A cadeia da castanha-do-brasil é uma das mais promissoras da bioeconomia na Amazônia. Mas é preciso reposicionar o produto, inclusive no mercado internacional, para que todo o valor da sociobiodiversidade seja reconhecido na ponta do consumo
Castanha-do-pará, do Brasil ou da Amazônia? As nomenclaturas da oleaginosa mudam com o passar dos anos, e a posição do Brasil como fornecedor do ingrediente também. Até a década de 1980, o País foi o maior produtor e exportador das castanhas, mas perdeu o posto para a Bolívia, que organizou a cadeia produtiva e hoje compra estoques brasileiros para exportar. Ao lado do Peru, os dois países são responsáveis por 52% do volume de castanha exportada pelo Brasil.
Embora cheia de gargalos, a cadeia da castanha-do-brasil é uma das mais importantes e promissoras da bioeconomia da Amazônia e movimenta cerca de R$ 140 milhões ao ano no País. De acordo com especialistas que participaram do painel sobre troca de experiências em bionegócios, no terceiro dia do Fórum de Inovação em Investimentos na Bioeconomia Amazônica (F2iBAM), ela demanda maior organização em sua base, acesso a crédito e ampliação dos mercados consumidores. Além de um reposicionamento global de sua imagem, para que, além dos atributos de saudabilidade, a castanha possa ser reconhecida também como um alimento que preserva a Amazônia.
“Fora do Brasil, a castanha é vista como uma nut entre tantas outras. O mercado não sabe a origem amazônica. Por isso precisamos encontrar formas de reposicionar o produto, para que todo o valor da sociobiodiversidade seja reconhecido na ponta, pelo consumidor”, diz Victoria Mutran, diretora comercial da Mutran Exportadora, empresa beneficiadora de castanha-do-brasil com mais de 50 anos de história no setor.
No mercado doméstico, a oleaginosa já vem passando por uma atualização na imagem: é recomendada por nutricionistas e entra como insumo em diversos produtos com proposta saudável, como leites vegetais voltados ao público que não consome produtos de origem animal. Mas ainda falta uma estratégia de marketing para mostrar os benefícios que seu extrativismo gera para a floresta e as comunidades amazônicas.
Árvore de grande porte, a castanheira necessita do ecossistema preservado para produzir. Sua polinização, por exemplo, é feita por 25 espécies de abelhas nativas, segundo a Embrapa, e a disseminação das sementes também só é possível graças a um roedor endêmico da Amazônia. A demanda pelo produto contribui efetivamente para a redução do desmatamento, e gera renda para as comunidades extrativistas.
Em recente estudo, o Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus) mapeou as organizações extrativistas que atuam na Amazônia e identificou que, das 400 associações levantadas, 127 estão inseridas na cadeia de valor da castanha-do-brasil e são responsáveis por comercializar 30% da produção, estimada em 36 mil toneladas anuais. São cerca de 15 mil extrativistas que têm, na castanha, a principal fonte de renda para sustentar suas famílias. “O problema é que os outros 70% da produção estão em canais intermediários, não organizados e não estruturados”, explica Carina Pimenta, diretora executiva e cofundadora da Conexsus.
Segundo o estudo, impulsionar a cadeia produtiva da castanha-do-brasil demandaria recursos da ordem de R$ 39,3 milhões ao ano em financiamento e outros R$ 12,7 milhões em assistência técnica organizada e apoio fitossanitário. A boa notícia é que o recurso pode vir de fontes de financiamento que já existem, como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Hoje o Pronaf direciona R$ 2 bilhões em crédito rural subsidiado para pequenos produtores na Amazônia, mas está desconectado da bioeconomia da floresta, pois apenas R$ 55 milhões foram direcionados para atividades sustentáveis na safra 2019/2020 – sendo R$ 8,4 milhões para a cadeia da castanha, com apenas 25 contratos com extrativistas e um contrato com uma cooperativa. “Com taxas de juros de 0,5% ao ano, o Pronaf é bem subsidiado e tem potencial para ser realocado para beneficiar esses produtores, basta criar os arranjos para que eles possam acessar os recursos”, diz Pimenta.
Para Plácido Costa, articulador do Pacto das Águas de Rondônia, iniciativa de fomento às cadeias produtivas da sociobiodiversidade na Amazônia, é possível ampliar o acesso dos extrativistas às fontes de crédito subsidiado como o Pronaf, mas cabe também aos bancos se aproximarem desses produtores e tornarem os modelos de financiamento mais viáveis, especialmente nesse momento em que países europeus e os Estados Unidos estão buscando produtos livres de desmatamento nos acordos comerciais com o Brasil. “O setor financeiro precisa entender melhor o chão da Amazônia e usar desse momento para ajudar a valorizar a castanha internacionalmente”, afirma Costa.
Atributos não faltam – ela tem aderência dos consumidores, é saudável e sustentável, além de ser um insumo valorizado pela indústria cosmética. Na avaliação de André Machado, assessor técnico do Observatório da Castanha-da-Amazônia (OCA), o fomento a essa cadeia produtiva é uma grande oportunidade de investimento e deve combinar recursos de origem pública e privada.
Também é necessário agregar tecnologia no campo, uma vez que os extrativistas hoje coletam a castanha da mesma forma que faziam no início do século. “Assim como discutimos o agronegócio 4.0, devemos discutir o extrativismo 4.0 e como agregar qualidade e inovação para o trabalho no campo”, afirma.
A experiência boliviana mostra que, a despeito da falta de políticas públicas de crédito, é possível organizar a cadeia produtiva da oleaginosa que preferem chamar de castanha-da-amazônia. A Bolívia vem se destacando no mercado internacional porque estruturou hubs para o beneficiamento da castanha e investiu em certificações de qualidade, tornando-a competitiva para exportação.
Mas a maior parte dos recursos para isso veio do próprio setor privado e de organizações internacionais que trabalham com o conceito de comércio justo (fair trade), diz Jose Padilla, diretor comercial da Corporacion Agroindustrial Amazonas, empresa processadora e exportadora de castanha. “Os produtores bolivianos também têm problemas de acesso a crédito no sistema bancário tradicional, que não concede porque muitos extrativistas são indígenas sem título de propriedade das terras. O setor privado toma o risco de financiar os outros atores da cadeia e assume a outorga de crédito para os extrativistas”, afirma.
A seguir, as sistematizações gráficas do painel:
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