Por Amália Safatle
O professor Oscar Vilhena discorre sobre a contribuição que a universidade deveria dar à formação ética dos alunos
Até que ponto a universidade contribui para a formação ética de seus formandos? Esta é uma pergunta para a qual ainda há poucas respostas no Brasil, um dos muitos países que padecem de corrupção. Nesta provocativa entrevista, Oscar Vilhena Vieira afirma que sempre teve uma perspectiva crítica aos gestores de escolas que se vangloriam do sucesso de seus alunos, bem colocados no mercado de trabalho e em posições de poder, mas que pouco se dão conta de quantos formados nessas escolas estão envolvidos em casos de fraude ou corrupção. A boa notícia é que crescentemente a sociedade tem exigido dos profissionais resultados que vão além do mero sucesso econômico e status político. Ao entender que o comportamento ético considera no outro um interesse a ser respeitado, não basta “se dar bem” ao atender as demandas de mercado – é preciso fazer isso sem prejuízo ambiental, trabalhista, social ou do ponto de vista dos direitos humanos.
Segundo ele, o Direito tem respondido a essa pressão elevando obrigações até então consideradas morais ao nível de obrigações legais. No campo empresarial, isso significa, por exemplo, uma responsabilização maior por eventuais omissões, englobando toda sua cadeia produtiva. “Essa mudança no comportamento jurídico em todo o mundo é importante, para que os empresários redobrem os cuidados, não só para ter melhor posicionamento no mercado, como também para evitar problemas jurídicos adversos”, alerta.
Em uma palestra recente, o senhor comentou uma pesquisa que comparou os cursos de Direito, Economia e Administração, mostrando como estes “deformavam” o caráter dos estudantes do decorrer do curso. Poderia falar mais a respeito?
É uma pesquisa feita nos Estados Unidos em que alunos receberam um questionário sobre o comportamento ético no início e no fim dos cursos. Notou-se que eles atingiam maiores pontuações ao entrar na universidade do que ao sair. Sem dúvida, há uma responsabilidade dos gestores dessas universidades sobre os cursos e é preciso pensar de que maneira estes têm contribuído para a formação dos jovens.
Sempre tive uma perspectiva crítica aos gestores de escolas de ponta que se vangloriam do sucesso de seus alunos. “X pessoas entre os ministros do Supremo Tribunal Federal são da minha escola, Y presidentes da República saíram daqui, tantos CEOs foram formados na minha escola etc.” Mas não damos conta de quando há um escândalo de corrupção em que vários que vieram dessas escolas estavam envolvidos, ou quando há um caso de fraude. Então, essas escolas de ponta têm de pensar se sua educação está sendo em alguma medida conivente com processos não éticos. Quanto mais influente a escola, maior deve ser a preocupação, pois seus alunos ocuparão posições-chave na sociedade.
Escola de ponta significa o quê?
São as que têm enorme prestígio acadêmico e forte inserção dos alunos no mercado de trabalho. O interessante é que se espera – ao menos em uma escola de Direito – que os estudantes saiam com um padrão mais rígido do ponto de vista ético. As escolas de Economia são as que mais mudam o padrão e talvez isso seja resultado de um modelo econômico que hoje impera nessas escolas. As escolas são o elo de uma cadeia em que estão formando o mercado de trabalho e o mercado tem uma dinâmica que as escolas reproduzem. É preciso haver uma autoridade acadêmica e não ficar a reboque do mercado. As escolas têm de ser capazes de contribuir para formar alguém que no futuro vai repropor as regras do mercado.
Talvez o problema central seja que, no decorrer dos anos, as escolas passem a ser simplesmente formadoras daquilo que o mercado demanda e não as reformadoras, aquelas que pensam com autonomia, aquelas que propõem um tipo de profissional que eventualmente terá um curto-circuito com o mercado, senão ela abdicou de sua função de escola.
Isso porque essas escolas em geral têm uma linha conservadora?
Não. Há uma demanda de mercado para que esses gestores, advogados e economistas gerem riquezas para suas empresas. Portanto, o imperativo fundamental é o de aumentar o enriquecimento dessas empresas. Certamente as faculdades reproduzem essas demandas e abdicam de contribuir para uma formação na qual os limites a esses processos de crescimento se dão em favor de outros valores.
Assim como feito nos EUA, é possível avaliar esses cursos no Brasil?
Que eu saiba, não temos uma pesquisa assim, mas deveríamos fazê-la e ter olhos muito atentos para aquilo que os nossos profissionais eventualmente causam. Quando você pega um escândalo como o da Enron, quem é que fez aquela contabilidade? De onde saíram aqueles profissionais? Se há corrupção na administração de uma empresa, quem são os gestores? Isso seria até um material muito rico para se estudar nas escolas. Além de se preocupar com o seu sucesso, as escolas deveriam se preocupar também com seus fracassos. As americanas fazem essa medição de forma muito contundente, até porque querem fazer fund-raising (captação de recursos) com seus ex-alunos.
Qual seria um exemplo da deformação do caráter ao longo do período em que o aluno está na universidade?
A discussão do comportamento ético é a análise de como uma pessoa se comporta em relação ao outro. A ética regula as relações de como eu maximizo meu interesse ou levo o outro em consideração, compreendendo que ele também tem um interesse a ser respeitado. O aluno que termina o Ensino Médio, pelo menos nos Estados Unidos, tem maior clareza de que o outro é merecedor de respeito do que quando sai da universidade. Talvez porque os estudos e os treinamentos são voltados para que as pessoas garantam o sucesso de sua empresa e seu trabalho e desconsiderem outros problemas – se as ações geram impacto ambiental, trabalhista ou se discriminam algum setor da sociedade. Como você foi treinado na sua empresa a maximizar recursos, abdica-se de outras coisas em favor disso.
O motivo pelo qual estamos fazendo isso e o que está errado são discussões enormes. É possível ensinar ética? Ou a ética está no caráter? É possível, nessa idade, mudar o caráter, ou é preciso passar por experiências muito fortes? O que se pode fazer para que o aluno tenha um choque de realidade e entenda que tudo o que fazemos tem consequências sobre os outros? Na idade dos estudantes é preciso criar experiências fortes.
Aqui (na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas) há uma tendência de os jovens passarem por uma “clínica de interesse público”, em que experimentam as agruras de outros setores da sociedade. Por exemplo: uma clínica de negócios inclusivos. Os alunos lidam com uma cooperativa de catadores de lixo para experimentar o que é a vida daqueles que coletam o que a sociedade despreza. Espero que isso sensibilize o aluno e que ele crie outra dimensão para sua formação como advogado. Isso é mais eficaz do que ficar dizendo (em sala de aula) “o que o outro significa conforme Kant”.
Apesar do que aparece no perfil dos alunos da pesquisa realizada nos EUA, há uma pressão crescente da sociedade para que as empresas ajam de uma maneira cada vez mais ética, considerando o “outro”, social e ambientalmente. Estamos aperfeiçoando os mecanismos de obrigação moral das empresas?
A discussão sobre responsabilidade social e ambiental tem ângulos distintos quando vista por um advogado ou por um empresário. Por um lado, as empresas estão percebendo que existem movimentos sociais ou motivações dos próprios governos entendendo que a função da empresa não é só gerar empregos e bens de utilidade para a sociedade. As pessoas precisam de sapatos e, quando a indústria os fabrica, está exercendo uma função social; em contrapartida, a empresa tem lucro. Essa é a equação básica do (economista Joseph) Schumpeter sobre o que é uma empresa.
Só que a indústria também deve tomar cuidados para não prejudicar o meio ambiente. Se ela poluiu um rio ao produzir o sapato, fez um bem social, mas também um mal social. Cada vez mais há uma consciência por parte dos consumidores de que eles querem ter o que precisam – desde que não seja em detrimento de algo. O meio ambiente talvez tenha sido a primeira coisa (a suscitar esse questionamento). Hoje se pensa que o meu conforto não pode se dar em detrimento do conforto do meu filho (as gerações futuras).
Como a responsabilidade social empresarial se relaciona com o respeito aos direitos humanos?
Pelo viés jurídico, a responsabilidade das empresas no campo dos direitos humanos não é de adesão voluntária. Não é uma questão de querer que a empresa tenha uma boa imagem no mercado e que o consumidor saiba que é bacana e tem preocupação com a área social. Direitos humanos são um conjunto de obrigações legais, não estão no campo da escolha, e sim da submissão.
Na última década, especialmente no âmbito das Nações Unidas, vemos uma tentativa de extrair dos diversos documentos sobre direitos humanos – criados fundamentalmente para constranger a ação do Estado, como na Alemanha nazista – o estabelecimento de obrigações para outros setores também, que não apenas o Estado. Hoje, existe um conjunto claro de quais seriam essas obrigações.
Por exemplo, sabemos que a Constituição brasileira e a Convenção da ONU sobre discriminação proíbem não só o Estado de discriminar racialmente, mas uma empresa também. Ao escolher minha secretária, entre duas com competências iguais, não posso optar pela branca em detrimento da negra. Isso é uma obrigação legal.
Só que, hoje, muitas coisas colocadas como parte de um pacote de responsabilidades sociais que são aparentemente favoráveis à imagem de uma empresa são, na verdade, responsabilidades legais. Por exemplo, em relação aos funcionários, há uma série de obrigações, como número mínimo de empregados com deficiência física, não haver discriminação em função da idade, da raça, opção sexual.
Em geral isso é mostrado como uma qualidade a mais da empresa que consta nos relatórios de sustentabilidade etc.
Até deve ser mostrado para ser inspirador para outras empresas. Só que são obrigações legais estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor ou pela Constituição. Tudo isso se complica quando delegamos às empresas responsabilidades por uma cadeia com a qual se relacionam.
Se a empresa estiver vulnerável ao contar com um fornecedor problemático, tem a obrigação legal de tomar todas as precauções. Se não tomar, pode ser responsabilizada por omissão. Isso está cada vez mais forte e o Direito está evoluindo.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso do mensalão, é uma espécie de cristalização dessa lógica. Se há uma pessoa no topo de uma organização complexa e essa organização comete um ato ilegal, aquela pessoa teria obrigação de ter conhecimento, devido à sua função. E pode ser responsabilizada. Estão cada vez mais frágeis argumentos como: “Se eu não tenho conhecimento de tal coisa, não tenho responsabilidade”.
Mesmo tendo quem diga que não há provas concretas ou muito claras de que houve crime no caso do mensalão.
O que são provas? Há vários tipos. A maioria do Supremo diz que tem provas. Há as documentais, como os cheques, que caíram em contas de deputados sem nenhuma explicação de por que aquilo foi recebido. Prova não é só o DNA do criminoso. Se uma menina é estuprada e há testemunhas que a viram sendo arrastada para dentro de uma casa pelo criminoso, isso é uma prova.
Estamos presenciando uma mudança nos tribunais jurídicos Todo sabemos que, quando 15 mil homens vão para uma comunidade, há riscos enormes ao redor do mundo no que diz respeito ao direito empresarial. Você antes tinha uma percepção de que a responsabilidade do gestor era mais difícil de ser determinada por atos da empresa que tivesse impactos negativos. O gestor tem responsabilidade pela mão de obra, pela devastação florestal, pela política de não discriminação a homossexuais.
Uma empresa que transporta óleo na Baía de Guanabara – e sabe do risco disso – tomou todos os cuidados necessários para que um derramamento de óleo não acontecesse? O que o conselho da empresa disse? Disse: “Vamos fazer um investimento” ou “Vamos ignorar isso, porque o risco é pequeno?”
Assim como no caso da Boate Kiss (que pegou fogo em Santa Maria, RS, em janeiro, matando 241 pessoas), onde se optou por um forro com espuma mais barata.
Sim. Quanto custava essa espuma? Há o material para o teto que custa 100, um que custa 50 e outro, 20. O dono do local pensa: “Existiu algum caso de boate que pegou fogo com essa espuma? Não? Então compre a mais barata”.
Uma empresa que coloca 15 mil homens na Amazônia para fazer mineração ou uma hidrelétrica, por exemplo, deve saber dos riscos, até porque o histórico já mostrou os vários problemas que costumam acontecer nesses empreendimentos.
Todos sabemos que, quando 15 mil homens vão para uma comunidade – principalmente se for pequena –, há um risco enorme de aumento de estupros, de violência, prostituição, e de prostituição infantil. A empresa deve ter um conjunto enorme de cuidados para que essas coisas não ocorram. O pensamento não pode ser apenas “Nossa função é construir uma usina e o que meu funcionário faz nas horas vagas não é nosso problema”.
E se a empresa tomar as medidas para evitar, mas mesmo assim esses problemas acontecerem?
Se ela tomar medidas, isso reduz muito sua responsabilidade, que pode passar de criminal para civil, indenizatória. No campo jurídico, hoje as pessoas entendem melhor que as omissões geram responsabilidades. São omissões que poderiam obstaculizar ações que infringem os direitos humanos ou questões de corrupção, de meio ambiente. Essa mudança no comportamento jurídico em todo o mundo é importante, para que os empresários redobrem os cuidados, não só para ter melhor posicionamento no mercado, em termos de visibilidade, assim como para evitar problemas jurídicos adversos, que vão desde a responsabilização financeira até prejuízos aos negócios.
Essa mudança no comportamento jurídico pode influenciar de algum modo as universidades que medem o sucesso pela quantidade de pessoas que ocupam cargos relevantes? Quando essas pessoas “que se dão bem” do ponto de vista econômico passam a ter prejuízos morais e legais, isso pode mudar o entendimento sobre o que é o sucesso e, assim, induzir a um comportamento mais ético?
O Direito, em alguma medida, é um primo distante da Ética, pois tenta equacionar como nos comportamos no mundo. Por um lado, o Direito responde à economia, porque estrutura as regras para garantir a eciência do funcionamento da economia. Ao regular o funcionamento da Bolsa de Valores, criam-se regras para que as pessoas façam investimentos e tenham lucro.
Mas sua função não é garantir o funcionamento do mercado. Ele tem de garantir também que o meio ambiente não se deteriore, que as pessoas consigam sobreviver com um mínimo de igualdade. Esse é o equilíbrio que a democracia fala o tempo todo. E o Direito é o espelho desse equilíbrio.
O movimento da sustentabilidade foi muito bem-sucedido ao criar uma cultura de que o sucesso não significa apenas o grande enriquecimento, mas também é medido pela capacidade de prover bens úteis socialmente, como a melhoria da comunidade, a preservação do meio ambiente, a existência de funcionários satisfeitos com o trabalho. O lucro deixa de ser a única métrica.
Uma pesquisa da Harvard Business School com grandes empresas mostrou que não existe relação entre as melhores ações ambientais e desempenho econômico. Há empresas altamente protetoras do meio ambiente que vão bem economicamente e outras que vão mal. Acho positivo, porque a empresa pode ser ambientalmente responsável sem levar desvantagem com a concorrência. E, ao mesmo tempo, na medida em que o consumidor fica cada vez mais consciente, pressiona para que todo o setor empresarial também tenha ações cada vez mais sustentáveis. Do ponto de vista jurídico, o que era ato voluntário vai sendo transformado em obrigação jurídica.
Um exemplo concreto do Brasil é a legislação ambiental. Antes, eram atos bacanas de ser feitos e hoje são obrigação. As regras trabalhistas passaram por esse movimento. Hoje é regra a contratação de um número mínimo de deficientes físicos. Quando a Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos) começou a atuar, dava um selinho para quem fabricava brinquedos que a criança não engolisse e morresse. Hoje, oferecer segurança é obrigação. Tudo o que começa com um certo grau de voluntariedade tende a se formalizar.
A respeito da formalização, vemos o movimento da sustentabilidade formando um novo partido e se institucionalizando para buscar um poder mais efetivo que não só por meio da pressão da sociedade civil. Mas, ao entrar em um sistema cheio de vícios e problemas, existe o risco de ter que se adequar a um formato e perder os ideais originais, não é?
Toda sociedade plural – em que indivíduos pensam diferente – tem a necessidade de resolver o conflito entre as pessoas. Quanto mais plural, mais complicada é a solução. Há religiões, estilos de vida, etnias em discussão e o sistema democrático é o melhor inventado até hoje para isso. Para uma sociedade plural, não existe um caminho que não passe pela política. É inescapável. E a melhor forma que encontramos é a forma democrática. Tem gente que vai discordar de mim e dizer que o mais inteligente ou mais forte deve comandar. Mas nós, na democracia, temos direito de escolher. O fundamento da democracia é moral: eu não valho mais que você e você não vale mais que eu e nenhum de nós vale mais que o faxineiro aqui da escola. Todos temos os mesmos direitos a voto.
Os partidos nascem por diversos motivos. Às vezes, mesquinhos e canalhas, com o objetivo de usar a esfera de poder para alcançar objetivos pessoais. Às vezes buscam atender demandas da sociedade, como os históricos. O Partido Verde, quando surge na Alemanha, vem da percepção de que o capitalismo não dava conta do impacto que a industrialização estava trazendo. Assim como o Partido Trabalhista inglês, que percebia que a economia ia bem, mas o povo estava morrendo, estava sem educação.
É natural, é bacana, é democrático que alguém com uma ideia se disponha a ir para a luta política – que é dura e feita de muitas derrotas. Mas é um belíssimo projeto. Afinal, uma das coisas mais preocupantes no momento é a incapacidade do sistema político de oferecer à sociedade propostas de um mundo distinto daquele no qual vivemos.
A política é isso: uma esfera de construção do que não está pronto. A política oferece a ideia de que o mundo pode ser diferente, de que São Paulo pode viver sem trânsito. Como fazer isso acontecer? Não basta um engenheiro desenhar, as pessoas precisam aderir, abdicar de seus carros, ser convencidas a mudar o pensamento. Então, a política é a única forma de transformação. É onde apresento minha ideia, tento convencer as pessoas, e a partir disso a mudança ocorre. Fora isso, são soluções autoritárias: proíbe-se todo mundo de andar de carro em São Paulo.
O Lula usou uma frase que achei magnífica, quando foi criticado de ter conversado com o presidente do Irã (Mahmoud Ahmadinejad): “Fora a alternativa de conversar, que é da natureza da política, a outra é fazer guerra. Eu converso”. A política é isso, você conversa com o inimigo, transaciona. Em uma sociedade complexa, nós somos coordenados e só temos uma opção além da via autoritária: que nós participemos da coordenação. Se eu abdico do direito de participar, os outros fazem o que bem entendem. Parabéns ao grupo que esteja fazendo não só este (Rede Sustentabilidade), como outros. Acho que este é um partido muito importante.
Gostaria de comentar algo mais?
Uma coisa que vocês não perguntaram: o senso comum é que o tema dos Direitos Humanos é algo complicado de se trazer a um projeto empresarial. Uma campanha forte contra os direitos humanos estourou na época em que a criminalidade tinha aumentado no Brasil, fomentando a visão dos mais conservadores de que isso era “coisa de bandido”. Há, no entanto, uma pesquisa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos em que se observa que essa ideia está diminuindo com o tempo e com as novas gerações. Os mais jovens têm uma percepção muito mais positiva do que aqueles que passaram pelo processo de transição democrática, na minha geração.
Na medida em que as gerações surgem, passa a haver uma simpatia com os direitos humanos e uma percepção de que aquilo que eu quero pra mim eu também tenho de querer para o outro. O fato de as mulheres terem usado essa bandeira fez com que metade da população estivesse incluída nessa luta. Quando o Movimento Negro ou os gays têm como argumento os direitos humanos, também ganham mais simpatia.
Leia mais sobre ética na reportagem “Assim caminha a humanidade”
[:en]O professor Oscar Vilhena discorre sobre a contribuição que a universidade deveria dar à formação ética dos alunos
Até que ponto a universidade contribui para a formação ética de seus formandos? Esta é uma pergunta para a qual ainda há poucas respostas no Brasil, um dos muitos países que padecem de corrupção.
Nesta provocativa entrevista, Oscar Vilhena Vieira afirma que sempre teve uma perspectiva crítica aos gestores de escolas que se vangloriam do sucesso de seus alunos, bem colocados no mercado de trabalho e em posições de poder, mas que pouco se dão conta de quantos formados nessas escolas estão envolvidos em casos de fraude ou corrupção. A boa notícia é que crescentemente a sociedade tem exigido dos profissionais resultados que vão além do mero sucesso econômico e status político. Ao entender que o comportamento ético considera no outro um interesse a ser respeitado, não basta “se dar bem” ao atender as demandas de mercado – é preciso fazer isso sem prejuízo ambiental, trabalhista, social ou do ponto de vista dos direitos humanos.
Segundo ele, o Direito tem respondido a essa pressão elevando obrigações até então consideradas morais ao nível de obrigações legais. No campo empresarial, isso significa, por exemplo, uma responsabilização maior por eventuais omissões, englobando toda sua cadeia produtiva. “Essa mudança no comportamento jurídico em todo o mundo é importante, para que os empresários redobrem os cuidados, não só para ter melhor posicionamento no mercado, como também para evitar problemas jurídicos adversos”, alerta.
Em uma palestra recente, o senhor comentou uma pesquisa que comparou os cursos de Direito, Economia e Administração, mostrando como estes “deformavam” o caráter dos estudantes do decorrer do curso. Poderia falar mais a respeito?
É uma pesquisa feita nos Estados Unidos em que alunos receberam um questionário sobre o comportamento ético no início e no fim dos cursos. Notou-se que eles atingiam maiores pontuações ao entrar na universidade do que ao sair. Sem dúvida, há uma responsabilidade dos gestores dessas universidades sobre os cursos e é preciso pensar de que maneira estes têm contribuído para a formação dos jovens.
Sempre tive uma perspectiva crítica aos gestores de escolas de ponta que se vangloriam do sucesso de seus alunos. “X pessoas entre os ministros do Supremo Tribunal Federal são da minha escola, Y presidentes da República saíram daqui, tantos CEOs foram formados na minha escola etc.” Mas não damos conta de quando há um escândalo de corrupção em que vários que vieram dessas escolas estavam envolvidos, ou quando há um caso de fraude. Então, essas escolas de ponta têm de pensar se sua educação está sendo em alguma medida conivente com processos não éticos. Quanto mais influente a escola, maior deve ser a preocupação, pois seus alunos ocuparão posições-chave na sociedade.
Escola de ponta significa o quê?
São as que têm enorme prestígio acadêmico e forte inserção dos alunos no mercado de trabalho. O interessante é que se espera – ao menos em uma escola de Direito – que os estudantes saiam com um padrão mais rígido do ponto de vista ético. As escolas de Economia são as que mais mudam o padrão e talvez isso seja resultado de um modelo econômico que hoje impera nessas escolas. As escolas são o elo de uma cadeia em que estão formando o mercado de trabalho e o mercado tem uma dinâmica que as escolas reproduzem. É preciso haver uma autoridade acadêmica e não ficar a reboque do mercado. As escolas têm de ser capazes de contribuir para formar alguém que no futuro vai repropor as regras do mercado.
Talvez o problema central seja que, no decorrer dos anos, as escolas passem a ser simplesmente formadoras daquilo que o mercado demanda e não as reformadoras, aquelas que pensam com autonomia, aquelas que propõem um tipo de profissional que eventualmente terá um curto-circuito com o mercado, senão ela abdicou de sua função de escola.
Isso porque essas escolas em geral têm uma linha conservadora?
Não. Há uma demanda de mercado para que esses gestores, advogados e economistas gerem riquezas para suas empresas. Portanto, o imperativo fundamental é o de aumentar o enriquecimento dessas empresas. Certamente as faculdades reproduzem essas demandas e abdicam de contribuir para uma formação na qual os limites a esses processos de crescimento se dão em favor de outros valores.
Assim como feito nos EUA, é possível avaliar esses cursos no Brasil?
Que eu saiba, não temos uma pesquisa assim, mas deveríamos fazê-la e ter olhos muito atentos para aquilo que os nossos profissionais eventualmente causam. Quando você pega um escândalo como o da Enron, quem é que fez aquela contabilidade? De onde saíram aqueles profissionais? Se há corrupção na administração de uma empresa, quem são os gestores? Isso seria até um material muito rico para se estudar nas escolas. Além de se preocupar com o seu sucesso, as escolas deveriam se preocupar também com seus fracassos. As americanas fazem essa medição de forma muito contundente, até porque querem fazer fund-raising (captação de recursos) com seus ex-alunos.
Qual seria um exemplo da deformação do caráter ao longo do período em que o aluno está na universidade?
A discussão do comportamento ético é a análise de como uma pessoa se comporta em relação ao outro. A ética regula as relações de como eu maximizo meu interesse ou levo o outro em consideração, compreendendo que ele também tem um interesse a ser respeitado. O aluno que termina o Ensino Médio, pelo menos nos Estados Unidos, tem maior clareza de que o outro é merecedor de respeito do que quando sai da universidade. Talvez porque os estudos e os treinamentos são voltados para que as pessoas garantam o sucesso de sua empresa e seu trabalho e desconsiderem outros problemas – se as ações geram impacto ambiental, trabalhista ou se discriminam algum setor da sociedade. Como você foi treinado na sua empresa a maximizar recursos, abdica-se de outras coisas em favor disso.
O motivo pelo qual estamos fazendo isso e o que está errado são discussões enormes. É possível ensinar ética? Ou a ética está no caráter? É possível, nessa idade, mudar o caráter, ou é preciso passar por experiências muito fortes? O que se pode fazer para que o aluno tenha um choque de realidade e entenda que tudo o que fazemos tem consequências sobre os outros? Na idade dos estudantes é preciso criar experiências fortes.
Aqui (na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas) há uma tendência de os jovens passarem por uma “clínica de interesse público”, em que experimentam as agruras de outros setores da sociedade. Por exemplo: uma clínica de negócios inclusivos. Os alunos lidam com uma cooperativa de catadores de lixo para experimentar o que é a vida daqueles que coletam o que a sociedade despreza. Espero que isso sensibilize o aluno e que ele crie outra dimensão para sua formação como advogado. Isso é mais eficaz do que ficar dizendo (em sala de aula) “o que o outro significa conforme Kant”.
Apesar do que aparece no perfil dos alunos da pesquisa realizada nos EUA, há uma pressão crescente da sociedade para que as empresas ajam de uma maneira cada vez mais ética, considerando o “outro”, social e ambientalmente. Estamos aperfeiçoando os mecanismos de obrigação moral das empresas?
A discussão sobre responsabilidade social e ambiental tem ângulos distintos quando vista por um advogado ou por um empresário. Por um lado, as empresas estão percebendo que existem movimentos sociais ou motivações dos próprios governos entendendo que a função da empresa não é só gerar empregos e bens de utilidade para a sociedade. As pessoas precisam de sapatos e, quando a indústria os fabrica, está exercendo uma função social; em contrapartida, a empresa tem lucro. Essa é a equação básica do (economista Joseph) Schumpeter sobre o que é uma empresa.
Só que a indústria também deve tomar cuidados para não prejudicar o meio ambiente. Se ela poluiu um rio ao produzir o sapato, fez um bem social, mas também um mal social. Cada vez mais há uma consciência por parte dos consumidores de que eles querem ter o que precisam – desde que não seja em detrimento de algo. O meio ambiente talvez tenha sido a primeira coisa (a suscitar esse questionamento). Hoje se pensa que o meu conforto não pode se dar em detrimento do conforto do meu filho (as gerações futuras).
Como a responsabilidade social empresarial se relaciona com o respeito aos direitos humanos?
Pelo viés jurídico, a responsabilidade das empresas no campo dos direitos humanos não é de adesão voluntária. Não é uma questão de querer que a empresa tenha uma boa imagem no mercado e que o consumidor saiba que é bacana e tem preocupação com a área social. Direitos humanos são um conjunto de obrigações legais, não estão no campo da escolha, e sim da submissão.
Na última década, especialmente no âmbito das Nações Unidas, vemos uma tentativa de extrair dos diversos documentos sobre direitos humanos – criados fundamentalmente para constranger a ação do Estado, como na Alemanha nazista – o estabelecimento de obrigações para outros setores também, que não apenas o Estado. Hoje, existe um conjunto claro de quais seriam essas obrigações.
Por exemplo, sabemos que a Constituição brasileira e a Convenção da ONU sobre discriminação proíbem não só o Estado de discriminar racialmente, mas uma empresa também. Ao escolher minha secretária, entre duas com competências iguais, não posso optar pela branca em detrimento da negra. Isso é uma obrigação legal.
Só que, hoje, muitas coisas colocadas como parte de um pacote de responsabilidades sociais que são aparentemente favoráveis à imagem de uma empresa são, na verdade, responsabilidades legais. Por exemplo, em relação aos funcionários, há uma série de obrigações, como número mínimo de empregados com deficiência física, não haver discriminação em função da idade, da raça, opção sexual.
Em geral isso é mostrado como uma qualidade a mais da empresa que consta nos relatórios de sustentabilidade etc.
Até deve ser mostrado para ser inspirador para outras empresas. Só que são obrigações legais estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor ou pela Constituição. Tudo isso se complica quando delegamos às empresas responsabilidades por uma cadeia com a qual se relacionam.
Se a empresa estiver vulnerável ao contar com um fornecedor problemático, tem a obrigação legal de tomar todas as precauções. Se não tomar, pode ser responsabilizada por omissão. Isso está cada vez mais forte e o Direito está evoluindo.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso do mensalão, é uma espécie de cristalização dessa lógica. Se há uma pessoa no topo de uma organização complexa e essa organização comete um ato ilegal, aquela pessoa teria obrigação de ter conhecimento, devido à sua função. E pode ser responsabilizada. Estão cada vez mais frágeis argumentos como: “Se eu não tenho conhecimento de tal coisa, não tenho responsabilidade”.
Mesmo tendo quem diga que não há provas concretas ou muito claras de que houve crime no caso do mensalão.
O que são provas? Há vários tipos. A maioria do Supremo diz que tem provas. Há as documentais, como os cheques, que caíram em contas de deputados sem nenhuma explicação de por que aquilo foi recebido. Prova não é só o DNA do criminoso. Se uma menina é estuprada e há testemunhas que a viram sendo arrastada para dentro de uma casa pelo criminoso, isso é uma prova.
Estamos presenciando uma mudança nos tribunais jurídicos Todo sabemos que, quando 15 mil homens vão para uma comunidade, há riscos enormes ao redor do mundo no que diz respeito ao direito empresarial. Você antes tinha uma percepção de que a responsabilidade do gestor era mais difícil de ser determinada por atos da empresa que tivesse impactos negativos. O gestor tem responsabilidade pela mão de obra, pela devastação florestal, pela política de não discriminação a homossexuais.
Uma empresa que transporta óleo na Baía de Guanabara – e sabe do risco disso – tomou todos os cuidados necessários para que um derramamento de óleo não acontecesse? O que o conselho da empresa disse? Disse: “Vamos fazer um investimento” ou “Vamos ignorar isso, porque o risco é pequeno?”
Assim como no caso da Boate Kiss (que pegou fogo em Santa Maria, RS, em janeiro, matando 241 pessoas), onde se optou por um forro com espuma mais barata.
Sim. Quanto custava essa espuma? Há o material para o teto que custa 100, um que custa 50 e outro, 20. O dono do local pensa: “Existiu algum caso de boate que pegou fogo com essa espuma? Não? Então compre a mais barata”.
Uma empresa que coloca 15 mil homens na Amazônia para fazer mineração ou uma hidrelétrica, por exemplo, deve saber dos riscos, até porque o histórico já mostrou os vários problemas que costumam acontecer nesses empreendimentos.
Todos sabemos que, quando 15 mil homens vão para uma comunidade – principalmente se for pequena –, há um risco enorme de aumento de estupros, de violência, prostituição, e de prostituição infantil. A empresa deve ter um conjunto enorme de cuidados para que essas coisas não ocorram. O pensamento não pode ser apenas “Nossa função é construir uma usina e o que meu funcionário faz nas horas vagas não é nosso problema”.
E se a empresa tomar as medidas para evitar, mas mesmo assim esses problemas acontecerem?
Se ela tomar medidas, isso reduz muito sua responsabilidade, que pode passar de criminal para civil, indenizatória. No campo jurídico, hoje as pessoas entendem melhor que as omissões geram responsabilidades. São omissões que poderiam obstaculizar ações que infringem os direitos humanos ou questões de corrupção, de meio ambiente. Essa mudança no comportamento jurídico em todo o mundo é importante, para que os empresários redobrem os cuidados, não só para ter melhor posicionamento no mercado, em termos de visibilidade, assim como para evitar problemas jurídicos adversos, que vão desde a responsabilização financeira até prejuízos aos negócios.
Essa mudança no comportamento jurídico pode influenciar de algum modo as universidades que medem o sucesso pela quantidade de pessoas que ocupam cargos relevantes? Quando essas pessoas “que se dão bem” do ponto de vista econômico passam a ter prejuízos morais e legais, isso pode mudar o entendimento sobre o que é o sucesso e, assim, induzir a um comportamento mais ético?
O Direito, em alguma medida, é um primo distante da Ética, pois tenta equacionar como nos comportamos no mundo. Por um lado, o Direito responde à economia, porque estrutura as regras para garantir a eciência do funcionamento da economia. Ao regular o funcionamento da Bolsa de Valores, criam-se regras para que as pessoas façam investimentos e tenham lucro.
Mas sua função não é garantir o funcionamento do mercado. Ele tem de garantir também que o meio ambiente não se deteriore, que as pessoas consigam sobreviver com um mínimo de igualdade. Esse é o equilíbrio que a democracia fala o tempo todo. E o Direito é o espelho desse equilíbrio.
O movimento da sustentabilidade foi muito bem-sucedido ao criar uma cultura de que o sucesso não significa apenas o grande enriquecimento, mas também é medido pela capacidade de prover bens úteis socialmente, como a melhoria da comunidade, a preservação do meio ambiente, a existência de funcionários satisfeitos com o trabalho. O lucro deixa de ser a única métrica.
Uma pesquisa da Harvard Business School com grandes empresas mostrou que não existe relação entre as melhores ações ambientais e desempenho econômico. Há empresas altamente protetoras do meio ambiente que vão bem economicamente e outras que vão mal. Acho positivo, porque a empresa pode ser ambientalmente responsável sem levar desvantagem com a concorrência. E, ao mesmo tempo, na medida em que o consumidor fica cada vez mais consciente, pressiona para que todo o setor empresarial também tenha ações cada vez mais sustentáveis. Do ponto de vista jurídico, o que era ato voluntário vai sendo transformado em obrigação jurídica.
Um exemplo concreto do Brasil é a legislação ambiental. Antes, eram atos bacanas de ser feitos e hoje são obrigação. As regras trabalhistas passaram por esse movimento. Hoje é regra a contratação de um número mínimo de deficientes físicos. Quando a Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos) começou a atuar, dava um selinho para quem fabricava brinquedos que a criança não engolisse e morresse. Hoje, oferecer segurança é obrigação. Tudo o que começa com um certo grau de voluntariedade tende a se formalizar.
A respeito da formalização, vemos o movimento da sustentabilidade formando um novo partido e se institucionalizando para buscar um poder mais efetivo que não só por meio da pressão da sociedade civil. Mas, ao entrar em um sistema cheio de vícios e problemas, existe o risco de ter que se adequar a um formato e perder os ideais originais, não é?
Toda sociedade plural – em que indivíduos pensam diferente – tem a necessidade de resolver o conflito entre as pessoas. Quanto mais plural, mais complicada é a solução. Há religiões, estilos de vida, etnias em discussão e o sistema democrático é o melhor inventado até hoje para isso. Para uma sociedade plural, não existe um caminho que não passe pela política. É inescapável. E a melhor forma que encontramos é a forma democrática. Tem gente que vai discordar de mim e dizer que o mais inteligente ou mais forte deve comandar. Mas nós, na democracia, temos direito de escolher. O fundamento da democracia é moral: eu não valho mais que você e você não vale mais que eu e nenhum de nós vale mais que o faxineiro aqui da escola. Todos temos os mesmos direitos a voto.
Os partidos nascem por diversos motivos. Às vezes, mesquinhos e canalhas, com o objetivo de usar a esfera de poder para alcançar objetivos pessoais. Às vezes buscam atender demandas da sociedade, como os históricos. O Partido Verde, quando surge na Alemanha, vem da percepção de que o capitalismo não dava conta do impacto que a industrialização estava trazendo. Assim como o Partido Trabalhista inglês, que percebia que a economia ia bem, mas o povo estava morrendo, estava sem educação.
É natural, é bacana, é democrático que alguém com uma ideia se disponha a ir para a luta política – que é dura e feita de muitas derrotas. Mas é um belíssimo projeto. Afinal, uma das coisas mais preocupantes no momento é a incapacidade do sistema político de oferecer à sociedade propostas de um mundo distinto daquele no qual vivemos.
A política é isso: uma esfera de construção do que não está pronto. A política oferece a ideia de que o mundo pode ser diferente, de que São Paulo pode viver sem trânsito. Como fazer isso acontecer? Não basta um engenheiro desenhar, as pessoas precisam aderir, abdicar de seus carros, ser convencidas a mudar o pensamento. Então, a política é a única forma de transformação. É onde apresento minha ideia, tento convencer as pessoas, e a partir disso a mudança ocorre. Fora isso, são soluções autoritárias: proíbe-se todo mundo de andar de carro em São Paulo.
O Lula usou uma frase que achei magnífica, quando foi criticado de ter conversado com o presidente do Irã (Mahmoud Ahmadinejad): “Fora a alternativa de conversar, que é da natureza da política, a outra é fazer guerra. Eu converso”. A política é isso, você conversa com o inimigo, transaciona. Em uma sociedade complexa, nós somos coordenados e só temos uma opção além da via autoritária: que nós participemos da coordenação. Se eu abdico do direito de participar, os outros fazem o que bem entendem. Parabéns ao grupo que esteja fazendo não só este (Rede Sustentabilidade), como outros. Acho que este é um partido muito importante.
Gostaria de comentar algo mais?
Uma coisa que vocês não perguntaram: o senso comum é que o tema dos Direitos Humanos é algo complicado de se trazer a um projeto empresarial. Uma campanha forte contra os direitos humanos estourou na época em que a criminalidade tinha aumentado no Brasil, fomentando a visão dos mais conservadores de que isso era “coisa de bandido”. Há, no entanto, uma pesquisa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos em que se observa que essa ideia está diminuindo com o tempo e com as novas gerações. Os mais jovens têm uma percepção muito mais positiva do que aqueles que passaram pelo processo de transição democrática, na minha geração.
Na medida em que as gerações surgem, passa a haver uma simpatia com os direitos humanos e uma percepção de que aquilo que eu quero pra mim eu também tenho de querer para o outro. O fato de as mulheres terem usado essa bandeira fez com que metade da população estivesse incluída nessa luta. Quando o Movimento Negro ou os gays têm como argumento os direitos humanos, também ganham mais simpatia.
Leia mais sobre ética na reportagem “Assim caminha a humanidade”