Por Amália Safatle
Implantar uma obra de grande porte na Amazônia requer uma engenhosidade bem além da engenharia. Vem justamente de um engenheiro – Victor Paranhos, presidente do consórcio Energia Sustentável do Brasil – o relato dos desafios políticos que definem contornos de uma obra que afeta tanta gente, da população local aos governantes, dos trabalhadores ao consumidor final, sem falar na natureza transformada e nas cidades que brotam nos confins do País.
Nesta entrevista concedida no fim de maio, Paranhos e o diretor de meio ambiente e sustentabilidade do consórcio, Antonio Luiz Abreu Jorge, mostram, do ponto de vista do empreendedor, que os meandros da política podem ser os mesmos de tempos atrás, mas a complexidade que as questões socioambientais trazem é rica e emergente – ainda que se acredite na tecnologia como solução salvadora dos males. A experiência em Jirau, uma das usinas do Rio Madeira, pode contribuir com muitas lições – a questão é incorporá-las nas futuras obras e no planejamento energético de uma nação inteira, para que se possa chamá-lo de sustentável.
Quais são os desafios de fazer a maior obra do PAC em plena Amazônia, em uma época em que as questões da sustentabilidade estão cada vez mais emergentes?
Victor Paranhos: Existem vários desafios de engenharia, mas, por incrível que pareça, do ponto de vista social, é uma obra de baixo impacto. Temos uma comunidade de 300 famílias, todas elas de baixíssima renda, e na área rural mais 250, 300 famílias. Então, é uma obra com impacto muito pequeno. Mas tem um desafio muito grande, porque, na hora em que se fala de Amazônia, existe um preconceito sobre o que é a Amazônia. Quando ganhamos esse projeto da Suez, a primeira coisa que mostramos é que ficava a 100 quilômetros de uma cidade de 500 mil habitantes, numa zona que detém grande rebanho bovino e é bastante antropizada.
O pessoal pergunta: cadê as árvores? Essa Amazônia está a 400, 500 quilômetros dali. Trata-se de uma região já bem alterada, desde a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Então, do ponto de vista real, impactos baixos. Do ponto de vista político, coisas difíceis de serem administradas quanto a essas questões da sustentabilidade. O grande desafio, que é brasileiro, é que tem uma população que vivia de bicos, de subemprego, vendo oportunidade em lugares distantes do país.
Quando o senhor fala em desafio político, o que é exatamente?
VP: Você tem uma obra com um grande impacto durante a construção, pelo número de pessoas que vêm, e todo um ganho futuro, que será do próximo governador. O atual está tendo o ônus e não vai ter o bônus. Principalmente no meio de uma eleição para governador de estado, se polariza, se politiza a questão. Uma obra grande em qualquer país do mundo é problema. Sendo (obra lançada pelo) governo, é mais complicado, ainda mais em um país que, graças a Deus, é democrata, as coisas são mais demoradas. Busca-se um consenso, um diálogo.
Uma obra dessas traz um impacto socioambiental imenso, certo? Embora o senhor diga que esta é uma área antropizada, tem todo o impacto de ocupação do lugar, desse fluxo dos migrantes.
VP: O impacto ambiental não foi grande, muito pelo contrário.
Que critérios vocês usam para dizer se é grande ou não?
VP: Para isso levamos em conta o número de famílias atingidas por megawatt instalado. Basicamente, a área do reservatório é a mesma área do Rio Madeira durante as grandes cheias, não tem grandes áreas inundadas. Como é usina a fio d’agua, não tem capacidade de armazenamento, a água que entra é a que sai.
Em relação a todos aqueles problemas trabalhistas, vocês esperavam aquele tipo de reação? (Em março, o canteiro de obras e os alojamentos foram depredados e 4 mil trabalhadores, demitidos.)
VP: Qual foi o problema trabalhista que houve?
Houve um levante!
VP: A gente deve ser uma das empresas mais auditadas que eu conheço, tanto financeira, como social, como ambientalmente. A gente tem uma declaração da procuradora do Ministério do Trabalho de Jirau, três dias depois do incêndio, de que nunca ninguém foi lá fazer nenhuma queixa. Aí alguém pode dizer: “É porque o cara tinha medo de ser despedido”. Mentira. A rotatividade de gente que ganha uma especialização e em dez dias recebe a oferta de salário maior é muito grande. A gente podia dizer isso em uma época de recessão, quando o cara tinha medo de perder o emprego. Hoje, é a empresa que tem medo de perder seus trabalhadores.
Mas houve uma manifestação muito grande, isso não dá para negar.
VP: Houve um incêndio muito grande, o primeiro com 30 pessoas identificadas, tem gente presa; o segundo com 200, que fizeram essa manifestação. Tanto que está todo mundo querendo voltar, tem muita gente voltando. O alojamento para mulheres era para três pessoas com ar condicionado, pela primeira vez no Brasil. O dos homens era com dois banheiros. Nós pusemos uma antena da Vivo lá, tanto para o pessoal da cidade como da obra, que tinha 20 mil trabalhadores e 22 mil celulares. E hoje acho que não existe mais celular sem foto. Então, se tivesse esse tipo de coisa, isso estaria nas redes sociais em dois minutos. E só foi parar na rede social depois dos incidentes. Nunca apareceu na rede social alguma reclamação trabalhista, empregado dizendo que a comida era ruim.
Havia queixa de trabalho em turnos seguidos, em muitas horas contínuas.
VP: Ao contrário. A legislação brasileira estabelece o número máximo de horas por semana. Barrageiro é o cara que está acostumado a ir para o mato pra ganhar dinheiro. Ele tinha um salário razoável, café da manhã, almoço, jantar, lanche, internet praticamente de graça, videoclube de graça.
Então, qual foi a razão?
VP: Essa é uma pergunta…
Vocês não sabem?
VP: Não, isso vai demorar um pouquinho, até a Polícia Federal está investigando, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) também. A gente sabe que roubaram 1 milhão de reais. Tinha oito caixas eletrônicos. Por acaso, foram saqueados no primeiro e no segundo dia do incêndio. A PF pegou gente com caixa eletrônico dentro de ônibus. Na mesma semana houve outros eventos, eles se espalharam. Começou em Fortaleza em uma obra do Eike (Batista). Você acha que empregado iria pôr fogo nos seus próprios alojamentos? Tinha gente que tinha laptop… o seguro está pagando. Puseram fogo em 30 carros de trabalhador.
A gente não imaginava que encontraria esse tipo de problema. Imaginava, sim, que precisava dar uma condição social e ambiental muito grande para aquelas pessoas. Na hora em que você fala de sustentabilidade, veja, essa foi a cidade que a gente fez, Nova Mutum-Paraná (mostra um caderno com fotos). É uma cidade de 1.600 casas. Rondônia tem 2% de esgoto. Aqui é 100%.
Isso é a título de compensação pela obra?
VP: Não. Isso daqui é a título de reassentamento.
Como assim?
VP: O Ibama obriga a empresa a dar a opção de reassentamento (para a população atingida pela barragem). Havia quatro opções, uma delas era a troca das casas para vir para Nova Mutum. Aqui tem colégio, posto policial. Já tem restaurante particular que abriu… Das 600 pessoas, cerca de 170 quiseram vir para Nova Mutum. O restante pediu dinheiro, tocou a sua vida. para o pessoal que trabalha na obra, para não aumentar a pressão sobre Porto Velho.
Na hora em que a obra acabar, o que acontecerá com o lugar e os trabalhadores?
VP: É a palavra-chave que você está perguntando: sustentabilidade. A gente está procurando outras empresas, já levamos a Bardella, para fazer equipamento de hidreletricidade, tanto para Belo Monte como para todas as hidrelétricas no Peru que vão sair. (A Bardella foi a primeira empresa a integrar o Polo Industrial de Nova Mutum-Parará.)
Antonio Luiz Abreu Jorge: O grande desafio é gerar renda e emprego para a população local que vai continuar morando ali. Com outras atividades, como a fábrica da Bardella, agência do Bradesco, loja da Vivo, um centro comercial, pode-se absorver essa mão de obra. Então tem várias atividades surgindo, envolvendo sistemas agroflorestais, por exemplo, fábrica de sorvete, compotas. Assim, vai-se integrando essas pessoas da região.
VP: Estamos vendo piscicultura, vendo com a Embrapa projeto de feijão com arroz… porque a grande atividade lá é a agropecuária, que emprega pouca gente.
O aumento do fluxo da população na região, com todo esse crescimento econômico que deve acontecer, trará que tipo de impacto, com abertura de estradas, ocupação etc.?
VP: A estrada era a mesma… Basicamente, essa cidade (Nova Mutum-Paraná) foi feita em cima de pasto. Isso aqui tudo era pasto que tinha, sei lá, 200 cabeças de gado. Você fala em impacto. Temos entrevista com o cara que saiu do interior do Piauí, que morava numa casa de barro com direito a barbeiro, sem saneamento e veio pra cá, foi treinado… isso tem um impacto. A gente já treinou mais de 5 mil pessoas. Se ele ficar lá ou for para Belo Monte, chega em outra obra já treinado. Ele, que era pedreiro, vai virar mestre, vai subindo na vida.
Onde termina a responsabilidade da empresa e começa a do governo, por exemplo, em uma obra dessas? A empresa é responsável por financiar e executar as compensações e os reassentamentos, mas a definição e coordenação dessas responsabilidades cabe ao governo, cabe à empresa? Como esses papéis devem ser definidos?
VP: Os papéis têm que ser mais bem definidos inclusive do ponto de vista de custo, porque isso vai parar na tarifa de energia. Nós temos R$ 170 milhões de compensação para o estado e o município. Nunca o estado teve R$ 170 milhões de investimento naquela área.
A gente melhorou colégio, fizemos colégio na região, diversos postos de saúde, cadeia, melhora em drenagem, melhora na sinalização de Porto Velho. O colégio de Nova Mutum tem sala de computação, de ciências. Sabe por que o Brasil tem hoje uma boa estrutura de sismógrafo? Porque todas as hidrelétricas no Brasil têm de três a cinco sismógrafos. A gente está fazendo um estudo de peixe na Amazônia que ninguém fez. Quantos peixes novos nós descobrimos, Antonio?
ALAJ: A gente não pode dizer peixes novos, mas já avistou cerca de 700 espécies lá.
VP: Temos estudos de mercúrio… estamos desmitificando a questão do mercúrio na Amazônia.
Por quê? Tem um mito?
VP: Tem um mito. De que, em função da atividade de garimpo, tem muita contaminação por mercúrio. Mas o mercúrio é normal na região. O rio que mais tem mercúrio lá é o Negro, que não tem nenhuma atividade de garimpo. Nunca se estudou tanta fauna, arqueologia, paleontologia…
Mas afinal o senhor acha que todo esse investimento é justo, ou isso caberia ao governo fazer?
VP: Pesquisa eu acho justo a gente fazer. O que houve de melhoria de renda e do padrão de vida da população no entorno é enorme.
Você sobe aqui em Furnas, vai no Vale do Jequitinhonha, que era uma das regiões mais atrasadas do Brasil, depois que fizeram uma usina, começou a ter uma melhora do padrão de vida muito grande.
O benefício econômico parece visível.
VP: Não é só econômico. Na primeira obra que fiz, que foi na Serra da Mesa – e depois o Antonio entrou em Cana Brava –, engenheiro que sou, comecei a ver coisas que são pra a gente entender. Demos uma casinha dessas para uma senhora e sabe o que ela fez com a privada? Pôs uma plantinha lá dentro. Ela nunca tinha visto uma privada! Uma senhora não queria a casa, aí, com ajuda da assistente social, a gente teve que pôr terra no chão. Ela se sentia mal com o piso. Ela sempre morou em chão batido. Tem gente que não queria banheiro dentro de casa.
Sim, porque tem toda uma característica cultural…
VP: Mas você começa a mostrar que tem também a questão de saúde, de higiene.
Isso não é uma ingerência? Elas podem estar felizes com aquele modo de vida.
VP: Você acha que alguém é feliz tendo que brigar por uma refeição por dia e perdendo filho por subnutrição?
Claro que vou dizer que não. Mas tem uma população que vive feliz com as suas condições próprias. Não estaria havendo uma imposição dos nossos valores urbanos sobre aquele modo de vida?
VP: A gente tem assentamento rural em que o cara fica com a casinha dele ganhando a sua Bolsa-Família, olhando a vista…
Porque imagino que seja um grande choque cultural, não é? A empresa chega da cidade grande, com toda uma contagem de tempo própria, diferente da contagem de tempo local.
VP: Não, o cara morava a 100 quilômetros de Rondônia, gente! Porto Velho tem 500 mil habitantes!
Não estou falando especificamente desta obra, e, sim, de uma forma geral, dos grandes empreendimentos na Amazônia. Existe um descompasso de tempo entre o nosso ritmo Rio-São Paulo e o ritmo e os valores daquelas pessoas. Como é que se respeita tudo isso levando esse desenvolvimento para lá?
ALAJ: São dois pontos distintos. Não tem uma imposição da nossa cultura, da nossa referência do que é qualidade de vida para essas populações. Mas tem uma parte que é indiscutível, que a gente leva, que é a oportunidade de acesso à saúde de qualidade, à educação de qualidade, uma infraestrutura pela qual ele receba socorro, se necessário, e pode acessar o mercado consumidor para seus produtos, para aumentar a sua produtividade. O ribeirinho produz à sua maneira, mas será que essa produção é mesmo sustentável? Nem sempre. Muitas vezes ele exaure uma área e vai desmatar outra, porque não tem acesso a tecnologia. Isso tudo a gente dá pra ele. Ele consegue continuar vivendo com sua cultura, mas com acesso a saúde, educação, tecnologia, tudo que ele não tinha antes.
A questão é perguntar a eles o que eles querem, certo? Perguntar o que entendem por desenvolvimento.
ALAJ: Desde o início a gente implantou um comitê de sustentabilidade, que é representativo da comunidade, das universidades, do órgão ambiental, do órgão de mineração, dos governos estadual, municipal, do Ministério Público. Esse comitê fica acima de vários grupos de trabalho, como o de reassentamento rural. A gente gere junto com as pessoas, conversa, pergunta o que precisam, o que querem, qual a área necessária, que tipo de profissão querem ter.
Não é uma coisa imposta do empreendedor para essas famílias.
Até porque não funcionaria. Primeiro, porque eles não aceitariam e, segundo, porque, mesmo que aceitassem, iriam abandonar, pois não tem relação com a cultura deles. Há vários empreendimentos na Amazônia de piscicultura e mesmo de agricultura que foram abandonados por total falta de conexão com as tradições locais e por falta de treinamento.
O que vocês me contaram até agora são todas as benesses que um grande empreendimento na Amazônia pode proporcionar, mas eu tinha perguntado dos desafios. O senhor respondeu um pouco do Desafio político, mas queria saber quais são as dificuldades de fato, o que é que “pega”?
ALAJ: É a dificuldade de levar o modo de desenvolvimento sustentável para a região ou simplesmente implantar um empreendimento. São duas coisas diferentes. Você consegue implantar um empreendimento com vários desafios relacionados à logística, à construção, à distância, que o Victor pode falar. Tem outros desafios ligados à população com baixa renda, baixa qualificação, baixo acesso à informação. A gente não quer só deixar uma usina hidrelétrica que vai produzir energia. A gente quer fazer com que essa população do entorno também seja beneficiada pelo empreendimento e, aí sim, gere esse desenvolvimento sustentável na região.
Por que vocês acham que isso é importante?
VP: Por uma razão muito simples: a nossa concessão é de 35 anos. Fazer como há muito tempo atrás fazia na Amazônia, em que se cercava, punha polícia, do lado de dentro era o paraíso e do lado de fora era o inferno, isso não existe mais. A gente não consegue conviver 35 anos com uma população vivendo-se numa bolha. Ou a gente se integra, ou terá um conflito para o resto da vida. E se integrar significa a gente entendê-los, eles nos entenderem e eles crescerem como cidadãos.
Para isso acontecer, queria falar sobre o ritmo da obra. Quando ela é feita muito rapidamente, atrapalha essa interação? Pergunto isso porque, pelo atual modelo de concessão, o governo permite à empresa vender a energia no mercado livre, embolsando a totalidade do lucro, caso entregue a obra antes do prazo. Isso não faz com que as obras se acelerem demais?
VP: Claro que há interesse em acelerar. Mas isso se chama produtividade. Você pode ter aumento de produtividade com redução de estresse e trabalho físico. Você não vai querer um Brasil que não tenha produtividade. Na hora em que não tiver produtividade, nós não seremos competitivos. Uma obra mais rápida é uma obra em que vou pôr mais gente carregando baldezinho, ou uma obra em que tenho uma tecnologia extremamente avançada, de Primeiro Mundo, com logística benfeita?
Isso do ponto de vista do engenheiro. Pergunto do ponto de vista da integração com a comunidade, que requer tempo.
ALAJ: A gente está falando de uma obra que será implantada em três anos, mas esse trabalho social não cessa em três anos, nem começa com três anos. Esse trabalho continua. A gente não dá assistência técnica só até a operação comercial da usina, a gente não dá assistência social só até o enchimento do reservatório.
Quando houve esse levante dos trabalhadores…
ALAJ: …falou-se que a obra estava muito rápida?
Isso.
VP: Sabe a quem interessa uma obra lenta? À empresa de engenharia. Tem obra no Brasil que levou 15, 20 anos, ganhando sem produzir. Esse Brasil, esse mundo não existe mais. Se o Brasil quiser ser a quinta potência, precisa de produtividade. A FGV defende a produtividade, vocês são “cobra” nisso. Que tal a gente implantar na FGV a aprovação automática, você concordaria? Ou defenderia a meritocracia?
O que o senhor quer dizer com isso?
VP: Quero dizer que a obra não estava rápida, tinha um planejamento muito benfeito… uso de equipamento de alta qualidade…
ALAJ: Fizemos o resgate de 300 mil peixes com índice de 0% de mortalidade, isso é inédito no Brasil. Se essa aceleração estivesse acontecendo em detrimento de fatores ambientais e sociais, não haveria esse tipo de sucesso. a área urbana de Mutum-Paraná, por exemplo, a gente negociou amigavelmente em 96% dos casos.
Que lições a experiência de Jirau deixa para possíveis futuras obras, como Belo Monte?
ALAJ: Acho que é a parte toda de planejamento ligada a interfaces com os governos – federal, estadual, prefeituras. Foi uma evolução o protocolo de intenções assinado com o governo do estado e a prefeitura sobre responsabilidades do empreendedor para investir em infraestrutura de saúde, segurança, educação. Entretanto, não tem uma definição exata sobre em que ele vai alocar esses recursos. Então, é importante que esse “pacto” seja feito antes do empreendimento, durante o licenciamento prévio, para que o empreendedor entre no leilão já sabendo quais são suas responsabilidades. E não entrar em negociações em uma obra em andamento, porque aí pode haver definição muito por interesse político.
Que é o desafio político que vocês citaram no início.
ALAJ: Exatamente. Se tivesse essas definições antes, o empreendedor chegaria no processo da concessão já sabendo que terá de construir um hospital de determinado tamanho em tal local. Então ele já pode implantar o hospital junto com a obra, ou antes da obra. Muitas reclamações acontecem em por causa dessa infraestrutura que já podia estar pronta, mas não está. Tem muita gente indo pra Belo Monte e a “infra” não está pronta, porque a empresa não tem a licença de instalação (que veio a ser concedida em 1º de junho). A nossa solução foi construir muito rapidamente, em um ano, uma cidade inteira para absorver essa pressão.
VP: Uma coisa que fica muito clara agora é que a gente tem uma cidade de 20 mil pessoas dentro da obra. Fizemos uma doação de uma casa para o Conselho Tutelar, de uma casa para o Ministério do Trabalho. Se o cara tem uma queixa trabalhista, tinha que ir a Porto Velho. Então a gente trouxe o Estado, o Poder Público, para dentro da obra. Põe o Ministério Público dentro da obra, põe o Ibama dentro da obra. Depois disso tudo, o pessoal percebeu que tem que estar mais junto. O Estado tem que estar lá dentro.
Que cenário o setor privado que opera com hidrelétricas tem feito, considerando-se a mudança climática e a alteração no regime de chuvas, que impacta especialmente usinas a fio d’água? Porque a gente sabe que a Amazônia será bastante afetada com a mudança de clima. Vocês estão fazendo algum estudo sobre isso?
VP: Quando se faz esse tipo de estudo, são séries de 150 anos.
A gente falou aqui em um prazo longo, que são os 35 anos da concessão. Em 35 anos, é possível haver bastante mudança no clima. Ela já está acontecendo…
VP: Não é regime que impacte uma hidrelétrica. O volume do Madeira são 25 mil metros cúbicos por segundo.
O que vocês acham das fontes alternativas à hidreletricidade?
VP: Eu acho que em 30 anos teremos coisas muito interessantes. Hoje elas são de baixa eficiência.
E por que a eficiência das fontes alternativas é baixa? Será que é porque não houve incentivo, políticas para desenvolvimento, assim como houve para a hidreletricidade e o etanol no Brasil?
ALAJ: Imagine 3.750 MW, que é o tamanho de Jirau, em energia eólica. Imagine o impacto que isso iria causar.
VP: A Microsoft não vai acabar por falta de computador. Vai desaparecer porque vai ter gente fazendo coisa melhor e mais barata. Energia hidro, térmica à carvão, isso vai acabar porque vão aparecer coisas novas do ponto de vista tecnológico.
Já que não existe energia sem impacto, a melhor maneira é reduzir a demanda por ela, concorda? Por meio de eficiência energética, por exemplo.
VP: Quantos filhos você tem?
Dois.
VP: Se tivesse um, teria menos impacto. Eu tenho três.
Estou ganhando… (risos)
VP: Se o Brasil fizer o mais fino que tiver em termos de tecnologia, ganham-se uns 5% a mais em eficiência energética.
Só isso?
VP: Você está escutando muito vendedor de turbina.
O que vocês acham dos relatórios que algumas ONGs como Greenpeace e WWF fizeram, juntamente com pesquisadores acadêmicos, sobre a energia poupada por meio de eficiência energética, repotenciação de usinas, combate ao desperdício, uso de fontes alternativas etc.? (o [R]evolução Energética e o Agenda Elétrica Sustentável 2020)
VP: Tem gente séria e tem gente não séria. Você acredita em estudo médico? Meu pai era médico.
O senhor quer dizer que um estudo pode ser usado para se provar qualquer coisa que interesse?
VP: Tem gente séria e tem gente não séria.
Então, do mesmo modo, o outro lado (os estudos que provam a necessidade de se fazer novas hidrelétricas) também pode estar errado?
VP: Também.
O senhor falou agora há pouco em produtividade. Estamos falando de produtividade no uso da energia também. A gente está falando em fazer mais com menos.
ALAJ: Essa é a base de tudo. Essa camisa aqui, por exemplo, tem quatro anos. Eu preciso comprar uma nova a cada seis meses?
VP: Gente, espera um instantinho. A gente tem que tomar um cuidado muito grande, Antonio. A natureza humana é querer melhorar.
ALAJ: Mas você não deixa de melhorar se fizer um uso mais consciente…
VP: Lembra da túnica do Mao? Tinha que ter três botões, porque, se tivesse quatro, era 1 bilhão de botões a mais. E tinha de ser cinza, para aparecer menos a sujeira e não precisar usar corante.
Mas ninguém está falando isso, a gente está falando em aumento de produtividade e eficiência.
VP: Você precisa usar batom? Mas usa, e tem prazer em usar, assim como minha esposa. Você precisa de um tablet? Não, mas vai ter. O consumo faz parte da sociedade. A gente não consegue mudar a natureza humana…
ALAJ: Eu entendo que a forma de desenvolvimento americano e europeu não dá para todo mundo…
Exatamente, a conta não fecha. Vocês, que são engenheiros, podem fazer essa conta.
VP: A conta vai fechar. Vocês já leram Malthus? Malthus provava (em 1798) que o mundo ia acabar por falta de comida com o aumento da população.
O senhor tem lido os neomalthusianos? A questão da oferta de alimentos está aí de volta, ainda mais com projeções de escassez de água, mudança climática etc.
VP: Vocês leram 2050 (O mundo em 2050, de Lawrence Smith)? É um livro que está na moda, de um ambientalista radical. Ele mostra qual será uma das áreas mais promissoras de produção de alimentos: a tundra do Canadá e da ex-URSS, justamente por conta do aquecimento global. A tecnologia vai mudar o mundo, como já tem mudado.