Deu na Página22… há 10 anos
O papa, morto em 21 de abril, foi além da simples constatação da realidade dramática do meio ambiente. A encíclica Laudato Si’, de 2015, desenvolve-se a partir de uma interpretação própria sobre a relação entre Deus, a humanidade e o meio ambiente
Por Magali Cabral
O papa Francisco não está mais entre nós, mas suas palavras e o legado de suas iniciativas sim. O pontificado, iniciado em 2013, foi marcado por ações de grande impacto e ineditismo. Atuou fortemente em prol da cultura de paz e do meio ambiente, buscou uma maior aproximação entre as religiões, levou mais transparência à Cúria Romana, abençoou a união entre pessoas do mesmo sexo e, sobretudo, procurou estar ao lado dos mais pobres, dos marginalizados e dos imigrantes.
Na Página22, o papa foi notícia ao divulgar, em 24 de maio de 2015, a sua primeira encíclica, Laudato Si’ (Louvado Seja), na qual abordou a crise ambiental e as relações entre seres humanos, espiritualidade e natureza. A encíclica foi publicada meses antes da COP 21, em Paris, e influenciou o debate que culminou com o Acordo de Paris, cujo principal objetivo é conter o aquecimento global abaixo de 2 graus em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para limitar o aumento a 1,5 grau.
Na época, o jornalista Bruno Toledo fez o registro: Laudato Si’: um papa na luta contra as mudanças climáticas. “Na encíclica, Francisco vai além da simples constatação da realidade dramática do meio ambiente: a encíclica se desenvolve a partir de uma interpretação própria sobre a relação entre Deus, humanidade e meio ambiente, enveredando em questões políticas mais espinhosas (como a lentidão das negociações internacionais, a dificuldade de se abandonar os combustíveis fósseis, e até mesmo o modelo atual de licenciamento ambiental), e avançando mesmo em temas ainda radicais em alguns círculos não-religiosos, como o conceito de decrescimento”.
Em 2018, Francisco voltou às páginas de Página22, desta vez como tema de artigo de Nicholas Stern, professor e presidente do Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudança Climática e Meio Ambiente da London School of Economics, e professor do Collège de France e presidente da British Academy.
Segundo Stern, Sua Santidade revelou-se uma liderança extraordinária ao reconhecer a combinação de urgência e oportunidade na crise climática. “Francisco certamente serve como um exemplo notável e crucial para nós que vivemos no mundo secular. Somente combinando liderança política e moral, juntamente com movimentos sociais e economia sólida, as decisões necessárias serão tomadas com a urgência que precisamos”.
Stern lembra em seu artigo que, nos últimos 70 anos, a população global quase triplicou em razão de avanços notáveis e sem precedentes como aumento na expectativa de vida média de cerca de 40 anos para cerca de 70 anos, elevação de aproximadamente quatro vezes na renda per capita e um enorme declínio no número de pessoas em condições de pobreza absoluta.
“Mas, ao mesmo tempo – observa ele –, houve mudanças fundamentais em nosso capital natural, na atmosfera, oceanos, florestas, geleiras, rios e biodiversidade. Em 142 países tropicais, a área total de florestas naturais diminuiu 11% entre 1990 e 2015. Os oceanos registraram um aumento de 30% na acidez desde o início da Revolução Industrial”.
Em 2019, o papa agradeceu e encorajou a ativista climática Greta Thunberg por suas ações em defesa do meio ambiente. “Siga em frente!”, disse Francisco à jovem sueca.
Para ler mais sobre a Encíclica Laudato Sí e e a relação entre espiritualidade e meio ambiente, acesse esta edição de Página22, publicada em 2015.