Uma cidade nos Estados Unidos baniu a venda de garrafas de água de 1 litro ou menos. Enquanto isso, no Brasil, a iniciativa Água na Jarra incentiva que as PETs deem lugar à água do filtro
Desde o começo de 2013, não se encontra mais água mineral em garrafas de 1 litro ou menos na cidade de Concord, Massachusetts, nos Estados Unidos. Uma lei municipal proibiu a venda desse tipo de embalagem em uma tentativa de reduzir os impactos causados pela exploração dos recursos hídricos locais e pelos impactos ambientais causados pela indústria de envase, transporte e, por fim, pela grande quantidade de lixo produzida.
A lei é resultado de três anos de esforço de grupos ambientalistas da cidade. O principal argumento que eles usam é o fato de a água ser um direito universal, reconhecido pela ONU e garantido por lei, e que por isso não poderia ser comercializada.
No mundo todo, o envase de água mineral consome cerca de 714 milhões de barris de petróleo por ano. Só nos Estados Unidos, são 17 milhões de barris. É o equivalente ao consumo de 1.300 milhões de carros por ano. Segundo a campanha Ban the Bottle (ou Elimine a garrafa, em tradução livre), durante o ano de 2007, os norte americanos consumiram 50 bilhões de garrafinhas de água mineral. Apenas 23% disso foi reciclado.
“No momento em que temos que lidar com o aquecimento global, por que estamos importando água de outros países se temos água boa em nossas torneiras?” questiona Wenonah Hauter, diretora executiva da ONG Food and Water Watch, no filme Tapped, que trata dos impactos da mineração de água em aquíferos públicos por empresas privadas. (mais informações no site do filme: tappedthemovie.com)
O filme mostra que em estados como Califórnia, Maine e Colorado, a sociedade civil se organizou para combater a Pepsi, Cola Cola e Nestlé. As empresas estariam consumindo as reservas hídricas da região sem pagar nada por isso e sem consentimento da população. Para esses consumidores, o custo da água engarrafada é 900 vezes maior do que o seu custo ao sair da torneira.
A água em PETs ganhou espaço no mercado mundial no final dos anos 1970, quando passou a ser vendida como um produto saudável e prático. Hoje, no lugar de filtros, muitas casas têm galões e garrafas que custam mais e geram mais lixo. (Mais em entrevista com a ativista Maude Barlow, publicada em 2008)
NO RESTAURANTE
– O que vai beber, senhora?
– Água, por favor.
– Com gás ou sem gás?
– De torneira.
É assim que muitas vezes Letycia Janot faz seu pedido em restaurantes por São Paulo. Enquanto nos Estados Unidos há combate e, no Brasil, o consumo das PETs de água aumenta, a economista criou junto à administradora Maria Fernanda Franco a “Água na Jarra”. A iniciativa incentiva o consumo da água filtrada no lugar da versão engarrafada, diante de todos os impactos que o produto envolve. (Assista ao TEDx Vila Madá com Letycia)
Uma das principais atividades do projeto é convencer estabelecimentos, como hotéis e lanchonetes, a só oferecer aos clientes água filtrada em jarras. No site há um guia de todos os locais que já aderiram à proposta e quantas garrafas de água foram evitadas. O mais recente foi o restaurante Mocotó, em São Paulo.
Para aderir à iniciativa não há custos, mas é preciso submeter os funcionários a um rápido treinamento e provar que a água oferecida é de qualidade. A caixa d’água deve ser limpa com frequência e na cozinha haver um filtro com certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Alguns locais cobram bem menos para a água de jarra, já outros não cobram nada.
Letycia ressalta que em muitos países, como França e Austrália, é comum estabelecimentos comerciais servirem apenas a chamada tap water, mas no Brasil existe preconceito contra a água que vem da torneira, considerada suja. Assim, um projeto que tinha como foco diminuir o consumo do plástico descartável ganhou mais uma responsabilidade: a de educar a população sobre a água que consome e a que tem direito.
NA TORNEIRA
No Brasil toda água que sai da torneira deve ser potável porque vem de uma estação de tratamento que segue os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS) e é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “A população tem, por lei, o direito a receber água própria para consumo em casa”, diz Letycia. Outra informação pouco conhecida, que ela faz questão de disseminar, é que a água do estado de São Paulo é considerada por especialistas como uma das melhores do mundo.
O único problema na pureza da água brasileira é um costume quase exclusivo de nosso País: as caixas d’água. É preciso limpá-las a cada seis meses para garantir que o líquido que chega potável em nossa casa não perca a qualidade. Os filtros, no entanto, são suficientes para retirar as impurezas e o cloro residual.
Por que não beber a água de um restaurante se você come a comida cozida, o gelo, o café e o suco feitos com essa mesma água? É assim que Letycia argumenta quando há resistência em aceitar a bebida na jarra. “Nada se resolve se você compra a garrafa porque tem dinheiro e pronto. E a qualidade da água que se usa para cozinhar, lavar a louça e tomar banho? Não importa?”
Letycia considera válida a implementação da lei na cidade de Concord, mas que, em vez de impor regras, seria melhor que as ações viessem pela educação e consciência. E remete ao exemplo das sacolas plásticas que foram temporariamente banidas nos supermercados brasileiros (leia mais na reportagem “Os (ex)-sacoleiros”) “Duvido que alguém em São Paulo pense que nosso lixo não é um problema. Acontece o mesmo com os americanos. Mas na hora em que as instâncias políticas aplicam uma lei, as pessoas se sentem agredidas e ficam em uma postura defensiva e de contestação”, diz.
Enquanto isso, os moradores de Concord se dividem entre os que aprovam a lei e os que se sentem prejudicados. Mas na hora de matar a sede, todos podem se lembrar que de alguma forma contribuem para uma menor degradação da natureza.