Desmatamento, posição defensiva em relação ao clima e problemas trabalhistas revelam um País refém de velhos traumas e, por isso, fragilizado nas negociações internacionais
Por Amália Safatle
Estivesse o Brasil deitado não em berço esplêndido, como o condenou o Hino Nacional, mas em um divã, teria um rico material psicanalítico para refletir, rever conceitos e mudar comportamentos. Em sua história de vida, o País encontra-se em um momento especial, em que pode afirmar sua identidade como uma nação protagonista no cenário internacional. Só que para isso precisa superar antigos traumas.
Um bom psicanalista talvez diagnosticasse em corações e mentes brasileiros um complexo de inferioridade típico do Brasil Colônia, ou um sentimento de perseguição dos países desenvolvidos, ou talvez uma frustração muito grande por ser sempre o país do futuro, de um futuro que nunca chega.
Mas quem lança mão dessas análises não são os especialistas do divã, e sim estudiosos da economia, do comércio e das relações internacionais. O que faz todo o sentido: é nas relações comerciais que os países mostram sua personalidade, trocam suas experiências com o mundo exterior, exercem sua soberania, praticam a diplomacia e impõem seu jeito de ser.
Um desses estudiosos que emprestam a figura de linguagem psicanalítica é o embaixador Rubens Ricupero, que já secretariou a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), ocupou ministérios e hoje dirige a Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Ricupero elege o desmatamento da Amazônia como o mais crucial tema ambiental brasileiro, não só pelo fato em si, como também pela “culpa” que essa tragédia ambiental provoca.
“A política externa brasileira é refém dessa culpa, e é por causa dela que seu conteúdo é tão defensivo”, analisa. “Ela nos faz prisioneiros e anula outras vantagens que temos.”
Com 20% da biodiversidade do planeta, cerca de 15% da água doce e a maior experiência do mundo até agora com bioenergia, por meio do etanol, o País facilmente seria laureado com o título de “potência ambiental”, se o conceito existisse. Some-se a isso um vasto território, subsolos riquíssimos, uma fotossíntese imbatível, ventos, terras férteis e tudo o mais que os brasileiros já se acostumaram a ouvir. “O Brasil não é potência nuclear nem militar. Onde o Brasil é incontornável é na natureza. Isso nos teria dado um protagonismo mundial, não fosse o desmatamento, que funciona como uma espécie de vício que nos puxa para baixo, que nos faz perder o argumento”, diz Ricupero.
No jogo das negociações internacionais, esse é um dado cada vez mais estratégico. “As barreiras tarifárias, em tendência de queda, têm sido substituídas pelas não tarifárias”, afirma o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e consultor de negócios na Rubens Barbosa & Associados.
Isso significa que questões sociais e ambientais, relativas à forma como os produtos são feitos, podem servir para enfraquecer a posição brasileira e dar margem para reforçar o argumento de países desenvolvidos, de política protecionista. Embora pouco reconhecidas no âmbito do livre-comércio apregoado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), essas questões facilmente resvalam para moedas de troca, em situações nas quais dificilmente se pode identificar se os motivos refletem preocupações legítimas com a temática socioambiental ou são meramente usados como barreiras não tarifárias (leia Ensaio à página 56).
“Por um motivo ou outro, não cumprir com a agenda socioambiental faz com que o Brasil perca força comercial”, afirma José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Paranóia de soberania
“As salvaguardas socioambientais sempre terão esses dois componentes. Diante disso, o que o Brasil precisa fazer é ter uma atitude menos defensiva”, afirma Eduardo Viola, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
Em sua avaliação, o País padece de uma “paranóia de soberania” ao, por exemplo, ter uma visão estreita sobre a Amazônia, na medida em que a encara como um ônus e não como um ativo. Isso, segundo Viola, faz com que o Brasil, quando questionado sobre o desmatamento, busque a auto-afirmação, repetindo: “Eu tenho direito sobre a floresta”.
De fato, são freqüentes as argumentações do governo brasileiro para se cercar contra a assunção de metas de redução das emissões de gases de efeito estufa – das quais cerca de 75% são provocadas pela derrubada e queima das florestas e mudanças no uso do solo.
Em um recente encontro com jornalistas no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou o Brasil, recém-saído das fraldas, que ainda possui 69% de suas florestas, com a Europa milenar que as dizimou a quase zero – mas que hoje tem 36% de seu território reflorestado, como relata o jornalista Marcos Sá Corrêa. Sem contar o velho ditado, segundo o qual um erro não pode justificar outro – ainda mais quando há tempo para evitá-lo.
Ricupero lembra que o Brasil – assim como Indonésia e Malásia, outros grandes desmatadores de florestas tropicais – jogou contra a proposta de incluir a manutenção das florestas em pé como forma de gerar crédito de carbono. “Com isso, o Brasil anula ou diminui a posição de liderança no Grupo dos 77, quando poderia se tornar o grande líder na questão do aquecimento global”, afirma. O que lhe daria outro tipo de reconhecimento no cenário geopolítico.
Além disso, salienta Eduardo Viola, o Brasil é o país com maiores condições de reduzir suas emissões com as menores perdas econômicas. “Enquanto isso, Reino Unido, Alemanha, Suécia e Dinamarca destacam-se no jogo de forças mundial no momento em que assumem, em relação às mudanças climáticas, posições consistentes ao superar as metas do Protocolo de Kyoto”, afirma o professor.
Na avaliação de Ricupero, a postura brasileira em relação ao clima e ao meio ambiente tem evoluído, especialmente depois da Eco-92, mas sempre emperra no problema do desmatamento. E como resolvê-lo?
“Quando o presidente da República quer, os poderes são enormes”, afirma o embaixador. Mobilizam-se recursos, Exército, o que for. Aplica-se a lei e ponto. “A ministra Marina Silva tem feito o que pode, mas o que ela pode é muito pouco.” Para Ricupero, o País revive com a Amazônia antigos traumas. “Incapaz de se contrapor a interesses econômicos, e também sob a desculpa da soberania, o Brasil defendeu o tráfico de escravos até o fim, foi o último país a abolir a escravidão. Só que o patriotismo, como dizia Samuel Johnson, escritor inglês do século XVIII, é o último refúgio dos canalhas.”
Trauma de infância
Com a febre dos biocombustíveis e sua crescente demanda no comércio internacional, reacendeu-se a polêmica sobre a ampliação da monocultura no Brasil, e o temor de o País estar fadado a uma economia baseada em produtos de baixo valor agregado.
De José Bonifácio aos dias de hoje, a produção de cana-de-açúcar é vista com ressalvas. Com o pau-brasil e os escravos, foi um dos principais itens da pauta comercial brasileira no século XVI e ainda continua alvo de denúncias nos campos da justiça trabalhista e dos direitos humanos. Recentemente, diante da declaração feita por Lula de que a imagem dos usineiros, em dez anos, passou da de bandidos para a de heróis nacionais e mundiais em função do etanol, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) reagiu. Declarou à imprensa que são crescentes os casos de trabalhadores em condições análogas à escravidão em canaviais de São Paulo e do Paraná, e que, se o etanol brasileiro é competitivo, isso se deve também à miséria paga aos trabalhadores.
Recentemente, diante da declaração feita por Lula de que a imagem dos usineiros, em dez anos, passou da de bandidos para a de heróis nacionais e mundiais em função do etanol, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) reagiu. Declarou à imprensa que são crescentes os casos de trabalhadores em condições análogas à escravidão em canaviais de São Paulo e do Paraná, e que, se o etanol brasileiro é competitivo, isso se deve também à miséria paga aos trabalhadores.
“O Brasil foi criado para ser um fornecedor de commodities. O próprio nome do país deriva disso”, afirma Carlos Eduardo Frickmann Young, professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Por que devemos acreditar que desta vez expandir a exportação de commodities vai trazer o desenvolvimento sustentável, se sua característica é sofrer concorrência por faixa de preço e ser produzida ao custo mais baixo, fazendo o mínimo possível para o trabalhador e para o meio ambiente?”, questiona Young.
Mario Mugnaini Jr., secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, explica por que o governo considera vantajoso transformar o etanol em uma commodity e também incentivar que outros países a produzam. “Transformado em commodity, passa a ter preços formados internacionalmente, o que dá mais segurança em relação à oferta. É perigoso só o Brasil produzi-lo e ficar sujeito a contratos de fornecimento que não poderia honrar.”
Na avaliação de Carlos Eduardo Young, o acordo sobre o etanol entre o presidente americano George Bush e Lula no início de março na prática serviu para os dois governos se justificarem perante a opinião pública, um porque cresce abaixo da média mundial e o outro porque sofre com a queda de popularidade, depois de campanhas desastrosas no Oriente Médio.
Mas, na avaliação de Young, não será a exportação de commodities – e o etanol soma-se a esse rol – que dará crescimento econômico ao país, e sim produtos agrícolas e industriais de alto valor agregado e tecnologia de ponta.
Quem mergulha de cabeça nesse tema é Marcos Sawaya Jank, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Em artigo publicado em O Estado de S. Paulo, Jank ataca o que chama de “mito da monocultura”, segundo o qual o novo ciclo da cana-de-açúcar levaria a sociedade brasileira de volta ao tempo das Capitanias Hereditárias. Afirma que historicamente o Brasil substituiu as antigas monoculturas trabalho-intensivas por um sistema diversificado de alimentos, rações, fibras e agroenergia. E que há cada vez menos monoculturas, e não mais.
Jank ataca também o que chama de mito do “Brasil fazendão”, ao considerar estapafúrdia a tese de economistas e ex-ministros de que a expansão das commodities – agrícolas, minerais e agora agroenergéticas – produziria a desindustrialização, e que o País trocaria seu futuro industrial e de serviços pela dependência de commodities de baixa tecnologia. Segundo ele, 70% do agronegócio nacional é composto de indústrias e serviços correlatos à agricultura, enquanto o Brasil é líder mundial em tecnologia agropecuária.
“É curioso esse esporte nacional de malhar tudo o que está dando certo. Nossos ídolos são artistas ou jogadores de futebol, raramente empresários e nunca governantes. Se algo está dando certo, ou tem malandragem ou não é tão bom assim”, escreve Jank, arriscando mais uma análise sobre a alma brasileira.
Mugnaini, da Camex, reforça a crítica de Jank contra o mito do “Brasil fazendão”: “O Brasil não é um simples exportador de commodities: 55% de sua pauta é formada por manufaturados e semimanufaturados. O maior item é o de material de transporte, o que inclui automóveis, caminhões, tratores, máquinas agrícolas e até aviões”, diz.
O secretário ainda afirma que, apesar de ser uma commodity industrial, o aço, outro importante item da pauta brasileira, não é tão banal assim: “É estratégico, a China depende muito dele”. E que é preciso cuidado com a crítica às commodities agrícolas. “Os EUA são a maior potência econômica e os maiores exportadores agrícolas do mundo.” Além disso, pondera o secretário, o etanol da cana brasileira tem muita biotecnologia aplicada e importantes pesquisas têm sido feitas no campo do etanol celulósico.
Centro-periferia
Contudo, o gráfico “Do pau-brasil aos aviões” mostra que ano após ano cerca 70% das exportações brasileiras mantêm-se concentradas em produtos de média-baixa tecnologia, de baixa tecnologia e não industriais, conforme classificação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Tal cenário reforça as previsões apresentadas na abordagem centro-periferia, na qual o economista argentino Raúl Prebisch, ao lado de Celso Furtado na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), questionava o sucesso do desenvolvimento de uma América Latina (periferia) condenada a ser mera exportadora de bens primários para os países industrializados (centro).
Se o conceito de desenvolvimento for ligado à expansão das liberdades, como sustenta o prêmio Nobel Amartya Sen, o Brasil tem muito a caminhar. Segundo Eduardo Viola, o comércio é um jogo de cooperação e conflito entre países e agentes econômicos nacionais e transnacionais. O Brasil exporta menos do que ele – e os demandantes de seus produtos – quer e mais do que os competidores desejam.
Isso, em tese, vale para qualquer país. Mas uma declaração do representante de um dos maiores setores exportadores—o de soja—mostra que o mesmo país que bate o pé ao defender sua soberania abaixa a cabeça diante das demandas comerciais mundiais:
“Se eu pudesse, diminuiria a exportação de commodities primárias e a substituiria por produtos agrícolas com maior valor agregado. A questão é que o Brasil precisa seguir a agenda do comércio internacional”, afirma Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag).
Lovatelli diz que preferiria diminuir a venda de soja em grão para a China e usá-la para fazer biodiesel – o problema é que o biodiesel ainda não é competitivo sem subsídios do governo. “E não estamos ainda na hora de receber grandes subsídios, senão perderemos nosso poder de argumentação na OMC”, afirma.
Nas negociações multilaterais, o embate é quase sempre dual: países desenvolvidos, que protegem seus produtores com vantajosos subsídios e barreiras, versus países em desenvolvimento, sem apoio do governo e para os quais o comércio livre seria, em tese, oportunidade de gerar renda e reduzir as desigualdades. Mas o que se viu em Seattle, nos EUA, em 1999, foi uma mostra de quão duvidosa é essa tese. Intensas manifestações da sociedade civil, que chegaram a suspender a realização da terceira conferência ministerial da OMC, questionaram a fundo o papel do comércio internacional e da globalização como instrumento de enriquecimento dos países mais ricos.
Comportamento dúbio
A esse antagonismo “centro-periferia” some-se outro, de caráter socioambiental: a disputa para decidir quem arca com os prejuízos da exploração dos recursos naturais, energéticos e humanos e da deposição de resíduos poluentes – as chamadas externalidades, que países em desenvolvimento assumem enquanto países desenvolvidos produzem em seus territórios mercadorias menos intensiva em recursos naturais e energéticos e de maior valor agregado.
Nesse ponto, o governo brasileiro mostra um comportamento dúbio. Ao mesmo tempo que aceita sofrer as externalidades sem cobrar a mais por isso, briga para não receber pneus usados da Europa – e perde a causa pelo fato de ter aceitado a importação de pneus do Uruguai dentro de acordos no Mercosul, o que enfraqueceu sua argumentação, e também devido ao grande número de liminares concedidas pelo próprio Judiciário brasileiro aos importadores.
“O Brasil deveria agir de modo mais coerente em termos ambientais”, defende Ricardo Rose, diretor do departamento de meio ambiente da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha.
Não bastasse arcar com os impactos socioambientais na relação comercial com o mundo desenvolvido, o Brasil assume externalidades também com a China. Segundo José Augusto de Castro, da AEB, a China terceiriza o problema do uso intensivo de água e sua contaminação pela produção agrícola ao importar a soja brasileira. “A China não tem mais área agricultável e perde por ano cerca de 300 mil hectares, pois o que era campo está se transformando em áreas urbanas com o aumento vegetativo da população.”
Além disso, diz Castro, pensando em seu futuro, a China tem buscado comprar terras nas regiões do Mato Grosso e do Pará para produção de alimentos, daí seu interesse em investir na expansão da Ferrovia Norte-Sul. E estaria fazendo o mesmo na África, ao investir na infra-estrutura local. “Trata-se de uma nova forma de colonização”, resume.
E por um colonizador que domina muito bem a cartilha do comércio, atividade que pratica há milhares de anos. “Lembrem-se das sementes cor-de-rosa embargadas pela China em 2004 (em que grãos de soja brasileira com fungicida foram rejeitados nos portos chineses, ação considerada na época uma manobra para reduzir estoques e elevar o preço). Percebemos que barreiras sanitárias, políticas e ambientais serão cada vez maiores. Isso já virou massa de manobra. Por isso resolvemos nos precaver, de forma proativa”, diz Lovatelli, da Abiove.
Em julho de 2006, a entidade anunciou a interrupção da compra da soja de áreas desmatadas do bioma amazônico. Lovatelli frisa a palavra bioma porque a Amazônia Legal engloba áreas de Cerrado, bioma não contemplado na moratória.
“O que precisa haver é certificação”, afirma José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Ele argumenta que uma produção eventualmente feita de forma correta sob critérios socioambientais pode ser penalizada por estar acima da linha de corte definida pela Abiove, enquanto produtores abaixo da linha que não têm essa preocupação conseguem mercado.
De qualquer forma, a iniciativa é um passo que evidencia a crescente influência da questão socioambiental nas práticas de produção, ainda que a OMC passe ao largo dessa preocupação.
“O mercado é que tem arrumado isso”, diz Mugnaini. Segundo ele, estão sendo criadas disciplinas e especificações sobre produtos agrícolas nas legislações dos EUA e de países da União Européia, que exigem traçabilidade, segundo a qual é possível rastrear, por exemplo, quais tipos de fertilizante e agrotóxico foram usados em determinado produto agrícola, e que alimentação e medicação foram ministradas em cada animal.
Leontino Balbo Jr., diretor da Usina São Francisco, maior exportadora de açúcar orgânico do mundo por meio da marca Native, afirma que nas décadas de 1980 e 1990 a população européia começou a ficar com medo dos alimentos. E o que antes era um desejo de pequenas empresas de se diferenciar em nichos por meio de produtos orgânicos transformou-se em estratégia de sustentabilidade para as grandes companhias. “Entramos na era da alta industrialização dos orgânicos”, diz Balbo, que tem hoje como maior cliente a Danone, além de Kraft Foods, British Sugar, Oetker, General Mills, Sumitomo e Natura, entre outros.
A Native, um dos casos estudados na dissertação de mestrado defendida por André Pereira de Carvalho na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, intitulada Rótulos ambientais orgânicos como ferramenta de acesso a mercados de países desenvolvidos, exporta mais de 90% de sua produção de açúcar orgânico, tendo Estados Unidos, União Européia, Canadá e Japão como destinos de cerca de 96% deste comércio, locais onde a produção local é altamente subsidiada.
Mas, enquanto produtos brasileiros orgânicos e certificados crescem e aparecem, o País novamente apresenta um comportamento dúbio ao não apresentar regras claras sobre rotulagem de produtos geneticamente modificados. Segundo Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace, os casos de salvaguardas levadas à OMC contra o Brasil referem-se a transgênicos, resíduos de pesticidas e trabalho escravo.
“A falta de governança no País é que gera a necessidade de certificação. O governo brasileiro não gosta de certificação porque isso põe em questionamento a sua capacidade de administração”, diz Furtado.
Santa ingenuidade
Uma posição que o Brasil assumiu claramente é a de ser contrário à aplicação de cláusulas socioambientais. “Embora tenham intenções nobres, serão consideradas barreiras comerciais. Interesses econômicos estão usando a boa-fé dos lobbies ambientalistas e as organizações não governamentais não percebem que estão sendo usadas”, diz Rubens Barbosa.
Barbosa exemplifica que há crianças trabalhando na colheita da laranja no Nordeste, mas não da laranja voltada à exportação, feita em São Paulo, sem mão-de-obra infantil. Mesmo assim, sofre retaliação ao exportar a laranja de São Paulo.
Essa retaliação não deveria servir para o País corrigir um problema social, independente de ocorrer em São Paulo ou no Nordeste? Para Barbosa, o problema deve ser corrigido, e o governo tem atuado nesse sentido. Mas isso não pode ser misturado ao jogo comercial.
Segundo Mugnaini, o governo propositadamente evita interligar questões comerciais, ambientais e sociais. “As trabalhistas devem ser tratadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, as ambientais, nos seus diversos fóruns, e as comerciais, na OMC. Se misturarmos o tema comercial com o ambiental e o social, vai se criar uma arma muito forte de barreiras contra o Brasil. Um piquete em uma única fábrica, por exemplo, poderia ser generalizado e barrar acordos internacionais”, argumenta.
A mesma falta de interligação entre os temas parece permear a forma como o Brasil tem tratado seu mais novo trunfo comercial. Antes disso, parece haver também uma falta de planejamento.
“O Brasil está muito empolgado, mas fato é que não existe uma política brasileira do etanol”, diz Castro, da AEB, para quem há risco de uma superprodução. Segundo ele, a exportação brasileira de álcool saltou de US$ 77 milhões para US$ 882 milhões em apenas um ano, de 2005 para 2006.
“Se o mundo voltar os olhos para outra tecnologia energética, o que o Brasil vai fazer com tanta cana? O mesmo que fez com o café na década de 30, quando precisou queimá-lo?”, questiona Ricardo Rose, da Câmara Brasil-Alemanha. Segundo ele, a janela de oportunidade da bioenergia no Brasil com a cana deve durar 10 a 15 anos. “É um ciclo que possivelmente será substituído pela célula a hidrogênio.”
Eli da Veiga, da USP, não pensa muito diferente. “Antonio Ermírio de Moraes, um empresário de visão, diz que o etanol é o combustível do futuro. Mas temo que esse ciclo dure apenas 20 ou 30 anos, até a revolução do hidrogênio”, afirma.
Se os especialistas estiverem certos, cabe aos brasileiros levantar do esplêndido berço que a natureza lhes deu e caminhar para além dos canaviais.