Com o Fundo Amazônia, o Brasil espera obter recursos para reduzir as emissões do desmatamento em grande escala. Sem gerar créditos de carbono, o mecanismo evita que outros países usem o esforço nacional para continuar emitindo, diz o diretor do Serviço Florestal, Tasso Azevedo.
Por Amália Safatle e Carolina Derivi
O governo anunciou a criação de um fundo para reduzir as emissões do desmatamento. Como vai funcionar?
A idéia é criar um mecanismo com o qual se possa transformar a redução que já houve no desmatamento em incentivo para continuar. É diferente de todas as outras iniciativas nessa área no mundo, que são baseadas em projetos. Faço um projeto e prometo que não vou desmatar a área do parque, que vou ficar lá 20 anos. Achamos que é uma estratégia que não resolve.
Por quê?
Um exemplo: em Rondônia ou em Mato Grosso, onde o desmatamento corre solto, eu pego áreas indígenas sem desmatamento, e digo: “Aqui não vai ter desmatamento”. Arrumo o dinheiro para manter a área e em volta está tudo sendo detonado. Um país não pode propor isso. É o equivalente a dizer, a cada vez que se descobre uma reserva de petróleo, que não vai ser explorada. Vocês me paguem porque não vou explorar, não vou emitir. Não funciona, porque não trata das emissões que estão acontecendo. Estamos propondo um mecanismo novo, que diz: “Temos a média de desmatamento dos últimos dez anos. Reduzimos o desmatamento em relação a essa média?” Efetivamente, em relação à média, nós reduzimos as emissões. Para fazer isso, depende do raciocínio de que importa menos a precisão e mais a segurança. Como a literatura fala em 120 a 350 toneladas de carbono (estocadas) por hectare na Amazônia, usamos 100. Não precisa medir, porque se sabe que em qualquer lugar da Amazônia tem pelo menos 100. E qualquer redução seguramente foi muito maior do que o que estou projetando. Vamos buscar recursos para o fundo com base na redução que acabou de acontecer.
Gera crédito de carbono para quem faz a doação?
Não gera crédito de carbono, nenhum uso para quem faz a doação. A única coisa que vai poder dizer é que contribuiu para o esforço de redução, mas não tem mecanismo de crédito nem hoje nem para o futuro.
Por quê?
“Crédito” significa que alguém vai se achar no direito de continuar emitindo, porque está reduzindo o efeito. Não faz sentido, mesmo porque a quantidade é gigantesca – no primeiro ano do fundo, são 200 milhões de toneladas de carbono. É o dobro do mercado voluntário no mundo. Não é mais a escala de projetinho, plantar árvore aqui e desmatar ali. Ao gerar créditos, cria-se a oportunidade para que as emissões continuem aumentando no mundo.
O problema é bastante simples: se nosso esforço de redução das emissões for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque ela seca. E perdemos a agricultura no Sul do Brasil. É uma conta estúpida para o Brasil. Não interessa que a redução seja apropriada na forma de crédito por outros países, porque isso gera um risco futuro. Para nós, a hipótese pior é: “Ninguém quer ajudar, vamos ter de fazer sozinhos”. Propusemos isso três anos atrás como exercício teórico, e depois, em Bali, transformamos em proposta para mostrar que dá para fazer. Primeiro: tratar da Amazônia como um todo. Em alguns lugares, o desmatamento vai aumentar, em outros, vaicair, mas o que importa é poder dizer que, no conjunto, caiu. Posso afirmar que em 2006 – em relação à média dos últimos dez anos – reduzimos 200 milhões de toneladas de CO2, no mínimo. Não posso dizer quem foi o responsável, diminuiu aqui ou ali. Ninguém consegue provar isso, teria que provar que é odiado, dizer: “Vou desmatar, mas se tem incentivo, então não vou desmatar”. Porque, se não fosse desmatar mesmo, não mereceria o incentivo. É assim que funciona o mecanismo: um indígena lá na Cabeça do Cachorro, que não desmata, em tese, não é um risco, portanto não deve receber. O cara que planta soja em Mato Grosso, e desmata, é alto risco. Então a conta é: eu deveria pagar a ele o equivalente ao que ganha com a soja? É um raciocínio demente, premia quem demonstra que é do mal. O raciocínio que estamos fazendo é: o que importa é a conta para o conjunto, para que se possa ter recursos e aplicar da forma mais eficiente para continuar a redução.
Como se prova que se evitou desmatamento?
O desmatamento foi tal na média. Se desmatei menos, diminuí a emissão. “Desmatamento evitado” não existe, é impossível provar. Agora, “emissões evitadas” eu posso dizer. “Emiti tanto, deixei de emitir tanto”. Vamos solicitar doações só quando tivermos redução. Se emitir mais do que a média, no ano seguinte tem que descontar. São duas frentes: a primeira é demonstrar os resultados e aí obter o apoio; a segunda é mostrar que a escala do problema é muito maior do que o que se pensa. O Banco Mundial, no seu programa de redução de carbono, está procurando US$ 400 milhões. O Brasil, sozinho, vai investir US$ 500 milhões em quatro anos. Precisamos de mais US$ 1 bilhão por ano, mas não de intermediários. Os recursos só precisam passar pelo Banco Mundial quando você precisa fazer projetinho, apresentar, para ele poder dizer: “Acho que você vaicumprir o projeto, eu monitoro, 7% de caixa de administração, consulto uns órgãos internacionais.” Não precisa disso.
Como vão ser geridos os recursos?
O BNDES tem várias linhas não-reembolsáveis, esta é uma delas. Os recursos vão para o BNDES e serão geridos por meio de um comitê que inclui os estados da Amazônia, o governo federal e a sociedade civil – empresas, ONGs, movimentos sociais, academia -, 25 pessoas. O comitê gestor define a forma melhor de reduzir o desmatamento, por exemplo, pagando por serviços ambientais, contribuindo com o endownment do Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia). O banco seleciona os projetos com base nas diretrizes do comitê. Vão existir outras duas estruturas, uma auditoria independente para garantir que os recursos sejam aplicados nas oito linhas definidas, com relatórios públicos; e um comitê científico, que todo ano avalia o número definido de redução das emissões, que é a taxa de desmatamento x 1 tonelada de carbono. Os dados serão checados por um painel de seis cientistas – estrangeiros e brasileiros. A idéia é dar credibilidade aos números.
Como a metodologia é vista pelos possíveis contribuidores?
Há quem defenda que os países em desenvolvimento assumam metas de redução, e o que se propõe é trabalhar com a média de dez anos… Ninguém questionou. Na verdade, estamos propondo a coisa mais agressiva. Com metas, os países se propõem a reduzir 5%, 12%, 20% das emissões em 50 anos. Estamos falando de uma redução de desmatamento, nos últimos três anos, de 60%. Mesmo este ano, com crescimento, se comparado à média, é uma redução de 30%. Se fôssemos usar metas como as dos países industrializados, poderiam ser muito bem comunicadas, mas ridículas ma prática. Propusemos uma coisa mais agressiva: tira a média de dez anos e usa por cinco anos, e aí revisa. A primeira média vai de 1996 a 2005, quando se aprovou a idéia do mecanismo em Montreal, e ficou em 1,95 milhão de hectares. Quanto menos desmatamento, mais recurso vai para o fundo. Ao fazer isso, puxamos a média para baixo. Daqui a alguns anos, talvez a média seja 12 mil quilômetros quadrados, e, para ter recursos, temos que baixar muito mais o desmatamento. Dentro de 15 a 20 anos o fundo perderia a razão de ser, porque a média ficaria muito baixa. Não é a meta que define como você chega lá, mas o instrumento de incentivo.
Quando será lançado o fundo? Quem participa?
Até setembro, no máximo. A Noruega vai entrar. No primeiro ano, vamos buscar US$ 1 bilhão, ou 200 milhões de toneladas. A cada tonelada, buscamos contribuição de US$ 5. Se não conseguirmos US$ 1 bilhão, não precisa discutir incentivo nem meta, porque não existe o recurso. Se a condição for “só vai ter recurso se tiver crédito (de carbono)”, então ninguém é honesto com suas intenções, porque a Convenção do Clima prevê metas para os países desenvolvidos e compromissos voluntários para os em desenvolvimento.
Se os desenvolvidos só aceitam com crédito, não aceitam o que está na Convenção. Sem sinais claros de que vai ter incentivo, jamais haverá compromisso dos países em desenvolvimento, porque é óbvio que vamos arcar com os custos sozinhos e com o risco de perder nossos ativos porque os outros não diminuíram as emissões. Nossa iniciativa tem um cunho político. Não estamos dizendo: “Dê-me 1 bilhão para reduzir no futuro”. Mas sim: “Estamos fazendo a lição de casa. Cadê os incentivos para continuar? Ajude a dividir os custos”. Enquanto a França deu 10 milhões para o fundo do Banco Mundial, a Alemanha deu 5 milhões aqui, 15 ali, a Noruega disse: “Vamos destinar US$ 600 milhões por ano”. Eles não querem crédito, pela regra deles não pode. Além de alcançar as metas internas, eles se sentem responsáveis pelo petróleo que exportam, portanto, parcialmente responsáveis pelas emissões de outros países. O dinheiro sai do fundo do petróleo exportado.
Quais são os outros países que têm interesse?
Virou uma situação vexatória. Como falar em 5 milhões para o fundo do Banco Mundial, quando o potencial receptor está, ele mesmo, investindo US$ 500 milhões e outros países colocando US$ 100 milhões? Hoje ninguém fala de menos de 100 milhões. A Alemanha anunciou 500 milhões; o Japão, 2,5 bilhões, para iniciar; o Reino Unido, 2,5 bilhões; a Austrália, 600 milhões. Mudou o patamar. Colocamos o seguinte mecanismo dentro do fundo: podemos usar até 20% para apoiar outros países tropicais a reduzir suas emissões de desmatamento. Além de fazer a lição de casa, vamos transferir tecnologia, sistema de mapeamento.
Sem doação, o Brasil não tem condições de combater o desmatamento?
Já estamos combatendo o desmatamento.
Então, por que precisa do incentivo?
Porque tem um custo altíssimo para fazer.
Não temos dinheiro para isso?
Não é questão de ter dinheiro ou não. O Brasil não tem a obrigação, mas o esforço gera benefício para a comunidade internacional. A Convenção prevê que a comunidade deve apoiar e incentivar. O Brasil tem renda per capita e uma economia proporcionalmente muito menores que outros países, que se beneficiaram de emissões que fizeram no passado. O Brasil está fazendo soberanamente, mas não é suficiente, precisa de muito mais. Proteger a floresta com as pessoas que estão lá custa caro, é preciso garantir que elas possam viver com a floresta em pé. Para subsidiar isso, o recurso vai sair de setores que competem com os outros países. Significa que o Brasil assume isso em todos os seus setores e incorre em um custo muito maior do que os outros países. É importante que a gente divida a conta.
Quem são outros parceiros?
Cabe a eles dizer publicamente. Estamos discutindo com várias empresas, conglomerados nacionais e internacionais. Você pega uma empresa de aviação… é tudo marginal agora, questão do motor ser mais ou menos eficiente. Se alguém quer contribuir, pensa: “Preciso ajudar alguém a reduzir muito as emissões para eu ganhar tempo e fazer a transição no futuro”. Tem que trabalhar em escala grande: 20, 30 milhões de toneladas por ano. Esse projeto é uma das poucas coisas – talvez a única – que tem escala e não é promessa, está acontecendo hoje.
Para as empresas também não envolve crédito de carbono?
Nada de crédito. Parte das empresas acredita que é sua contribuição ao mundo, vai garantir que no futuro tenham mercado. Quando aboliram a escravatura, havia os que diziam: “Os assalariados são o futuro dos nossos produtos”. É o mesmo com empresas que acreditam que, se houver uma tragédia climática global, vai resultar em catástrofe econômica e quebra todo mundo. Então, envolver-se para que não haja catástrofe é importante.
Como o fundo pode ser de longo prazo, se o governo muda daqui a dois anos?
Vai ser criado institucionalmente, dentro do BNDES, e se perpetuar como o Fundo Nacional do Meio Ambiente. Não é uma coisa para este governo, é um instrumento. Tem prazo, regulamentação, um conselho gestor. O que se sabe é que o fundo tem fim. Se atingirmos o objetivo, ele acaba. Ele deve arrecadar, ao longo de 15, 20 anos, em torno de US$ 20 bilhões. Os investimentos vão ser de dois tipos. Um, são os estruturantes, que geram ações de longo prazo – como o de contribuir para o endownment do Arpa, daqui a 50 anos o dinheiro vai estar lá e gerando frutos. Pode-se gerar um endownment de monitoramento. E outros vão ser de uso corrente, por exemplo, apoio às ações no campo, movimentações de helicóptero, aeronaves que precisamos para atuar.
Basicamente no bioma amazônico? Ou a cobertura é maior?
Nos cinco primeiros anos é referente à Amazônia, depois será transferido para todo o Brasil. Não vamos fazer no Brasil inteiro agora porque não temos instrumentos suficientes de monitoramento da cobertura florestal no Cerrado e na Caatinga.
Inclui degradação?
Se você quiser parar toda a discussão, é só trabalhar a degradação. Uma coisa é falar que o desmatamento é 01, é binário. Boto um valor, consigo trabalhar. Para trabalhar a degradação, tenho de inventar um método de calcular. Tem floresta que é degradada, não é desmatada, mas como a degradação é, em geral, parte do processo de desmatamento, quando conto o desmatamento, foi a degradação junto.
O Serviço Florestal participa do projeto do Amazonas?
É o oposto do que estamos propondo. O Amazonas quer pagar pela floresta inteira, o que é absolutamente justo, estamos bolando um sistema para fazer isso em nível federal. Mas não tem nada a ver com carbono. Decidiu que vai pagar xis reais por mês a quem mantém a floresta em pé. Tem um programa, o Bolsa Floresta.
Ele pegou um recurso, alocou em um fundo e, para captar outros, diz: “Estou protegendo a floresta, se tiver mecanismo para pagar pela conservação da floresta, estoque de carbono, quero receber”. Não garante que vai reduzir emissões. É pagamento por serviços ambientais. Outra coisa é o processo com a rede de hotéis Marriott, que vai dar US$ 2 milhões para eles dizerem que vão conservar. Não tem nada de carbono, mas não deixa de ser importante. Um dia, quando o desmatamento terminar, vou ter 300, 400 milhões de hectares de floresta para cuidar, vou ter que criar mecanismos para permitir, a longo prazo, ter a floresta em pé como algo valioso, que gera produtos. É o que é preciso para a Costa Rica, que já estabilizou a perda de florestas, talvez para a Índia. Queremos que eles conservem a biodiversidade, a água, todos os serviços. Se quisermos dar valor a isso, é preciso pagar.
Com o Fundo Amazônia, o Brasil espera obter recursos para reduzir as emissões do desmatamento em grande escala. Sem gerar créditos de carbono, o mecanismo evita que outros países usem o esforço nacional para continuar emitindo, diz o diretor do Serviço Florestal, Tasso Azevedo.
Por Amália Safatle e Carolina Derivi
O governo anunciou a criação de um fundo para reduzir as emissões do desmatamento. Como vai funcionar?
A idéia é criar um mecanismo com o qual se possa transformar a redução que já houve no desmatamento em incentivo para continuar. É diferente de todas as outras iniciativas nessa área no mundo, que são baseadas em projetos. Faço um projeto e prometo que não vou desmatar a área do parque, que vou ficar lá 20 anos. Achamos que é uma estratégia que não resolve.
Por quê?
Um exemplo: em Rondônia ou em Mato Grosso, onde o desmatamento corre solto, eu pego áreas indígenas sem desmatamento, e digo: “Aqui não vai ter desmatamento”. Arrumo o dinheiro para manter a área e em volta está tudo sendo detonado. Um país não pode propor isso. É o equivalente a dizer, a cada vez que se descobre uma reserva de petróleo, que não vai ser explorada. Vocês me paguem porque não vou explorar, não vou emitir. Não funciona, porque não trata das emissões que estão acontecendo. Estamos propondo um mecanismo novo, que diz: “Temos a média de desmatamento dos últimos dez anos. Reduzimos o desmatamento em relação a essa média?” Efetivamente, em relação à média, nós reduzimos as emissões. Para fazer isso, depende do raciocínio de que importa menos a precisão e mais a segurança. Como a literatura fala em 120 a 350 toneladas de carbono (estocadas) por hectare na Amazônia, usamos 100. Não precisa medir, porque se sabe que em qualquer lugar da Amazônia tem pelo menos 100. E qualquer redução seguramente foi muito maior do que o que estou projetando. Vamos buscar recursos para o fundo com base na redução que acabou de acontecer.
Gera crédito de carbono para quem faz a doação?
Não gera crédito de carbono, nenhum uso para quem faz a doação. A única coisa que vai poder dizer é que contribuiu para o esforço de redução, mas não tem mecanismo de crédito nem hoje nem para o futuro.
Por quê?
“Crédito” significa que alguém vai se achar no direito de continuar emitindo, porque está reduzindo o efeito. Não faz sentido, mesmo porque a quantidade é gigantesca – no primeiro ano do fundo, são 200 milhões de toneladas de carbono. É o dobro do mercado voluntário no mundo. Não é mais a escala de projetinho, plantar árvore aqui e desmatar ali. Ao gerar créditos, cria-se a oportunidade para que as emissões continuem aumentando no mundo.
O problema é bastante simples: se nosso esforço de redução das emissões for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque ela seca. E perdemos a agricultura no Sul do Brasil. É uma conta estúpida para o Brasil. Não interessa que a redução seja apropriada na forma de crédito por outros países, porque isso gera um risco futuro. Para nós, a hipótese pior é: “Ninguém quer ajudar, vamos ter de fazer sozinhos”. Propusemos isso três anos atrás como exercício teórico, e depois, em Bali, transformamos em proposta para mostrar que dá para fazer. Primeiro: tratar da Amazônia como um todo. Em alguns lugares, o desmatamento vai aumentar, em outros, vaicair, mas o que importa é poder dizer que, no conjunto, caiu. Posso afirmar que em 2006 – em relação à média dos últimos dez anos – reduzimos 200 milhões de toneladas de CO2, no mínimo. Não posso dizer quem foi o responsável, diminuiu aqui ou ali. Ninguém consegue provar isso, teria que provar que é odiado, dizer: “Vou desmatar, mas se tem incentivo, então não vou desmatar”. Porque, se não fosse desmatar mesmo, não mereceria o incentivo. É assim que funciona o mecanismo: um indígena lá na Cabeça do Cachorro, que não desmata, em tese, não é um risco, portanto não deve receber. O cara que planta soja em Mato Grosso, e desmata, é alto risco. Então a conta é: eu deveria pagar a ele o equivalente ao que ganha com a soja? É um raciocínio demente, premia quem demonstra que é do mal. O raciocínio que estamos fazendo é: o que importa é a conta para o conjunto, para que se possa ter recursos e aplicar da forma mais eficiente para continuar a redução.
Como se prova que se evitou desmatamento?
O desmatamento foi tal na média. Se desmatei menos, diminuí a emissão. “Desmatamento evitado” não existe, é impossível provar. Agora, “emissões evitadas” eu posso dizer. “Emiti tanto, deixei de emitir tanto”. Vamos solicitar doações só quando tivermos redução. Se emitir mais do que a média, no ano seguinte tem que descontar. São duas frentes: a primeira é demonstrar os resultados e aí obter o apoio; a segunda é mostrar que a escala do problema é muito maior do que o que se pensa. O Banco Mundial, no seu programa de redução de carbono, está procurando US$ 400 milhões. O Brasil, sozinho, vai investir US$ 500 milhões em quatro anos. Precisamos de mais US$ 1 bilhão por ano, mas não de intermediários. Os recursos só precisam passar pelo Banco Mundial quando você precisa fazer projetinho, apresentar, para ele poder dizer: “Acho que você vaicumprir o projeto, eu monitoro, 7% de caixa de administração, consulto uns órgãos internacionais.” Não precisa disso.
Como vão ser geridos os recursos?
O BNDES tem várias linhas não-reembolsáveis, esta é uma delas. Os recursos vão para o BNDES e serão geridos por meio de um comitê que inclui os estados da Amazônia, o governo federal e a sociedade civil – empresas, ONGs, movimentos sociais, academia -, 25 pessoas. O comitê gestor define a forma melhor de reduzir o desmatamento, por exemplo, pagando por serviços ambientais, contribuindo com o endownment do Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia). O banco seleciona os projetos com base nas diretrizes do comitê. Vão existir outras duas estruturas, uma auditoria independente para garantir que os recursos sejam aplicados nas oito linhas definidas, com relatórios públicos; e um comitê científico, que todo ano avalia o número definido de redução das emissões, que é a taxa de desmatamento x 1 tonelada de carbono. Os dados serão checados por um painel de seis cientistas – estrangeiros e brasileiros. A idéia é dar credibilidade aos números.
Como a metodologia é vista pelos possíveis contribuidores?
Há quem defenda que os países em desenvolvimento assumam metas de redução, e o que se propõe é trabalhar com a média de dez anos… Ninguém questionou. Na verdade, estamos propondo a coisa mais agressiva. Com metas, os países se propõem a reduzir 5%, 12%, 20% das emissões em 50 anos. Estamos falando de uma redução de desmatamento, nos últimos três anos, de 60%. Mesmo este ano, com crescimento, se comparado à média, é uma redução de 30%. Se fôssemos usar metas como as dos países industrializados, poderiam ser muito bem comunicadas, mas ridículas ma prática. Propusemos uma coisa mais agressiva: tira a média de dez anos e usa por cinco anos, e aí revisa. A primeira média vai de 1996 a 2005, quando se aprovou a idéia do mecanismo em Montreal, e ficou em 1,95 milhão de hectares. Quanto menos desmatamento, mais recurso vai para o fundo. Ao fazer isso, puxamos a média para baixo. Daqui a alguns anos, talvez a média seja 12 mil quilômetros quadrados, e, para ter recursos, temos que baixar muito mais o desmatamento. Dentro de 15 a 20 anos o fundo perderia a razão de ser, porque a média ficaria muito baixa. Não é a meta que define como você chega lá, mas o instrumento de incentivo.
Quando será lançado o fundo? Quem participa?
Até setembro, no máximo. A Noruega vai entrar. No primeiro ano, vamos buscar US$ 1 bilhão, ou 200 milhões de toneladas. A cada tonelada, buscamos contribuição de US$ 5. Se não conseguirmos US$ 1 bilhão, não precisa discutir incentivo nem meta, porque não existe o recurso. Se a condição for “só vai ter recurso se tiver crédito (de carbono)”, então ninguém é honesto com suas intenções, porque a Convenção do Clima prevê metas para os países desenvolvidos e compromissos voluntários para os em desenvolvimento.
Se os desenvolvidos só aceitam com crédito, não aceitam o que está na Convenção. Sem sinais claros de que vai ter incentivo, jamais haverá compromisso dos países em desenvolvimento, porque é óbvio que vamos arcar com os custos sozinhos e com o risco de perder nossos ativos porque os outros não diminuíram as emissões. Nossa iniciativa tem um cunho político. Não estamos dizendo: “Dê-me 1 bilhão para reduzir no futuro”. Mas sim: “Estamos fazendo a lição de casa. Cadê os incentivos para continuar? Ajude a dividir os custos”. Enquanto a França deu 10 milhões para o fundo do Banco Mundial, a Alemanha deu 5 milhões aqui, 15 ali, a Noruega disse: “Vamos destinar US$ 600 milhões por ano”. Eles não querem crédito, pela regra deles não pode. Além de alcançar as metas internas, eles se sentem responsáveis pelo petróleo que exportam, portanto, parcialmente responsáveis pelas emissões de outros países. O dinheiro sai do fundo do petróleo exportado.
Quais são os outros países que têm interesse?
Virou uma situação vexatória. Como falar em 5 milhões para o fundo do Banco Mundial, quando o potencial receptor está, ele mesmo, investindo US$ 500 milhões e outros países colocando US$ 100 milhões? Hoje ninguém fala de menos de 100 milhões. A Alemanha anunciou 500 milhões; o Japão, 2,5 bilhões, para iniciar; o Reino Unido, 2,5 bilhões; a Austrália, 600 milhões. Mudou o patamar. Colocamos o seguinte mecanismo dentro do fundo: podemos usar até 20% para apoiar outros países tropicais a reduzir suas emissões de desmatamento. Além de fazer a lição de casa, vamos transferir tecnologia, sistema de mapeamento.
Sem doação, o Brasil não tem condições de combater o desmatamento?
Já estamos combatendo o desmatamento.
Então, por que precisa do incentivo?
Porque tem um custo altíssimo para fazer.
Não temos dinheiro para isso?
Não é questão de ter dinheiro ou não. O Brasil não tem a obrigação, mas o esforço gera benefício para a comunidade internacional. A Convenção prevê que a comunidade deve apoiar e incentivar. O Brasil tem renda per capita e uma economia proporcionalmente muito menores que outros países, que se beneficiaram de emissões que fizeram no passado. O Brasil está fazendo soberanamente, mas não é suficiente, precisa de muito mais. Proteger a floresta com as pessoas que estão lá custa caro, é preciso garantir que elas possam viver com a floresta em pé. Para subsidiar isso, o recurso vai sair de setores que competem com os outros países. Significa que o Brasil assume isso em todos os seus setores e incorre em um custo muito maior do que os outros países. É importante que a gente divida a conta.
Quem são outros parceiros?
Cabe a eles dizer publicamente. Estamos discutindo com várias empresas, conglomerados nacionais e internacionais. Você pega uma empresa de aviação… é tudo marginal agora, questão do motor ser mais ou menos eficiente. Se alguém quer contribuir, pensa: “Preciso ajudar alguém a reduzir muito as emissões para eu ganhar tempo e fazer a transição no futuro”. Tem que trabalhar em escala grande: 20, 30 milhões de toneladas por ano. Esse projeto é uma das poucas coisas – talvez a única – que tem escala e não é promessa, está acontecendo hoje.
Para as empresas também não envolve crédito de carbono?
Nada de crédito. Parte das empresas acredita que é sua contribuição ao mundo, vai garantir que no futuro tenham mercado. Quando aboliram a escravatura, havia os que diziam: “Os assalariados são o futuro dos nossos produtos”. É o mesmo com empresas que acreditam que, se houver uma tragédia climática global, vai resultar em catástrofe econômica e quebra todo mundo. Então, envolver-se para que não haja catástrofe é importante.
Como o fundo pode ser de longo prazo, se o governo muda daqui a dois anos?
Vai ser criado institucionalmente, dentro do BNDES, e se perpetuar como o Fundo Nacional do Meio Ambiente. Não é uma coisa para este governo, é um instrumento. Tem prazo, regulamentação, um conselho gestor. O que se sabe é que o fundo tem fim. Se atingirmos o objetivo, ele acaba. Ele deve arrecadar, ao longo de 15, 20 anos, em torno de US$ 20 bilhões. Os investimentos vão ser de dois tipos. Um, são os estruturantes, que geram ações de longo prazo – como o de contribuir para o endownment do Arpa, daqui a 50 anos o dinheiro vai estar lá e gerando frutos. Pode-se gerar um endownment de monitoramento. E outros vão ser de uso corrente, por exemplo, apoio às ações no campo, movimentações de helicóptero, aeronaves que precisamos para atuar.
Basicamente no bioma amazônico? Ou a cobertura é maior?
Nos cinco primeiros anos é referente à Amazônia, depois será transferido para todo o Brasil. Não vamos fazer no Brasil inteiro agora porque não temos instrumentos suficientes de monitoramento da cobertura florestal no Cerrado e na Caatinga.
Inclui degradação?
Se você quiser parar toda a discussão, é só trabalhar a degradação. Uma coisa é falar que o desmatamento é 01, é binário. Boto um valor, consigo trabalhar. Para trabalhar a degradação, tenho de inventar um método de calcular. Tem floresta que é degradada, não é desmatada, mas como a degradação é, em geral, parte do processo de desmatamento, quando conto o desmatamento, foi a degradação junto.
O Serviço Florestal participa do projeto do Amazonas?
É o oposto do que estamos propondo. O Amazonas quer pagar pela floresta inteira, o que é absolutamente justo, estamos bolando um sistema para fazer isso em nível federal. Mas não tem nada a ver com carbono. Decidiu que vai pagar xis reais por mês a quem mantém a floresta em pé. Tem um programa, o Bolsa Floresta.
Ele pegou um recurso, alocou em um fundo e, para captar outros, diz: “Estou protegendo a floresta, se tiver mecanismo para pagar pela conservação da floresta, estoque de carbono, quero receber”. Não garante que vai reduzir emissões. É pagamento por serviços ambientais. Outra coisa é o processo com a rede de hotéis Marriott, que vai dar US$ 2 milhões para eles dizerem que vão conservar. Não tem nada de carbono, mas não deixa de ser importante. Um dia, quando o desmatamento terminar, vou ter 300, 400 milhões de hectares de floresta para cuidar, vou ter que criar mecanismos para permitir, a longo prazo, ter a floresta em pé como algo valioso, que gera produtos. É o que é preciso para a Costa Rica, que já estabilizou a perda de florestas, talvez para a Índia. Queremos que eles conservem a biodiversidade, a água, todos os serviços. Se quisermos dar valor a isso, é preciso pagar.
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Com o Fundo Amazônia, o Brasil espera obter recursos para reduzir as emissões do desmatamento em grande escala. Sem gerar créditos de carbono, o mecanismo evita que outros países usem o esforço nacional para continuar emitindo, diz o diretor do Serviço Florestal, Tasso Azevedo.
Por Amália Safatle e Carolina Derivi
O governo anunciou a criação de um fundo para reduzir as emissões do desmatamento. Como vai funcionar?
A idéia é criar um mecanismo com o qual se possa transformar a redução que já houve no desmatamento em incentivo para continuar. É diferente de todas as outras iniciativas nessa área no mundo, que são baseadas em projetos. Faço um projeto e prometo que não vou desmatar a área do parque, que vou ficar lá 20 anos. Achamos que é uma estratégia que não resolve.
Por quê?
Um exemplo: em Rondônia ou em Mato Grosso, onde o desmatamento corre solto, eu pego áreas indígenas sem desmatamento, e digo: “Aqui não vai ter desmatamento”. Arrumo o dinheiro para manter a área e em volta está tudo sendo detonado. Um país não pode propor isso. É o equivalente a dizer, a cada vez que se descobre uma reserva de petróleo, que não vai ser explorada. Vocês me paguem porque não vou explorar, não vou emitir. Não funciona, porque não trata das emissões que estão acontecendo. Estamos propondo um mecanismo novo, que diz: “Temos a média de desmatamento dos últimos dez anos. Reduzimos o desmatamento em relação a essa média?” Efetivamente, em relação à média, nós reduzimos as emissões. Para fazer isso, depende do raciocínio de que importa menos a precisão e mais a segurança. Como a literatura fala em 120 a 350 toneladas de carbono (estocadas) por hectare na Amazônia, usamos 100. Não precisa medir, porque se sabe que em qualquer lugar da Amazônia tem pelo menos 100. E qualquer redução seguramente foi muito maior do que o que estou projetando. Vamos buscar recursos para o fundo com base na redução que acabou de acontecer.
Gera crédito de carbono para quem faz a doação?
Não gera crédito de carbono, nenhum uso para quem faz a doação. A única coisa que vai poder dizer é que contribuiu para o esforço de redução, mas não tem mecanismo de crédito nem hoje nem para o futuro.
Por quê?
“Crédito” significa que alguém vai se achar no direito de continuar emitindo, porque está reduzindo o efeito. Não faz sentido, mesmo porque a quantidade é gigantesca – no primeiro ano do fundo, são 200 milhões de toneladas de carbono. É o dobro do mercado voluntário no mundo. Não é mais a escala de projetinho, plantar árvore aqui e desmatar ali. Ao gerar créditos, cria-se a oportunidade para que as emissões continuem aumentando no mundo.
O problema é bastante simples: se nosso esforço de redução das emissões for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque ela seca. E perdemos a agricultura no Sul do Brasil. É uma conta estúpida para o Brasil. Não interessa que a redução seja apropriada na forma de crédito por outros países, porque isso gera um risco futuro. Para nós, a hipótese pior é: “Ninguém quer ajudar, vamos ter de fazer sozinhos”. Propusemos isso três anos atrás como exercício teórico, e depois, em Bali, transformamos em proposta para mostrar que dá para fazer. Primeiro: tratar da Amazônia como um todo. Em alguns lugares, o desmatamento vai aumentar, em outros, vaicair, mas o que importa é poder dizer que, no conjunto, caiu. Posso afirmar que em 2006 – em relação à média dos últimos dez anos – reduzimos 200 milhões de toneladas de CO2, no mínimo. Não posso dizer quem foi o responsável, diminuiu aqui ou ali. Ninguém consegue provar isso, teria que provar que é odiado, dizer: “Vou desmatar, mas se tem incentivo, então não vou desmatar”. Porque, se não fosse desmatar mesmo, não mereceria o incentivo. É assim que funciona o mecanismo: um indígena lá na Cabeça do Cachorro, que não desmata, em tese, não é um risco, portanto não deve receber. O cara que planta soja em Mato Grosso, e desmata, é alto risco. Então a conta é: eu deveria pagar a ele o equivalente ao que ganha com a soja? É um raciocínio demente, premia quem demonstra que é do mal. O raciocínio que estamos fazendo é: o que importa é a conta para o conjunto, para que se possa ter recursos e aplicar da forma mais eficiente para continuar a redução.
Como se prova que se evitou desmatamento?
O desmatamento foi tal na média. Se desmatei menos, diminuí a emissão. “Desmatamento evitado” não existe, é impossível provar. Agora, “emissões evitadas” eu posso dizer. “Emiti tanto, deixei de emitir tanto”. Vamos solicitar doações só quando tivermos redução. Se emitir mais do que a média, no ano seguinte tem que descontar. São duas frentes: a primeira é demonstrar os resultados e aí obter o apoio; a segunda é mostrar que a escala do problema é muito maior do que o que se pensa. O Banco Mundial, no seu programa de redução de carbono, está procurando US$ 400 milhões. O Brasil, sozinho, vai investir US$ 500 milhões em quatro anos. Precisamos de mais US$ 1 bilhão por ano, mas não de intermediários. Os recursos só precisam passar pelo Banco Mundial quando você precisa fazer projetinho, apresentar, para ele poder dizer: “Acho que você vaicumprir o projeto, eu monitoro, 7% de caixa de administração, consulto uns órgãos internacionais.” Não precisa disso.
Como vão ser geridos os recursos?
O BNDES tem várias linhas não-reembolsáveis, esta é uma delas. Os recursos vão para o BNDES e serão geridos por meio de um comitê que inclui os estados da Amazônia, o governo federal e a sociedade civil – empresas, ONGs, movimentos sociais, academia -, 25 pessoas. O comitê gestor define a forma melhor de reduzir o desmatamento, por exemplo, pagando por serviços ambientais, contribuindo com o endownment do Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia). O banco seleciona os projetos com base nas diretrizes do comitê. Vão existir outras duas estruturas, uma auditoria independente para garantir que os recursos sejam aplicados nas oito linhas definidas, com relatórios públicos; e um comitê científico, que todo ano avalia o número definido de redução das emissões, que é a taxa de desmatamento x 1 tonelada de carbono. Os dados serão checados por um painel de seis cientistas – estrangeiros e brasileiros. A idéia é dar credibilidade aos números.
Como a metodologia é vista pelos possíveis contribuidores?
Há quem defenda que os países em desenvolvimento assumam metas de redução, e o que se propõe é trabalhar com a média de dez anos… Ninguém questionou. Na verdade, estamos propondo a coisa mais agressiva. Com metas, os países se propõem a reduzir 5%, 12%, 20% das emissões em 50 anos. Estamos falando de uma redução de desmatamento, nos últimos três anos, de 60%. Mesmo este ano, com crescimento, se comparado à média, é uma redução de 30%. Se fôssemos usar metas como as dos países industrializados, poderiam ser muito bem comunicadas, mas ridículas ma prática. Propusemos uma coisa mais agressiva: tira a média de dez anos e usa por cinco anos, e aí revisa. A primeira média vai de 1996 a 2005, quando se aprovou a idéia do mecanismo em Montreal, e ficou em 1,95 milhão de hectares. Quanto menos desmatamento, mais recurso vai para o fundo. Ao fazer isso, puxamos a média para baixo. Daqui a alguns anos, talvez a média seja 12 mil quilômetros quadrados, e, para ter recursos, temos que baixar muito mais o desmatamento. Dentro de 15 a 20 anos o fundo perderia a razão de ser, porque a média ficaria muito baixa. Não é a meta que define como você chega lá, mas o instrumento de incentivo.
Quando será lançado o fundo? Quem participa?
Até setembro, no máximo. A Noruega vai entrar. No primeiro ano, vamos buscar US$ 1 bilhão, ou 200 milhões de toneladas. A cada tonelada, buscamos contribuição de US$ 5. Se não conseguirmos US$ 1 bilhão, não precisa discutir incentivo nem meta, porque não existe o recurso. Se a condição for “só vai ter recurso se tiver crédito (de carbono)”, então ninguém é honesto com suas intenções, porque a Convenção do Clima prevê metas para os países desenvolvidos e compromissos voluntários para os em desenvolvimento.
Se os desenvolvidos só aceitam com crédito, não aceitam o que está na Convenção. Sem sinais claros de que vai ter incentivo, jamais haverá compromisso dos países em desenvolvimento, porque é óbvio que vamos arcar com os custos sozinhos e com o risco de perder nossos ativos porque os outros não diminuíram as emissões. Nossa iniciativa tem um cunho político. Não estamos dizendo: “Dê-me 1 bilhão para reduzir no futuro”. Mas sim: “Estamos fazendo a lição de casa. Cadê os incentivos para continuar? Ajude a dividir os custos”. Enquanto a França deu 10 milhões para o fundo do Banco Mundial, a Alemanha deu 5 milhões aqui, 15 ali, a Noruega disse: “Vamos destinar US$ 600 milhões por ano”. Eles não querem crédito, pela regra deles não pode. Além de alcançar as metas internas, eles se sentem responsáveis pelo petróleo que exportam, portanto, parcialmente responsáveis pelas emissões de outros países. O dinheiro sai do fundo do petróleo exportado.
Quais são os outros países que têm interesse?
Virou uma situação vexatória. Como falar em 5 milhões para o fundo do Banco Mundial, quando o potencial receptor está, ele mesmo, investindo US$ 500 milhões e outros países colocando US$ 100 milhões? Hoje ninguém fala de menos de 100 milhões. A Alemanha anunciou 500 milhões; o Japão, 2,5 bilhões, para iniciar; o Reino Unido, 2,5 bilhões; a Austrália, 600 milhões. Mudou o patamar. Colocamos o seguinte mecanismo dentro do fundo: podemos usar até 20% para apoiar outros países tropicais a reduzir suas emissões de desmatamento. Além de fazer a lição de casa, vamos transferir tecnologia, sistema de mapeamento.
Sem doação, o Brasil não tem condições de combater o desmatamento?
Já estamos combatendo o desmatamento.
Então, por que precisa do incentivo?
Porque tem um custo altíssimo para fazer.
Não temos dinheiro para isso?
Não é questão de ter dinheiro ou não. O Brasil não tem a obrigação, mas o esforço gera benefício para a comunidade internacional. A Convenção prevê que a comunidade deve apoiar e incentivar. O Brasil tem renda per capita e uma economia proporcionalmente muito menores que outros países, que se beneficiaram de emissões que fizeram no passado. O Brasil está fazendo soberanamente, mas não é suficiente, precisa de muito mais. Proteger a floresta com as pessoas que estão lá custa caro, é preciso garantir que elas possam viver com a floresta em pé. Para subsidiar isso, o recurso vai sair de setores que competem com os outros países. Significa que o Brasil assume isso em todos os seus setores e incorre em um custo muito maior do que os outros países. É importante que a gente divida a conta.
Quem são outros parceiros?
Cabe a eles dizer publicamente. Estamos discutindo com várias empresas, conglomerados nacionais e internacionais. Você pega uma empresa de aviação… é tudo marginal agora, questão do motor ser mais ou menos eficiente. Se alguém quer contribuir, pensa: “Preciso ajudar alguém a reduzir muito as emissões para eu ganhar tempo e fazer a transição no futuro”. Tem que trabalhar em escala grande: 20, 30 milhões de toneladas por ano. Esse projeto é uma das poucas coisas – talvez a única – que tem escala e não é promessa, está acontecendo hoje.
Para as empresas também não envolve crédito de carbono?
Nada de crédito. Parte das empresas acredita que é sua contribuição ao mundo, vai garantir que no futuro tenham mercado. Quando aboliram a escravatura, havia os que diziam: “Os assalariados são o futuro dos nossos produtos”. É o mesmo com empresas que acreditam que, se houver uma tragédia climática global, vai resultar em catástrofe econômica e quebra todo mundo. Então, envolver-se para que não haja catástrofe é importante.
Como o fundo pode ser de longo prazo, se o governo muda daqui a dois anos?
Vai ser criado institucionalmente, dentro do BNDES, e se perpetuar como o Fundo Nacional do Meio Ambiente. Não é uma coisa para este governo, é um instrumento. Tem prazo, regulamentação, um conselho gestor. O que se sabe é que o fundo tem fim. Se atingirmos o objetivo, ele acaba. Ele deve arrecadar, ao longo de 15, 20 anos, em torno de US$ 20 bilhões. Os investimentos vão ser de dois tipos. Um, são os estruturantes, que geram ações de longo prazo – como o de contribuir para o endownment do Arpa, daqui a 50 anos o dinheiro vai estar lá e gerando frutos. Pode-se gerar um endownment de monitoramento. E outros vão ser de uso corrente, por exemplo, apoio às ações no campo, movimentações de helicóptero, aeronaves que precisamos para atuar.
Basicamente no bioma amazônico? Ou a cobertura é maior?
Nos cinco primeiros anos é referente à Amazônia, depois será transferido para todo o Brasil. Não vamos fazer no Brasil inteiro agora porque não temos instrumentos suficientes de monitoramento da cobertura florestal no Cerrado e na Caatinga.
Inclui degradação?
Se você quiser parar toda a discussão, é só trabalhar a degradação. Uma coisa é falar que o desmatamento é 01, é binário. Boto um valor, consigo trabalhar. Para trabalhar a degradação, tenho de inventar um método de calcular. Tem floresta que é degradada, não é desmatada, mas como a degradação é, em geral, parte do processo de desmatamento, quando conto o desmatamento, foi a degradação junto.
O Serviço Florestal participa do projeto do Amazonas?
É o oposto do que estamos propondo. O Amazonas quer pagar pela floresta inteira, o que é absolutamente justo, estamos bolando um sistema para fazer isso em nível federal. Mas não tem nada a ver com carbono. Decidiu que vai pagar xis reais por mês a quem mantém a floresta em pé. Tem um programa, o Bolsa Floresta.
Ele pegou um recurso, alocou em um fundo e, para captar outros, diz: “Estou protegendo a floresta, se tiver mecanismo para pagar pela conservação da floresta, estoque de carbono, quero receber”. Não garante que vai reduzir emissões. É pagamento por serviços ambientais. Outra coisa é o processo com a rede de hotéis Marriott, que vai dar US$ 2 milhões para eles dizerem que vão conservar. Não tem nada de carbono, mas não deixa de ser importante. Um dia, quando o desmatamento terminar, vou ter 300, 400 milhões de hectares de floresta para cuidar, vou ter que criar mecanismos para permitir, a longo prazo, ter a floresta em pé como algo valioso, que gera produtos. É o que é preciso para a Costa Rica, que já estabilizou a perda de florestas, talvez para a Índia. Queremos que eles conservem a biodiversidade, a água, todos os serviços. Se quisermos dar valor a isso, é preciso pagar.
Com o Fundo Amazônia, o Brasil espera obter recursos para reduzir as emissões do desmatamento em grande escala. Sem gerar créditos de carbono, o mecanismo evita que outros países usem o esforço nacional para continuar emitindo, diz o diretor do Serviço Florestal, Tasso Azevedo.
Por Amália Safatle e Carolina Derivi
O governo anunciou a criação de um fundo para reduzir as emissões do desmatamento. Como vai funcionar?
A idéia é criar um mecanismo com o qual se possa transformar a redução que já houve no desmatamento em incentivo para continuar. É diferente de todas as outras iniciativas nessa área no mundo, que são baseadas em projetos. Faço um projeto e prometo que não vou desmatar a área do parque, que vou ficar lá 20 anos. Achamos que é uma estratégia que não resolve.
Por quê?
Um exemplo: em Rondônia ou em Mato Grosso, onde o desmatamento corre solto, eu pego áreas indígenas sem desmatamento, e digo: “Aqui não vai ter desmatamento”. Arrumo o dinheiro para manter a área e em volta está tudo sendo detonado. Um país não pode propor isso. É o equivalente a dizer, a cada vez que se descobre uma reserva de petróleo, que não vai ser explorada. Vocês me paguem porque não vou explorar, não vou emitir. Não funciona, porque não trata das emissões que estão acontecendo. Estamos propondo um mecanismo novo, que diz: “Temos a média de desmatamento dos últimos dez anos. Reduzimos o desmatamento em relação a essa média?” Efetivamente, em relação à média, nós reduzimos as emissões. Para fazer isso, depende do raciocínio de que importa menos a precisão e mais a segurança. Como a literatura fala em 120 a 350 toneladas de carbono (estocadas) por hectare na Amazônia, usamos 100. Não precisa medir, porque se sabe que em qualquer lugar da Amazônia tem pelo menos 100. E qualquer redução seguramente foi muito maior do que o que estou projetando. Vamos buscar recursos para o fundo com base na redução que acabou de acontecer.
Gera crédito de carbono para quem faz a doação?
Não gera crédito de carbono, nenhum uso para quem faz a doação. A única coisa que vai poder dizer é que contribuiu para o esforço de redução, mas não tem mecanismo de crédito nem hoje nem para o futuro.
Por quê?
“Crédito” significa que alguém vai se achar no direito de continuar emitindo, porque está reduzindo o efeito. Não faz sentido, mesmo porque a quantidade é gigantesca – no primeiro ano do fundo, são 200 milhões de toneladas de carbono. É o dobro do mercado voluntário no mundo. Não é mais a escala de projetinho, plantar árvore aqui e desmatar ali. Ao gerar créditos, cria-se a oportunidade para que as emissões continuem aumentando no mundo.
O problema é bastante simples: se nosso esforço de redução das emissões for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque ela seca. E perdemos a agricultura no Sul do Brasil. É uma conta estúpida para o Brasil. Não interessa que a redução seja apropriada na forma de crédito por outros países, porque isso gera um risco futuro. Para nós, a hipótese pior é: “Ninguém quer ajudar, vamos ter de fazer sozinhos”. Propusemos isso três anos atrás como exercício teórico, e depois, em Bali, transformamos em proposta para mostrar que dá para fazer. Primeiro: tratar da Amazônia como um todo. Em alguns lugares, o desmatamento vai aumentar, em outros, vaicair, mas o que importa é poder dizer que, no conjunto, caiu. Posso afirmar que em 2006 – em relação à média dos últimos dez anos – reduzimos 200 milhões de toneladas de CO2, no mínimo. Não posso dizer quem foi o responsável, diminuiu aqui ou ali. Ninguém consegue provar isso, teria que provar que é odiado, dizer: “Vou desmatar, mas se tem incentivo, então não vou desmatar”. Porque, se não fosse desmatar mesmo, não mereceria o incentivo. É assim que funciona o mecanismo: um indígena lá na Cabeça do Cachorro, que não desmata, em tese, não é um risco, portanto não deve receber. O cara que planta soja em Mato Grosso, e desmata, é alto risco. Então a conta é: eu deveria pagar a ele o equivalente ao que ganha com a soja? É um raciocínio demente, premia quem demonstra que é do mal. O raciocínio que estamos fazendo é: o que importa é a conta para o conjunto, para que se possa ter recursos e aplicar da forma mais eficiente para continuar a redução.
Como se prova que se evitou desmatamento?
O desmatamento foi tal na média. Se desmatei menos, diminuí a emissão. “Desmatamento evitado” não existe, é impossível provar. Agora, “emissões evitadas” eu posso dizer. “Emiti tanto, deixei de emitir tanto”. Vamos solicitar doações só quando tivermos redução. Se emitir mais do que a média, no ano seguinte tem que descontar. São duas frentes: a primeira é demonstrar os resultados e aí obter o apoio; a segunda é mostrar que a escala do problema é muito maior do que o que se pensa. O Banco Mundial, no seu programa de redução de carbono, está procurando US$ 400 milhões. O Brasil, sozinho, vai investir US$ 500 milhões em quatro anos. Precisamos de mais US$ 1 bilhão por ano, mas não de intermediários. Os recursos só precisam passar pelo Banco Mundial quando você precisa fazer projetinho, apresentar, para ele poder dizer: “Acho que você vaicumprir o projeto, eu monitoro, 7% de caixa de administração, consulto uns órgãos internacionais.” Não precisa disso.
Como vão ser geridos os recursos?
O BNDES tem várias linhas não-reembolsáveis, esta é uma delas. Os recursos vão para o BNDES e serão geridos por meio de um comitê que inclui os estados da Amazônia, o governo federal e a sociedade civil – empresas, ONGs, movimentos sociais, academia -, 25 pessoas. O comitê gestor define a forma melhor de reduzir o desmatamento, por exemplo, pagando por serviços ambientais, contribuindo com o endownment do Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia). O banco seleciona os projetos com base nas diretrizes do comitê. Vão existir outras duas estruturas, uma auditoria independente para garantir que os recursos sejam aplicados nas oito linhas definidas, com relatórios públicos; e um comitê científico, que todo ano avalia o número definido de redução das emissões, que é a taxa de desmatamento x 1 tonelada de carbono. Os dados serão checados por um painel de seis cientistas – estrangeiros e brasileiros. A idéia é dar credibilidade aos números.
Como a metodologia é vista pelos possíveis contribuidores?
Há quem defenda que os países em desenvolvimento assumam metas de redução, e o que se propõe é trabalhar com a média de dez anos… Ninguém questionou. Na verdade, estamos propondo a coisa mais agressiva. Com metas, os países se propõem a reduzir 5%, 12%, 20% das emissões em 50 anos. Estamos falando de uma redução de desmatamento, nos últimos três anos, de 60%. Mesmo este ano, com crescimento, se comparado à média, é uma redução de 30%. Se fôssemos usar metas como as dos países industrializados, poderiam ser muito bem comunicadas, mas ridículas ma prática. Propusemos uma coisa mais agressiva: tira a média de dez anos e usa por cinco anos, e aí revisa. A primeira média vai de 1996 a 2005, quando se aprovou a idéia do mecanismo em Montreal, e ficou em 1,95 milhão de hectares. Quanto menos desmatamento, mais recurso vai para o fundo. Ao fazer isso, puxamos a média para baixo. Daqui a alguns anos, talvez a média seja 12 mil quilômetros quadrados, e, para ter recursos, temos que baixar muito mais o desmatamento. Dentro de 15 a 20 anos o fundo perderia a razão de ser, porque a média ficaria muito baixa. Não é a meta que define como você chega lá, mas o instrumento de incentivo.
Quando será lançado o fundo? Quem participa?
Até setembro, no máximo. A Noruega vai entrar. No primeiro ano, vamos buscar US$ 1 bilhão, ou 200 milhões de toneladas. A cada tonelada, buscamos contribuição de US$ 5. Se não conseguirmos US$ 1 bilhão, não precisa discutir incentivo nem meta, porque não existe o recurso. Se a condição for “só vai ter recurso se tiver crédito (de carbono)”, então ninguém é honesto com suas intenções, porque a Convenção do Clima prevê metas para os países desenvolvidos e compromissos voluntários para os em desenvolvimento.
Se os desenvolvidos só aceitam com crédito, não aceitam o que está na Convenção. Sem sinais claros de que vai ter incentivo, jamais haverá compromisso dos países em desenvolvimento, porque é óbvio que vamos arcar com os custos sozinhos e com o risco de perder nossos ativos porque os outros não diminuíram as emissões. Nossa iniciativa tem um cunho político. Não estamos dizendo: “Dê-me 1 bilhão para reduzir no futuro”. Mas sim: “Estamos fazendo a lição de casa. Cadê os incentivos para continuar? Ajude a dividir os custos”. Enquanto a França deu 10 milhões para o fundo do Banco Mundial, a Alemanha deu 5 milhões aqui, 15 ali, a Noruega disse: “Vamos destinar US$ 600 milhões por ano”. Eles não querem crédito, pela regra deles não pode. Além de alcançar as metas internas, eles se sentem responsáveis pelo petróleo que exportam, portanto, parcialmente responsáveis pelas emissões de outros países. O dinheiro sai do fundo do petróleo exportado.
Quais são os outros países que têm interesse?
Virou uma situação vexatória. Como falar em 5 milhões para o fundo do Banco Mundial, quando o potencial receptor está, ele mesmo, investindo US$ 500 milhões e outros países colocando US$ 100 milhões? Hoje ninguém fala de menos de 100 milhões. A Alemanha anunciou 500 milhões; o Japão, 2,5 bilhões, para iniciar; o Reino Unido, 2,5 bilhões; a Austrália, 600 milhões. Mudou o patamar. Colocamos o seguinte mecanismo dentro do fundo: podemos usar até 20% para apoiar outros países tropicais a reduzir suas emissões de desmatamento. Além de fazer a lição de casa, vamos transferir tecnologia, sistema de mapeamento.
Sem doação, o Brasil não tem condições de combater o desmatamento?
Já estamos combatendo o desmatamento.
Então, por que precisa do incentivo?
Porque tem um custo altíssimo para fazer.
Não temos dinheiro para isso?
Não é questão de ter dinheiro ou não. O Brasil não tem a obrigação, mas o esforço gera benefício para a comunidade internacional. A Convenção prevê que a comunidade deve apoiar e incentivar. O Brasil tem renda per capita e uma economia proporcionalmente muito menores que outros países, que se beneficiaram de emissões que fizeram no passado. O Brasil está fazendo soberanamente, mas não é suficiente, precisa de muito mais. Proteger a floresta com as pessoas que estão lá custa caro, é preciso garantir que elas possam viver com a floresta em pé. Para subsidiar isso, o recurso vai sair de setores que competem com os outros países. Significa que o Brasil assume isso em todos os seus setores e incorre em um custo muito maior do que os outros países. É importante que a gente divida a conta.
Quem são outros parceiros?
Cabe a eles dizer publicamente. Estamos discutindo com várias empresas, conglomerados nacionais e internacionais. Você pega uma empresa de aviação… é tudo marginal agora, questão do motor ser mais ou menos eficiente. Se alguém quer contribuir, pensa: “Preciso ajudar alguém a reduzir muito as emissões para eu ganhar tempo e fazer a transição no futuro”. Tem que trabalhar em escala grande: 20, 30 milhões de toneladas por ano. Esse projeto é uma das poucas coisas – talvez a única – que tem escala e não é promessa, está acontecendo hoje.
Para as empresas também não envolve crédito de carbono?
Nada de crédito. Parte das empresas acredita que é sua contribuição ao mundo, vai garantir que no futuro tenham mercado. Quando aboliram a escravatura, havia os que diziam: “Os assalariados são o futuro dos nossos produtos”. É o mesmo com empresas que acreditam que, se houver uma tragédia climática global, vai resultar em catástrofe econômica e quebra todo mundo. Então, envolver-se para que não haja catástrofe é importante.
Como o fundo pode ser de longo prazo, se o governo muda daqui a dois anos?
Vai ser criado institucionalmente, dentro do BNDES, e se perpetuar como o Fundo Nacional do Meio Ambiente. Não é uma coisa para este governo, é um instrumento. Tem prazo, regulamentação, um conselho gestor. O que se sabe é que o fundo tem fim. Se atingirmos o objetivo, ele acaba. Ele deve arrecadar, ao longo de 15, 20 anos, em torno de US$ 20 bilhões. Os investimentos vão ser de dois tipos. Um, são os estruturantes, que geram ações de longo prazo – como o de contribuir para o endownment do Arpa, daqui a 50 anos o dinheiro vai estar lá e gerando frutos. Pode-se gerar um endownment de monitoramento. E outros vão ser de uso corrente, por exemplo, apoio às ações no campo, movimentações de helicóptero, aeronaves que precisamos para atuar.
Basicamente no bioma amazônico? Ou a cobertura é maior?
Nos cinco primeiros anos é referente à Amazônia, depois será transferido para todo o Brasil. Não vamos fazer no Brasil inteiro agora porque não temos instrumentos suficientes de monitoramento da cobertura florestal no Cerrado e na Caatinga.
Inclui degradação?
Se você quiser parar toda a discussão, é só trabalhar a degradação. Uma coisa é falar que o desmatamento é 01, é binário. Boto um valor, consigo trabalhar. Para trabalhar a degradação, tenho de inventar um método de calcular. Tem floresta que é degradada, não é desmatada, mas como a degradação é, em geral, parte do processo de desmatamento, quando conto o desmatamento, foi a degradação junto.
O Serviço Florestal participa do projeto do Amazonas?
É o oposto do que estamos propondo. O Amazonas quer pagar pela floresta inteira, o que é absolutamente justo, estamos bolando um sistema para fazer isso em nível federal. Mas não tem nada a ver com carbono. Decidiu que vai pagar xis reais por mês a quem mantém a floresta em pé. Tem um programa, o Bolsa Floresta.
Ele pegou um recurso, alocou em um fundo e, para captar outros, diz: “Estou protegendo a floresta, se tiver mecanismo para pagar pela conservação da floresta, estoque de carbono, quero receber”. Não garante que vai reduzir emissões. É pagamento por serviços ambientais. Outra coisa é o processo com a rede de hotéis Marriott, que vai dar US$ 2 milhões para eles dizerem que vão conservar. Não tem nada de carbono, mas não deixa de ser importante. Um dia, quando o desmatamento terminar, vou ter 300, 400 milhões de hectares de floresta para cuidar, vou ter que criar mecanismos para permitir, a longo prazo, ter a floresta em pé como algo valioso, que gera produtos. É o que é preciso para a Costa Rica, que já estabilizou a perda de florestas, talvez para a Índia. Queremos que eles conservem a biodiversidade, a água, todos os serviços. Se quisermos dar valor a isso, é preciso pagar.
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