Não, nem todo ambientalista é vegetariano. Mas que reduzir o consumo de carne ajuda – e muito – isso é inegável. Diante das graves constatações divulgadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), uma das maneiras mais à mão – ou da mão à boca – para contribuir com a redução de emissões é mexer nas formas de produzir e consumir alimentos, especialmente os de origem animal. Focalizando mais: sobretudo os de origem bovina.
O novo relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), intitulado Tackling Climate Change Through Livestock, ou Combatendo as Mudanças Climáticas por Meio da Pecuária, é contundente em reafirmar o efeito devastador da criação de dezenas de bilhões de animais. As palavras são da Human Society Internacional (HSI), organização voltada à proteção animal, que pegou uma carona no relatório da FAO para defender não somente a redução no consumo, mas o tratamento mais ético e digno na produção animal – causa das mais nobres.
No estudo, a FAO expõe que somente a criação de animais responde por 14,5% dos gases de efeito estufa gerados por atividades humanas (acesse no link). De acordo com um estudo de 2012, a pegada hídrica dos produtos de origem animal é seis vezes maior para a carne bovina, e uma vez e meia maior para carne de frango, ovos e laticínios, comparada à pegada dos legumes.
Além disso, a expansão de pastos para animais de produção é uma das principais causas do desmatamento, especialmente no Brasil. Em todo o mundo, segundo a HSI, utilizamos mais terras para alimentar animais de produção do que para qualquer outro fim. Mais de 97% do farelo de soja e 60% da produção global de cevada e milho são usadas para alimentar animais de produção.
O impacto é tamanho que uma família americana de renda média que deixe de consumir carne vermelha e laticínios e os substitua por produtos de origem vegetal apenas um dia por semana terá, ao final de um ano, reduzido suas emissões anuais gases-estufa em volume equivalente ao emitido ao dirigir 1.600 quilômetros.
A partir de cálculos como esse surgiu a campanha Segunda Sem Carne, que propõe às pessoas evitar carne vermelha ao menos uma vez por semana.
É uma tentativa de refrear o aumento da demanda: de 1980 e 2005, o consumo de per capita de carnes no Brasil praticamente dobrou, alcançando níveis similares ao de países desenvolvidos, segundo a FAO. O consumo de laticínios e ovos também cresceu significativamente, em 40% e 20%, respectivamente.
Mas reduzir consumo não é a única alternativa. Para os carnívoros inveterados, o novo relatório da FAO mostra como a produção de carnes pode diminuir seus impactos e emissões se adotar novas tecnologias, técnicas mais avançadas de manejo e elevar a produtividade. Mais que isso, apresenta propostas para formuladores de políticas públicas.
O relatório ainda aponta que programas com objetivo de reduzir as emissões do setor devem também levar em consideração o bem-estar animal. Além de se submeter a regras mais rígidas para um tratamento humanitário dos animais no lado da oferta, na ponta da demanda o consumidor pode dar preferência a produtos que tenham padrões de bem-estar animal mais elevados.
“No Brasil, cerca de 90% da produção de ovos é proveniente do sistema de gaiolas em bateria convencional, tão intensivo que os animais praticamente não podem se mover. Na indústria suína, a maioria das porcas reprodutoras passam praticamente suas vidas inteiras em celas de gestação, que têm praticamente o mesmo tamanho do corpo dos animais e não permitem que as porcas sequer se virem dentro delas ou deem mais do que um passo para frente ou para trás”, informa a HSI.
Segundo a organização, o confinamento de poedeiras nas gaiolas em bateria convencional e o confinamento contínuo de porcas reprodutoras em celas de gestação já foram proibidos em toda a União Europeia e em vários estados dos EUA. Líderes de mercado como McDonald’s, Burger King, Wendy’s e Costco anunciaram que eliminarão o uso de celas de gestação em suas cadeias de fornecimento nos EUA.
Resta saber por que essas redes têm políticas diferenciadas nos países em que atuam, em vez de enfrentar o assunto de forma global, partindo do simples respeito à vida, seja ela qual for.
*Post originalmente publicado no Blog da autora no Terra Magazine