordo com o SEEG. as emissões do setor de energia caíram 7,3% em 2016. As emissões associadas à geração de eletricidade foram reduzidas em 30% no ano passado, graças à menor participação das usinas termelétricas fósseis, desligadas com a recuperação dos níveis dos reservatórios do Centro-Sul no ano passado. Nos dois anos anteriores, por conta da estiagem que afetou o Sudeste, estas usinas poluentes precisaram ser acionadas para garantir o atendimento da demanda de eletricidade.
Além do desligamento das usinas termelétricas, outro fator importante que contribuiu para a redução significativa das emissões relacionadas à geração de eletricidade é o avanço das fontes renováveis na matriz elétrica brasileira. “A geração de eletricidade por fontes renováveis não hídricas, principalmente eólica e biomassa, cresceu 19% em 2016”, afirmou Marcelo Cremer, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
No setor de resíduos, a recessão econômica também forçou uma redução de suas emissões no ano passado. “Apesar do crescimento das emissões provenientes do tratamento de efluentes, o setor teve uma queda relacionada à redução da geração de resíduos sólidos urbanos e à diminuição do envio do material coletado para aterros sanitários”, apontou Igor Albuquerque Reis, do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade.
A hora e a vez da agropecuária
Hoje, o calcanhar de Aquiles dos esforços brasileiros para redução de emissões de GEE está na agropecuária, o principal setor da economia nacional e um dos poucos que conseguiu resistir à crise econômica nos últimos anos. A relevância estratégica deste setor também se reflete na sua representatividade em termos de emissões diretas e indiretas – que, neste último caso, correspondem a boa parte das emissões de mudança de uso da terra, resultado do desmatamento de área florestal para pastagem.
Assim, o caminho para que o Brasil possa vislumbrar um futuro de emissões neutralizadas passa invariavelmente pela redução das emissões na agropecuária. No entanto, os incentivos políticos e econômicos para o engajamento do setor na agenda de mudança do clima no País ainda estão aquém do necessário para viabilizar o cumprimento das metas de redução de emissões acordadas pelo governo federal em 2015 para o Acordo de Paris.
“O financiamento para o baixo carbono na agricultura nunca superou 2% do total disponibilizado pelos bancos públicos através do Plano Safra”, apontou Tasso Azevedo. “Além disso, não temos instrumentos para monitorar o efeito das políticas relacionadas ao baixo carbono no setor, pelo menos sem a mesma credibilidade que um PRODES, por exemplo [alusão ao Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora a situação do corte raso de floresta no bioma amazônico]”.
Para Azevedo, zerar as emissões do setor agropecuário não apenas é viável para o Brasil como também é necessário. Segundo ele, o País tem condições para implementar medidas para zerar o desmatamento e expandir a agricultura de baixo carbono para todo o setor, o que permitirá um ambiente melhor para o agronegócio, com mais renda para o produtor e menor risco de secas e queimadas. “O nosso maior desafio no combate à mudança do clima é também nossa maior oportunidade. Temos a felicidade de ser um país onde essas coisas coincidem”.
Os dados do SEEG estão disponíveis em www.seeg.eco.br.