O mais difícil o Brasil já tem: uma riqueza ímpar em diversidade ambiental e sociocultural. Falta desenvolver uma marca-país para gerar renda e desenvolvimento com base nesses atributos. Reconhecer o valor desses ativos já seria um ótimo começo
Identificar o que um país, organização ou mesmo uma pessoa tem de único é uma oportunidade para construção de marcas e incremento do posicionamento no mercado, diferenciais competitivos que podem ajudar a fomentar também produtos agroalimentares diferenciados (PADs). O setor agroalimentar brasileiro já é um gigante em volume produzido, mas permanecem as oportunidades de diferenciação baseadas no que o Brasil tem de único: nossa biodiversidade e nossa cultura.
A megadiversidade dos biomas brasileiros abriga muitas oportunidades de pesquisar mais as espécies endêmicas para dar novos usos e gerar riqueza a partir da sua exploração sustentável. A Amazônia, por si só, tem fama mundial e imenso potencial de unir biodiversidade e cultura em produtos únicos, carregados de brasilidade. O Cerrado e a Caatinga, bem menos conhecidos, também abrigam centenas de espécies nativas com potencial de uso alimentício e rica cultura capazes de gerar marcas únicas e apresentar ao mundo um Brasil ainda pouco percebido lá fora.
Construir estratégias de branding baseadas em cultura local é uma oportunidade de gerar renda para nossos territórios, explorar nossa biodiversidade e ofertar aos mercados consumidores locais e global produtos sustentáveis, saudáveis e únicos – três aspectos alinhados com tendências de consumo de alimentos.
Ter uma cultura rica para ser trabalhada como elemento de agregação de valor é o cenário ideal para estrategistas de marketing. O mais difícil nós já temos. O passo seguinte é rever as prioridades escolhidas para nossos sistemas alimentares para dar mais visibilidade e abrir oportunidades de mercado aos produtos agroalimentares dos nossos biomas.
A agregação de valor para produtos agroalimentares não precisa, necessariamente, basear-se em aplicação de tecnologias avançadas no processo produtivo. Uma embalagem diferenciada, com pegada de sustentabilidade e que consegue transmitir as informações essenciais do produto já é um fator importante para incrementar o valor percebido pelos consumidores. Se o produto conseguir contar uma boa história e apresentar a cultura do seu local de origem, ganha ainda mais em valor percebido.
Vejam o exemplo dos cafés. O café de um mesmo fornecedor pode ser vendido no mesmo ponto de venda por preços bastante distintos, a depender apenas da embalagem, da marca e do posicionamento do produto. Quando morei nos Estados Unidos, costumava observar essas variáveis em supermercados diversos que possuem marcas próprias. O café arábica colombiano, de um mesmo produtor, era ofertado por um preço até 50% superior quando era apresentado em embalagem que valorizava a cultura do país de origem, em comparação com o mesmo café apresentado em embalagem de marca própria da rede varejista. Naturalmente, o potencial do Brasil vai muito além de buscar a diferenciação baseada em embalagens criativas e branding.
O potencial inventivo de gerarmos produtos com cara de Brasil, e portanto, mais difíceis de serem copiados, passa por pesquisar mais nossa biodiversidade, valorizar a cultura de nossos povos e comunidades tradicionais e unir esforços para reduzir os gargalos que nos impedem de avançar mais rapidamente.
Capacitação e acesso à crédito para pequenos produtores, além de mais pesquisas participativas, são uma necessidade ainda presente, mas há ainda o imenso custo Brasil, que torna quase proibitivos os custos de frete para escoar os produtos da biodiversidade amazônica, por exemplo, para o Sudeste, principal mercado consumidor interno.
Em paralelo ao trabalho interno de abrir caminhos para que nossas biodiversidade e cultura estejam mais presentes nas gôndolas dos supermercados e nas nossas mesas, precisamos de uma estratégia de marca-país para o setor agroalimentar. Poucos países no mundo têm o nosso mosaico cultural e tantas oportunidades de gerar percepções positivas na mente dos consumidores globais.
O que falta? Sofremos um problema histórico de governança da cadeia agroalimentar e de morosidade governamental. Estratégias de marca-país precisam ser permanentes. Já tivemos tentativas de consolidar uma marca-país para o agro, mas as ações não conseguem atravessar as trocas de governo ou falta interação entre atores importantes. O Peru e a Nova Zelândia são casos clássicos de como se deve gerir uma marca-país. O Brasil também pode fazer muito mais. Reconhecer o valor das nossas cultura e biodiversidade já seria um ótimo começo.
*Gustavo Porpino é PhD em administração pela FGV-Eaesp. Foi pesquisador visitante na Universidade Cornell e atua na equipe de PD&I da Embrapa Alimentos e Territórios
[Foto no alto: Ronaldo Rosa/ Embrapa Amazônia Oriental – Açaí, polpa de açaí e farinha de mandioca]